Difícil escolha entre o necessário e o conveniente

Oportunismo, vandalismo e questões ideológicas à parte, as manifestações vêm sinalizando a crescente impaciência da sociedade com os fortes indícios de continuar vendo mais do mesmo na política do país. Optou-se pela mudança de um modelo imoral, inadequado e insustentável, voltado aos interesses do poder e de seus agregados, fortemente dissociado das reais necessidades da nação. Reprovou-se um Estado voltado a si mesmo, servindo-se do público, em vez de servi-lo. A motivação da mudança foi o conjunto da obra, alicerçada necessariamente nos comprovados atos de improbidade administrativa cometidos.

A sociedade espera enxergar medidas efetivas na direção de um modelo que resgate o papel primordial de um governo: disciplinar as relações socioeconômicas e prestar serviços básicos de qualidade à população, cobrando uma contrapartida na forma de tributos, com o menor custo de intermediação possível. Ao contrário do que acontece hoje, quando a máquina pública consome em torno de 20% do PIB, a sociedade recebe serviços de péssima qualidade e o que tem sobrado para investimentos públicos, necessários para o crescimento da economia, não tem ido além de 2% do PIB. Uma clara inversão de princípios e prioridades.

Há vários anos, os equívocos nas políticas públicas vinham apontando o comprometimento perigoso das contas do governo. Preocupado com esse quadro, nasceu, no início de 2010, na Associação Empresarial de Joinville, o Movimento Brasil Eficiente (MBE). Lançado formalmente em julho do mesmo ano, no auditório da Escola de Administração de Empresas de São Paulo, da Fundação Getúlio Vargas, reunindo empresários, economistas e outras lideranças, entre as quais Paulo Rabello de Castro, Yoshiaki Nakano, Roberto Teixeira da Costa, Jorge Bornhausen, Raul Velloso, Antonio Delfim Netto, Paulo Francine e Mário Petrelli, com o apoio de 130 das principais entidades empresariais e não empresariais do país, alertava para a alta conta que a sociedade viria a pagar se a eficiência e moralidade dos gastos e da gestão pública não fossem resgatados.  E apontava os caminhos para fazê-lo.

O contínuo crescimento do gasto público corrente (custeio + transferências) no país nos últimos anos tem trazido consequências danosas: redução da capacidade de investimento do governo, precarização dos serviços prestados à população, aumento explosivo da dívida pública, aumento da carga tributária, comprometimento da capacidade de investimento do setor privado, perda de competitividade da nossa economia, destruição de milhões de empregos. Então, não pode restar nenhuma dúvida sobre a necessidade de conter o gasto público – especialmente o corrente – para resolvermos o problema mais grave, que é a insolvência do Estado. A PEC do gasto proposta ao Congresso, que limita o crescimento das despesas à inflação do ano anterior, é um avanço, apesar de trazer um resquício de indexação. Correto seria estabelecer como teto um percentual do crescimento da economia. Assim, evitaríamos a continuidade do processo de apropriação pelo governo de parcela crescente da riqueza gerada pelos que trabalham.

Por isso, a sociedade não entende quando o governo e o Congresso começam a fazer concessões nos projetos de saneamento fiscal justamente para atender pressões da máquina pública interessada em preservar um quadro que já se mostrou insustentável. O conceito de direitos adquiridos nesse contexto deve ser confrontado necessariamente com o de direitos sustentáveis. A sociedade também não entende quando o governo vacila em encaminhar ao Congresso, antes das eleições municipais, uma urgente reforma previdenciária para tapar o principal buraco nas finanças públicas. Ainda mais que, segundo a CNI, 75% dos brasileiros preferem que as regras de aposentadoria se  tornem menos benevolentes a ter que pagar mais impostos para cobrir os rombos do sistema atual.

Mesmo sabendo que as dificuldades políticas estão longe de serem desprezíveis, não está claro se o governo está disposto a fazer o necessário para realmente mudar ou se vai continuar alegando que está fazendo o possível dado o quadro político. Para o ator político tradicional, é uma escolha difícil: privilegiar as próximas eleições ou as próximas gerações. O estadista tem um caminho claro pela frente. Mais uma oportunidade para quem quiser fazer história. O cavalo está passando encilhado, e a sociedade certamente ajudará o cavaleiro a subir na sela. Acho que vale a aposta.

Publicado em 17/10/2016 no Jornal Correio Braziliense.

Previdência – o direito não garantido

Um fato é claro: se não alterarmos o roteiro, não teremos combustível para chegar ao destino. Intermináveis discussões sem considerar essa restrição não parecem fazer muito sentido. É uma questão técnica, e não ideológica. Como bem adverte o ex-ministro Delfim Netto: “Não se trata de tirar direitos adquiridos, mesmo porque eles não serão reconhecidos no caos que nos espera se nada for feito!”

Desde o início da década passada já sabemos que as contas do sistema previdenciário são insustentáveis. Não só porque a equação foi mal dimensionada, mas também porque os brasileiros vivem cada vez mais e o nosso bônus demográfico vai entrando na reta final, com término previsto para 2030.

Levantamento da Confederação Nacional da Indústria (CNI) aponta um déficit de R$213 bilhões em 2015, dos quais R$86 bilhões provêm do Regime Geral da Previdência Social (o INSS), que atende em torno de 25 milhões de pensionistas e aposentados; R$73 bilhões têm origem no Regime Próprio da Previdência Social, que assiste menos de 1 milhão de servidores da União; e R$ 54 bilhões vêm dos regimes que servem os servidores públicos dos Estados e municípios. Os gastos previdenciários atingiram o recorde de R$ 700 bilhões. Equivalentes a 11,2% do PIB.

Diversas distorções ajudam a explicar o desequilíbrio. Sabe-se que a expectativa de vida da população brasileira vem crescendo significativamente, mas as pessoas continuam se aposentando cedo, recebendo, assim, o benefício por mais tempo. Enquanto nos países da Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE) a idade média de aposentadoria é de 64,2 anos, aqui não passa dos 58. Por tempo de contribuição é 56 anos para os homens e de 53 para as mulheres- ou seja, ainda em fase bastante produtiva. Temos também aposentadorias especiais para certas categorias, como professores e policiais, privilégios como pensão vitalícia para filhas de militares, sem esquecer as aposentadorias integrais para os servidores públicos e as fraudes e desvios que continuam desafiando os sistemas de controle. Recentemente, foi divulgado que Brasília tem 45 mil pescadores que recebem o seguro-defeso, quando se sabe que a única praia da capital é o Lago Paranoá, não muito dado a peixe.

A previdência rural, por sua vez, é um sistema em que quase não há contribuição. Os trabalhadores rurais são responsáveis por 2% da arrecadação e recebem 26% dos benefícios. A preços de janeiro de 2016, a previdência urbana gerou em 2015, um superávit de R$5,5 bilhões, que, somado ao déficit de R$96 bilhões da previdência rural, resultou num déficit total de R$90,5 bilhões do INSS. Portanto, a busca do equilíbrio nas contas depende em grande parte da definição de uma equação sustentável para as aposentadorias rurais, que passa pela discussão de critérios de acesso e de fontes de financiamento.

Em 2015, R$159 bilhões do orçamento do governo federal foram destinados a cobrir o rombo dos servidores públicos e dos trabalhadores rurais, um crescimento de 32% em relação a 2014. O projeto de Lei de Diretrizes Orçamentárias (LDO) prevê para 2017 um déficit e R$167 bilhões apenas para o INSS, sem considerar, pois, os regimes próprios dos servidores, se uma reforma urgente não for implementada. Em 2016 esse rombo já deve alcançar R$ 133 bilhões. São números explosivos, a causa principal do desequilíbrio fiscal do País. Não podemos mais nos dar ao luxo das intermináveis discussões ideológicas. É uma questão prática e técnica.

Precisamos cumprir o artigo 68 da Lei de Responsabilidade Fiscal criando o Fundo do Regime Geral da Previdência, estabelecer uma idade mínima, desvincular o reajuste do benefício do salário mínimo, convergir todos os sistemas previdenciários, eliminando privilégios, corrigir as insustentáveis regras de pensão por morte e buscar, com muito mais rigor, coibir fraudes e desvios. Pois o direito mais caro é o que não se sustenta mais.

Publicado no jornal O Estado de São Paulo em 11 de outubro de 2016.

Para curar a ressaca

Embalado pelos momentos de glória proporcionados pelo boom das commodities, o governo passou a última década e meia gastando o que tinha e o que não tinha. Como não poderia deixar de ser, a ressaca chegou. Segundo a consultoria RC, a carga tributária subiu de 26% do Produto Interno Bruto (PIB) para 36% nos últimos 20 anos. A dívida bruta da União cresceu 12 pontos percentuais, para 61% do PIB, no curto período do final de 2013 até o de 2015. Os investimentos públicos, fundamentais para o crescimento, despencaram para algo como 2% do PIB.

A gastança, por outro lado, vinha pressionando fortemente a inflação, obrigando o Banco Central a elevar a taxa de juro a um nível que pudesse desestimular o consumo das famílias e os investimentos das empresas. Isso significa restringir os gastos mais eficientes (os privados) para permitir a manutenção dos menos eficientes (os públicos). Com um efeito colateral importante: passamos a ter o mais alto custo de dívida do mundo. Só em 2015, pagamos R$503 bilhões de juros, 10 vezes mais do que o poder público investiu em infraestrutura. A taxa de juro é maior do que a de países fortemente endividados, como Itália e Grécia.

Lamentavelmente, a situação deve piorar antes de melhorar. A dívida bruta provavelmente chegará aos 70% do PIB ao final do ano e poderá ultrapassar os 80% no fim de 2018. E o serviço da dívida deve ultrapassar os 10% do PIB já em 2016. Segundo a agência de classificação de risco Fitch, em países com características semelhantes, a dívida média é de 44%.

O quadro deixa clara a necessidade de aprovar a PEC que limita o crescimento dos gastos públicos correntes e de se fazer a reforma da Previdência. O Movimento Brasil Eficiente (MBE) tem elaborado e apresentado propostas consistentes para corrigirmos a rota e recuperarmos os fundamentos que permitam um crescimento sustentável. Tramita na Câmara dos Deputados o Projeto de Lei 210/2015 do senador Paulo Bauer, após ter sido aprovado por unanimidade no Senado Federal em 2015, que propõe a criação do Conselho de Gestão Fiscal, uma ferramenta imprescindível ao equilíbrio das contas públicas pela via da eficiência dos gastos. O MBE também encaminhou a PEC da Simplificação Fiscal, que se encontra na Comissão Especial da Reforma Tributária, e apresentou a Lei de Controle Orçamentário na Comissão de Assuntos Econômicos do Senado e na Comissão Mista do orçamento. Entre outros.

Quanto maior a ressaca, mais amargo o remédio. Temos que resgatar o senso de urgência.

Publicado em 05/10/2016 no Diário Catarinense, A Notícias e Jornal de Santa Catarina em Blumenau

Competitividade Sistêmica X Assistencialismo

A expressão “bolsa empresa” tem sido utilizada para criticar o assistencialismo que prevaleceu nos últimos anos, beneficiando especialmente grandes empresas próximas ao poder. Não há dúvida de que é uma distorção, especialmente no que se refere à relação obscura de alguns grupos com os governos de plantão. Por outro lado, importante lembrar que é uma distorção que, em grande parte, tem origem e é alimentada nos percalços que o próprio Estado coloca no caminho de quem quer produzir no Brasil.

O último Relatório Mundial sobre a Competitividade do IMD de Lausanne (Suíça), publicado em maio deste ano, mostra o país perdendo mais uma posição, em relação ao ano anterior. Após perder 19 posições entre 2010 e 2016, estamos no 57º lugar, entre 61 países avaliados. Atrás de nós, apenas a Venezuela, Mongólia, Ucrânia e Croácia. O professor Arturo Bris, responsável pelo trabalho, diz que o Brasil tem o pior governo do mundo neste relatório: ficou no 61º lugar, o mais baixo nível em gestão das contas públicas, transparência, barreiras ao comércio exterior e regulações laborais.

Segundo a Confederação Nacional da Indústria (CNI), no ano passado as exportações de manufaturados brasileiros atingiram o menor patamar desde 2009, e a participação do Brasil nas exportações mundiais caiu de 1,4%, em 2011, para 1,2%, em 2014.

O velho e conhecido Custo Brasil nos transformou num país caro para produzir. Carga de impostos elevada, estrutura tributária insana, legislação trabalhista retrógrada, encargos laborais excessivos, infraestrutura deficiente, normas regulamentadoras e outras burocracias que infernizam a vida das empresas são alguns dos componentes deste fardo que freia a economia.

É necessário remover esses obstáculos que comprometem a produtividade, um dos principais indicadores da competitividade de um país. Para ilustrar, no período de 2003-2012 a taxa de crescimento média anual da produtividade total foi de 0,4% no Estados Unidos, 1,5% na Argentina, 1,7% na Coreia do Sul, 2,3% na Índia, 4,0% na China e -0,3% no Brasil. É fundamental, ainda, que o aumento dos salários caminhe junto com a produtividade, o que não tem ocorrido aqui.

Para tentar compensar o que tira com uma mão, o Estado devolve subsídios com a outra. De forma distorcida e com alto grau de ineficiência. O empresário brasileiro não precisa de esmolas nem de favores, apenas de um ambiente que lhe permita competir de forma saudável. Temos que resgatar a competitividade sistêmica da nossa economia.
Publicado no Diário Catarinense, A Notícia e Jornal de Santa Catarina em Blumenau na edição de fim de semana 10 e 11/09/16.

Solução simplista do aumento dos impostos

Mais e mais, o bom senso vem recomendando que o gasto público corrente cresça menos do que a geração de riquezas no país. Condição para que a arrecadação sobre a riqueza marginal seja decrescente e preponderantemente destinada a investimentos e os melhores serviços públicos. Os últimos anos, todavia, mostraram um quadro diverso. Entre 2004 e 2014, enquanto o PIB cresceu a uma taxa média de 3,6% ao ano, a arrecadação federal evoluiu 5,3%, praticamente 50% a mais. Contudo, ainda não foi o suficiente para cobrir a explosão dos gastos correntes federais: 8,1% ao ano em média.

A equipe econômica está indo na direção correta quando propõe um limitador para o crescimento do gasto público, que seria a inflação do ano anterior. Melhor que esse teto fosse uma fração da taxa de crescimento da economia. De qualquer forma, será um importante avanço se for aprovado no Congresso.

Por outro lado, continuam iniciativas, inclusive no Congresso para aumentar a carga tributária. É o caminho mais fácil para quem está em Brasília: repassar o custo do ajuste para a sociedade, já visivelmente sobrecarregada de impostos. Todas as classes sociais já pagam demais. A título de exemplo, só para aumento de tributação sobre doações, heranças e fortunas temos quatro projetos tramitando com velocidade: PEC 96, PLP 281/16, PLS 534/11 e PL 5205/16. A sociedade civil organizada precisa se movimentar para que essas e outras iniciativas não prosperem.

Sem disciplina fiscal, não conseguiremos restabelecer os superávits primários, imprescindíveis para a estabilização e posterior redução da dívida pública do país, principal indicador da nossa saúde financeira. E também não conseguiremos avançar no combate às desigualdades sociais. Como bem adverte o ex-secretário da Receita Federal Everardo Maciel, é um equívoco pretender que a política tributária seja um meio eficaz para buscar avanços sociais por não existirem evidências que sustentem a tese. “As proposições que vinculam o tributo à redução das desigualdades, como as de Thomas Piketty (O Capital do Século XXI), são de uma impressionante ingenuidade. As mudanças recentes no perfil das desigualdades brasileiras estiveram claramente ligadas à estabilidade monetária, às transferências de renda, às regras de reajuste do salário mínimo, ao aumento na oferta de empregos etc. Nada que lembre, ainda que remotamente, a política tributária”, reforça Maciel. A impressão que fica é que aumentar impostos é um vício no Brasil.

Publicado em 25.08.2016 no DC, AN – Joinville e Jornal de Sta. Catarina de Blumenau