Previdência – o direito não garantido

Previdência – o direito não garantido

Um fato é claro: se não alterarmos o roteiro, não teremos combustível para chegar ao destino. Intermináveis discussões sem considerar essa restrição não parecem fazer muito sentido. É uma questão técnica, e não ideológica. Como bem adverte o ex-ministro Delfim Netto: “Não se trata de tirar direitos adquiridos, mesmo porque eles não serão reconhecidos no caos que nos espera se nada for feito!”

Desde o início da década passada já sabemos que as contas do sistema previdenciário são insustentáveis. Não só porque a equação foi mal dimensionada, mas também porque os brasileiros vivem cada vez mais e o nosso bônus demográfico vai entrando na reta final, com término previsto para 2030.

Levantamento da Confederação Nacional da Indústria (CNI) aponta um déficit de R$213 bilhões em 2015, dos quais R$86 bilhões provêm do Regime Geral da Previdência Social (o INSS), que atende em torno de 25 milhões de pensionistas e aposentados; R$73 bilhões têm origem no Regime Próprio da Previdência Social, que assiste menos de 1 milhão de servidores da União; e R$ 54 bilhões vêm dos regimes que servem os servidores públicos dos Estados e municípios. Os gastos previdenciários atingiram o recorde de R$ 700 bilhões. Equivalentes a 11,2% do PIB.

Diversas distorções ajudam a explicar o desequilíbrio. Sabe-se que a expectativa de vida da população brasileira vem crescendo significativamente, mas as pessoas continuam se aposentando cedo, recebendo, assim, o benefício por mais tempo. Enquanto nos países da Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE) a idade média de aposentadoria é de 64,2 anos, aqui não passa dos 58. Por tempo de contribuição é 56 anos para os homens e de 53 para as mulheres- ou seja, ainda em fase bastante produtiva. Temos também aposentadorias especiais para certas categorias, como professores e policiais, privilégios como pensão vitalícia para filhas de militares, sem esquecer as aposentadorias integrais para os servidores públicos e as fraudes e desvios que continuam desafiando os sistemas de controle. Recentemente, foi divulgado que Brasília tem 45 mil pescadores que recebem o seguro-defeso, quando se sabe que a única praia da capital é o Lago Paranoá, não muito dado a peixe.

A previdência rural, por sua vez, é um sistema em que quase não há contribuição. Os trabalhadores rurais são responsáveis por 2% da arrecadação e recebem 26% dos benefícios. A preços de janeiro de 2016, a previdência urbana gerou em 2015, um superávit de R$5,5 bilhões, que, somado ao déficit de R$96 bilhões da previdência rural, resultou num déficit total de R$90,5 bilhões do INSS. Portanto, a busca do equilíbrio nas contas depende em grande parte da definição de uma equação sustentável para as aposentadorias rurais, que passa pela discussão de critérios de acesso e de fontes de financiamento.

Em 2015, R$159 bilhões do orçamento do governo federal foram destinados a cobrir o rombo dos servidores públicos e dos trabalhadores rurais, um crescimento de 32% em relação a 2014. O projeto de Lei de Diretrizes Orçamentárias (LDO) prevê para 2017 um déficit e R$167 bilhões apenas para o INSS, sem considerar, pois, os regimes próprios dos servidores, se uma reforma urgente não for implementada. Em 2016 esse rombo já deve alcançar R$ 133 bilhões. São números explosivos, a causa principal do desequilíbrio fiscal do País. Não podemos mais nos dar ao luxo das intermináveis discussões ideológicas. É uma questão prática e técnica.

Precisamos cumprir o artigo 68 da Lei de Responsabilidade Fiscal criando o Fundo do Regime Geral da Previdência, estabelecer uma idade mínima, desvincular o reajuste do benefício do salário mínimo, convergir todos os sistemas previdenciários, eliminando privilégios, corrigir as insustentáveis regras de pensão por morte e buscar, com muito mais rigor, coibir fraudes e desvios. Pois o direito mais caro é o que não se sustenta mais.

Publicado no jornal O Estado de São Paulo em 11 de outubro de 2016.

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