Por um Estado eficiente

A reforma administrativa que tramita no Congresso Nacional é uma oportunidade para modernizar o Estado, desengessando-o, criando ferramentas que permitam valorizar os bons servidores, estimulando e reconhecendo o bom desempenho, a exemplo do que vêm fazendo diversos países, inclusive vizinhos nossos como Chile e Colômbia. Como bem alertou o deputado federal Tiago Mitraud, líder da Frente Parlamentar da Reforma Administrativa: “ A baixa produtividade do setor público afeta diretamente a produtividade e a competitividade do país. Aprovando a reforma, vamos ver melhorias significativas no setor público e na produtividade do país como um todo”. Segundo o ex–presidente do Banco Central Armínio Fraga, o funcionalismo e a Previdência Social, mesmo após a reforma de 2019, são as duas contas que apresentam as maiores oportunidades para reduzir o gasto público, uma vez que representam cerca de 80% da despesa do Estado, contra uma média de 50% a 60% em outros países.

Para renumerar 11,5 milhões de servidores públicos federais, estaduais e municipais, o Brasil gastou R$ 944 bilhões, em 2018, equivalentes a 13,4% do PIB, um dos percentuais mais altos do mundo. Os Estados Unidos, por exemplo, gastaram 9,2% do PIB para renumerar 22 milhões de servidores. A Alemanha gasta 7,5%, a Colômbia 7,3%, e a Coreia do Sul, 6,1%. Em contrapartida, no final de 2019, a OCDE divulgou relatório de avaliação da administração pública em 44 países, com a percepção da população sobre os serviços públicos. O Brasil aparece mal na foto. Na educação, apenas 51% de cidadãos satisfeitos, contra 66% na média da OCDE e 70% na china, por exemplo. Na saúde, aparecemos com 33%, a China com 69% e a média da OCDE com 70%. Os dados mostram que o país gasta muito e gasta mal, o que reforça a necessidade de mudanças.

Outros países passaram por isso. Portugal foi obrigado a fazer uma reforma administrativa, em 2011, como uma das contrapartidas à ajuda financeira que recebeu da Comunicação Econômica Europeia e do FML. Cerca de 30% dos organismos públicos foram reduzidos ou extintos, 1.300 carreiras foram convertidas em 20 específicas, como médicos e magistrados, e quatro do regime geral. O professor João Bilhim, da Universidade de Lisboa, que presidiu a comissão técnica da reforma, afirmou: “Foi um choque de realidade num setor que estava habituado a trabalhar na zona de conforto, aproximando o novo servidor público aos demais da iniciativa privada”. A recuperação do país muito se deveu ao aumento da produtividade decorrente da melhor alocação dos recursos havida após as mudanças.

Além do alto custo da máquina pública, existem claras distorções a recomendar mudanças. Como a existência de um quadro de 15,5 mil funcionários, que custam R$ 1,6 bilhão ao ano, para administrar a folha de salários da União. Ou aberrações decorrentes do engessamento da grade de carreiras públicas, que obriga a manter servidor desocupados em funções obsoletas como discotecário, operador de videocassete, operador de telex, especialista de linotipo, datilógrafo, entre outras. Ou ainda um sistema de avaliação que concede a mais de 95% dos servidores a bonificação máxima por desempenho, performance a fazer inveja às melhores empresas. Além do que, 60% das gratificações continuam a ser pagas após a aposentadoria!

O Brasil não pode mais postergar uma reforma administrativa que permita ao país criar uma máquina pública forte, enxuta e ágil, capaz de apoiar e estimular o crescimento. É possível reduzir o número de carreiras na administração federal de 300 para cerca de 20. E é preciso diminuir os salários de início de carreira e estender o prazo para alcançar o teto, tomando por base o que paga o setor privado. Pesquisa feita pelo Banco Mundial, em 2019, mostrou que o salário no setor público é 96% superior ao do cargo equivalente no setor privado. A estabilidade deverá ser restrita às atividades exclusivas de Estado, como diplomatas e policiais, Avaliações de desempenho devem ser técnicas e rigorosas, incluindo indicadores de qualidade do serviço prestado à população, de modo a qualificar o atendimento e reconhecer os bons servidores. É necessário reduzir a burocracia e aumentar a capacidade de investimento do governo.

Mesmo que a reforma só venha a valer para os novos funcionários públicos, o que inegavelmente reduz muito o seu alcance, é necessário ter pressa, uma vez que mais de 40% do atual quadro estará se aposentando até 2030, o que exigirá novos concursos. Mas como bem destacou Allan Falls, um dos principais coordenadores das reformas que resgataram a competitividade da Austrália no final do Século passado e início deste, é preciso manter aceso o senso de crise para que as mudanças aconteçam. Além do sempre importante senso de urgência. Com a palavra, o Congresso Nacional.

Publicado no jornal Estado de Minas