Consequências de maus hábitos

Num período de desafios atípicos em função da pandemia – em que fechamos o ano com um dos mais robustos programas de auxílio aos mais necessitados e à economia, com a dívida bruta ultrapassando os 90%, colocando-nos entre os países emergentes mais endividados do mundo, e em meio a pressões para estender o auxílio emergencial –, o Tesouro Nacional divulgou relatório alertando para o risco de despesas temporárias passarem a ser permanentes, e lembrando ser a sustentabilidade fiscal a base da ancoragem de expectativas, condição para a queda dos juros, a manutenção da confiança dos agentes econômicos e para a melhoria sustentável da vida dos brasileiros nos próximos anos.

A falta de entendimento entre o Executivo e o Legislativo na aprovação de medidas de disciplina fiscal como as PECs do Pacto Federativo, Emergencial e dos Fundos, e a desidratação do substitutivo da PEC 186 que buscava aglutinar as três anteriores, indica que mais uma vez caminhamos para solução insuficiente. Os congressistas insistem em manter os privilégios do funcionalismo em relação aos trabalhadores do setor privado (excluíram a possibilidade de redução de até 25% dos salários e jornada), não incorporaram os três “ds” (desobrigação, desvinculação e desindexação), e nem ao menos a unificação dos gastos com saúde e educação, o que daria alguma flexibilidade aos gestores públicos. Se esse texto for aprovado, ele não ajudará no cumprimento do teto dos gastos, a nossa principal âncora fiscal. E o descumprimento do teto certamente levaria a um aumento na taxa de juros e a dificuldades na rolagem da dívida pública, lembrando que a administração de um passivo da magnitude da dívida atual traz desafios pouco triviais. O economista Márcio Garcia alerta que o desrespeito ao teto colocaria a dívida em trajetória explosiva. E a Secretaria de Política Econômica alerta para possíveis consequências em 2021: queda de 1,5 pontos percentuais na taxa de crescimento da economia, aumento de 1,1 pontos percentuais na taxa de juros, 1,4 na inflação e 200 pontos no “credit default swap” (CDS) do país. Apesar de os juros de curto prazo estarem historicamente baixos, a curva no Brasil está mais inclinada do que em países como Chile e Colômbia, reforçando a necessidade de reformas que garantam o equilíbrio fiscal e o aumento da produtividade da economia.

O surpreendente aquecimento da economia no segundo semestre de 2020, decorrente de uma injeção inédita de recursos na economia – quase R$ 1 trilhão, onde apenas os R$ 290 bilhões do auxílio emergencial já excederam com folga a perda de renda do trabalho durante a pandemia –, de uma taxa de juros reduzida e do aquecimento do mercado de commodities que nos beneficia sobremaneira, não deve minimamente sugerir que possamos manter o ritmo de gastos de 2020, quando consumimos em um ano o equivalente à economia prevista pela importante reforma da Previdência em 10 anos. O secretário do Tesouro Nacional substituto, Otávio Ladeira, alertou na última semana do ano que novos gastos públicos são limitados tanto pelas regras fiscais – que foram flexibilizadas em 2020 devido à pandemia, mas voltam a vigorar em 2021 – como pelas questões de sustentabilidade da dívida. A construção de um novo programa social, por exemplo, passa necessariamente pela melhoria da qualidade do gasto. Segundo o ex-ministro Joaquim Levy, quanto maior a incerteza dos agentes econômicos em relação à trajetória fiscal, maior o risco de a economia contrair com o fim do auxílio emergencial.

Em mensagem de final de ano, o secretário de Política Econômica, Adolfo Sachsida, afirma depender apenas de nós um bom 2021: fazer a lição de casa no lado fiscal e continuar avançando na agenda de reformas econômicas. O Brasil vem ficando para trás há 40 anos. Há 20 anos os demais emergentes vêm crescendo mais do que nós. Não é inteligente insistir nos maus hábitos.

Publicado no Jornal Estado de Minas.

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