O imprescindível senso de urgência

O Brasil sempre foi visto pelos turistas internacionais como um país alegre, que recebia bem e sabia fazer festas como ninguém. E o brasileiro médio sempre achou que alguém pagaria pelas festas, nem que fosse a viúva. Ou melhor, que seria mesmo a viúva rica. Ainda mais em um país poderoso, onde uma crise forte como a de 2008 não seria capaz de provocar mais do que marolas. Tanto que não foi necessário nem guardar a enorme riqueza colhida com o boom das commodities da década passada para enfrentar períodos difíceis que, todos sabem, voltam de tempos em tempos como fizeram outros países que também surfaram essa onda gerada por um período de alto crescimento da China.

Aqui aproveitamos para melhorar a festa, aumentando gastos públicos, que em sua maioria são permanentes, isto é, não podem ser reduzidos em épocas de vacas magras, pois está na Constituição. Realmente, é coisa de país rico. Só que os brasileiros descobriram que a tal viúva está cada vez mais endividada e, na realidade, vive dos impostos que eles mesmos pagam, e que os 12 milhões de desempregados já não conseguem mais quitar. E os turistas perceberam que as festas brasileiras estão ficando muito perigosas.

Desde 2014, apesar dos inúmeros impostos cobrados, o índice de despesa real primária vem se descolando da receita real primária, o que significa que a arrecadação não tem mais sido suficiente para bancar as despesas. A consequência é um déficit público nominal na faixa de 7,5% do PIB, muito superior à média dos países emergentes, que, segundo o FMI, deve ficar em 3,9% em 2018. Esse resultado, que inclui os gastos com juros, é um dos indicadores da debilidade fiscal de um país, juntamente com a dívida pública bruta, que aqui já alcançou os 77% do PIB, vindo de 51% em 2013, e pior, continua em trajetória explosiva, podendo chegar a 88% em 2022, segundo projeções da consultoria Tendências. Esse quadro nos transformou no quarto país emergente mais vulnerável, conforme ranking do banco JP Morgan. Ainda para efeito de comparação, o FMI estima em 51% a dívida bruta média dos emergentes para 2018.

Gatilhos automáticos de aumentos de gastos, orçamento público engessado, além da constante pressão do Congresso Nacional, e por vezes também do Judiciário, por mais gastos – seja atendendo a pressões das corporações públicas por manutenção ou ampliação de privilégios –, de empresas influentes por mais benefícios fiscais de retorno discutível, de apadrinhados pela criação de novos municípios (proposta de 300, em junho de 2018) que majoram gastos públicos e não trazem benefícios à população, são o retrato de uma festa que está deixando uma conta cada vez mais alta para os brasileiros.

Diferente de crises anteriores que impactaram fortemente a nossa economia, decorrentes de problemas cambiais ou de financiamento de balanço de pagamentos graves, a atual se deve a problemas domésticos, teoricamente sob o nosso controle, de descontrole das contas públicas. O resto do mundo até que vai bem, apesar dos rompantes do presidente norte-americano. Então o que o poder público no Brasil precisa é fazer a lição de casa, como famílias e empresas minimamente organizadas fazem. A diferença é que as que não fazem pagam a sua conta – e, quando aqueles que deveriam servir o público não a fazem, quem paga a conta somos todos nós.

E não existe solução sem ajuste fiscal, que passa por forte redução dos gastos públicos, capaz de resgatar a confiança dos investidores na capacidade do governo de pagar as suas contas, reduzindo assim o prêmio de risco e os elevados juros que retroalimentam a dívida pública. Para isso, há que se equacionar o principal gasto, que já representa mais da metade (55%) das despesas primárias totais, que são as aposentadorias públicas e privadas. A começar pelos privilégios nos benefícios sociais dos servidores públicos, para legitimar a imposição de sacrifícios aos muito mais espartanos benefícios dos trabalhadores do setor privado.

Outras reformas são também fundamentais, como a desindexação da assistência social em relação ao salário mínimo e a simplificação da caótica estrutura tributária, além do combate à corrupção e à ineficiência dos gastos, entraves importantes ao crescimento da empacada produtividade da nossa economia. Temos de fazer com que o setor público volte a servir o público, a sociedade, em áreas críticas como a segurança. Hoje, 90% dos recursos destinados à área vão para pagamento de salários e aposentadorias, 9% para custeio e apenas 1% para os investimentos que justamente poderiam aumentar a eficiência no combate ao crime (inteligência, equipamentos modernos, presídios suficientes e eficazes, treinamento). Isso vale para educação, saúde e para a combalida infraestrutura, todos importantes ingredientes do pesado Custo Brasil, que tanto penaliza quem aqui quer produzir.

E não temos todo o tempo do mundo para fazer as mudanças necessárias, como nos mostrou recentemente a Argentina. O presidente Maurício Macri adotou uma agenda modernizante e uma equipe competente para enfrentar a crise nas contas públicas e a falta de competitividade da economia (a exemplo do Brasil de hoje). Criou expectativas positivas e angariou popularidade e apoio internacional. O gradualismo na implantação das medidas corretivas, todavia, deixou o país vulnerável a imprevistos, que sempre insistem em ocorrer: a quebra na safra agrícola e a piora no cenário externo, provocada pelos Estados Unidos, desencadearam um ataque especulativo contra a moeda argentina, enterrando grande parte das recentes conquistas.

Portanto, se quisermos voltar a crescer, com inclusão social, e com consistência, temos de enfrentar as principais causas do nosso desequilíbrio fiscal com coragem, com vontade política e com pressa. Tudo o que ficar para amanhã ficará mais caro. Imprescindível resgatar o senso de urgência para voltarmos a ser um país alegre que possa oferecer festas seguras.

Prazo para apagar incêndio?

O governo recém-empossado tem o desafio de enfrentar uma forte crise das contas públicas, cujo auge aconteceu em 2015, quando o déficit nominal chegou a 10,2% do PIB, vindo de 2,3% em 2012 e com previsão de fechar 2018 com 7,3%. Um recuo importante, fruto de reformas já implementadas nos últimos dois anos, como a Lei do Teto de Gastos. Para que essa trajetória se sustente e possa continuar, todavia, é imprescindível que outras medidas sejam implantadas, a começar pela reforma da Previdência, para desarmar uma verdadeira bomba-relógio fiscal. Representando já mais da metade dos gastos públicos primários, aposentadorias e pensões constituem, de longe, a maior fonte de desequilíbrio das finanças do governo.

A discussão que se estabeleceu é sobre a pressa de implantar as mudanças. Certamente, tudo que não for feito hoje será mais caro amanhã. Além de deixar o país mais vulnerável a choques, como nos mostrou o recente exemplo da Argentina, onde o presidente Mauricio Macri criou um plano para modernizar a economia do país e formou equipe altamente qualificada. Imaginou, porém, que teria condições favoráveis para implantar as medidas gradualmente. Só não contava com a quebra da safra agrícola e com a deterioração das condições externas, que desencadearam um ataque especulativo à moeda do país, derretendo conquistas importantes do seu governo e obrigando-o a bater às portas do Fundo Monetário Internacional para evitar a insolvência. Maquiavel já havia alertado que o mal se faz de uma vez e não aos poucos. É no início do governo, antes da deterioração do capital político.

Exemplos de outros países mostram que os esforços para superar crises financeiras com cortes de gastos públicos valem a pena, ao contrário dos que buscam a solução no aumento de tributos, que não passa de maquiagem tóxica. A Dinamarca, por sua vez, demonstra que a escolha não deve ser entre Estado grande ou pequeno, e sim entre obeso ou musculoso, entre eficiente ou ultrapassado.

É hora de apagar incêndio. Pedir prazo numa hora dessas não parece razoável.

Publicado em 24/01/2019 nos jornais Diário Catarinense e A Notícia.

Repensar o gasto público

O Ministro da Fazenda, Eduardo Guardia, tem um diagnóstico claro sobre o problema fiscal do país: é gasto e, não, receita. As receitas já estão esticadas: 33% de carga tributária, quase 80% de dívida e déficit primário de 2% do PIB. Já existe excesso de transferência de recursos da sociedade para o poder público, de quem gasta mal, o que afeta a eficiência da economia e a taxa de produtividade. E, quanto maior a fartura de recursos, segundo Raul Velloso, especialista em contas públicas, maior corrupção, desperdício e ineficiência.

O que vale para a União vale para Estados e municípios. Não por acaso, o Rio de Janeiro, Estado com maior desequilíbrio nas contas, é o que mais recebeu e tem recebido recursos, para a Copa do Mundo, para Olímpiadas e pela arrecadação de royalties do petróleo. É o poder público deixando de servir o público para dele servir-se. Mesmo que existam alguns bons exemplos de controle de gastos, como a do desembargador Manoel Pereira Calças, presidente do Tribunal de Justiça de São Paulo, que conseguiu reduzir em 30% os valores dos contratos renegociados, em 2018, e que foi checar uma solicitação de verba de R$ 240 mil para impermeabilizar uma caixa d’água, sabendo que uma nova não custaria mais de R$ 25 mil.

A reforma da Previdência e o aumento de eficiência das despesas, para viabilizar a sobrevivência da lei do teto dos gastos, são medidas necessárias para gerar investimentos que permitam ampliar o PIB potencial, mantendo a inflação e os juros baixos. Segundo o governo, em 10 anos, a lei mencionada, aprovada em 2017, permitiria a despesa pública federal cair dos 20% do PIB para os 15% que tínhamos no início da década passada.

Quanto à velocidade do ajuste, é importante observar o que ocorreu na Argentina. A falta de pressa deixa o país mais vulnerável a imprevistos. É importante aprovar a reforma da Previdência neste ano, pela importância que tem para o ajuste fiscal. Lembrando que a proposta que está no Congresso já foi aprovada nas comissões e aguarda aprovação nos plenários da Câmara e do Senado.

Publicado em 10.11.2018 no Jornal A Notícia e Jornal Diário Catarinense

Responsabilidade fiscal para sair da crise

Todos os dias vemos notícias que confirmam a convicção do Ministro da Fazenda Eduardo Guardia de que o problema fiscal do país é gasto, e não receita. Por exemplo, pagamentos indevidos do Bolsa Família, aposentadorias por invalidez e auxílio doença no montante de R$ 10 bilhões no período de agosto de 2017 a maio de 2018. E uma expectativa de encontrar outros R$ 20 bilhões de benefícios irregulares nos próximos dois anos.

O Estado hoje gasta 20% do PIB para manter a máquina pública e não consegue investir nem 2% para prestar serviços de qualidade e ajudar a prover a infraestrutura necessária ao crescimento do país. A manutenção de inflação e juros baixos, alcançados em boa medida pelo baixo nível da atividade econômica, dependem do aumento de investimentos que permitam ampliar o PIB potencial. A inversão do quadro passa por ajustes fortes, pela Reforma da Previdência, pelo aumento de eficiência das despesas, para viabilizar a sobrevivência da importante lei do Teto de Gastos.

Para que os governos de plantão se sintam menos estimulados a fazer caridade com o chapéu do contribuinte, Yoshiaki Nakano, diretor da Escola de Economia da Fundação Getúlio Vargas propõe criar limite de endividamento para o Tesouro, a exemplo do que a Lei de Responsabilidade Fiscal (LRF) já determina para Estados e Municípios. Além do que, já é hora de implantarmos uma Instituição Fiscal Independente, para auxiliar na qualidade do gasto público e na moderação da carga tributária. Está previsto na LRF, promulgada em 2000, sob o nome de Conselho de Gestão Fiscal, e tem projeto de lei propondo sua criação de autoria do senador Paulo Bauer (PLS 141/2014), sob orientação do Movimento Brasil Eficiente, aprovado no Senado e tramitando na Câmara (PLP 210/2015).

A prática de responsabilidade fiscal permitirá ao governo voltar a criar reservas, através de superávits primários consistentes, nos períodos de crescimento, para atravessar os períodos difíceis, que sempre vêm. Infelizmente, destinamos as sobras do período de boom das commodities a aumentos de gastos permanentes. Com isso, criamos a nossa armadilha fiscal.

Publicado no Jornal Notícias do Dia em 06.11.2018

A doença do estado ineficiente

Governar não deveria ser sinônimo de cobrar impostos. Quando se avalia o tamanho de uma carga tributária, isso deve ser feito à luz do compromisso elementar de um bom governo – prestar os serviços públicos básicos com qualidade e fazer os investimentos necessários –, considerando o princípio da eficiência dos gastos. Qualquer proposta de aumento de impostos que não passe por essa régua implica escolher solução simplista e transfere para a sociedade o custo da ineficiência.

O Brasil tem a pior relação mundial entre impostos cobrados e serviços devolvidos à sociedade. Não por acaso, mesmo com uma das cargas tributárias mais altas do planeta, o país presta serviços de péssima qualidade, praticamente não consegue investir e atravessa uma séria crise fiscal, o que para uma empresa privada significaria situação pré-falimentar. Em outras palavras, recursos não faltam, mas a gestão é ruim.

Se o governo gasta mal, elevar a carga tributária reduz a eficiência da economia. Em grande parte, é por essa razão que o Brasil tem produtividade baixa e está preso na armadilha da renda média. Portanto, devemos estar atentos a quem propõe aumento de impostos para resolver a “falta de recursos” do governo. Exemplos de diversos países comprovam que resolver crise fiscal com redução de gastos permite crescimento econômico consistente, ao contrário do que acontece quando o caminho escolhido é o da majoração de impostos.

Infelizmente, mesmo alguns economistas importantes, presos a um viés de continuísmo, têm pregado que não há outra saída senão o aumento de carga tributária para equacionar o problema das contas públicas. O que demonstra conformismo com a falta de coragem política dos governantes para enfrentar a doença de ineficiência do Estado. Honrosas exceções permitiram reformas importantes, apesar de insuficientes, e nos mostram que soluções existem e que o esforço vale a pena. Por que não dar mais atenção, no poder público, a conceitos, alguns mais antigos, outros mais recentes, mandatórios na iniciativa privada: meritocracia, orçamento base zero, disrupção e tecnologias digitais?

Publicado no jornal Diário Catarinense em 09/10/2018.