O inverno sempre vem

Crise política à parte, é importante reconhecer e apoiar o esforço que o atual governo vem fazendo para estancar uma crise econômica que afeta fortemente a vida de famílias e empresas brasileiras. Um bom tratamento requer diagnóstico correto, e há que se enaltecer aqui o mérito da equipe econômica. O país está pagando o preço de um período de gastança desenfreada, fruto de avaliação primária e irresponsável de que o boom de commodities não acabaria nunca. A crianças aprendem, na historinha da cigarra e da formiga, que, após o verão, sempre vem o inverno, e todos nós sabemos que se alternam períodos de vacas gordas com outros de vacas magras. Por algum capricho da natureza, o poder público deleta esses ensinamentos e tende a descuidar do princípio da precaução. Nos bons tempos, não só se gastou tudo o que foi colhido, como se aumentou carga tributária ao limite, e se colocou a dívida pública numa rota explosiva, para suportar gastos adicionais. E, diante dos crescentes sinais de que as contas não fechavam, buscou-se o caminho mais cômodo, para dizer o mínimo, de culpar a crise externa, o fim das vacas gordas, pela crise criada. O governo insistia em passar para a sociedade uma estranha mensagem de que não esperava que, após o verão e outono, viesse o inverno.

O desafio é controlar o irresponsável aumento dos gastos públicos correntes (custeio + transferências) e reconstruir as bases para a retomada do crescimento econômico sustentado. A PEC 55, do teto dos gastos, aguarda a segunda e última votação no Senado para ir a sanção presidencial. É passo importantíssimo, mesmo estabelecendo a inflação do ano anterior como limitador, e não o crescimento do PIB, que efetivamente evitaria o avanço do Estado sobre a riqueza marginal criada pela sociedade. Necessariamente, o passo seguinte deve ser a reforma da Previdência Social, maior dispêndio do governo, incluindo o encaminhamento dos seus dois maiores desequilíbrios, as aposentadorias dos servidores públicos e dos trabalhadores rurais. Até como condição para viabilizar o primeiro passo. Vale para todos os poderes, nos níveis federal, estadual e municipal.

E quanto mais tarde os ajustes vierem, mais caros serão, além de adiarem a retomada dos investimentos que criam as bases estruturais para o crescimento e geração de empregos.

Artigo publicado no Diário Catarinense em 09/12/2016.

Difícil escolha entre o necessário e o conveniente

Oportunismo, vandalismo e questões ideológicas à parte, as manifestações vêm sinalizando a crescente impaciência da sociedade com os fortes indícios de continuar vendo mais do mesmo na política do país. Optou-se pela mudança de um modelo imoral, inadequado e insustentável, voltado aos interesses do poder e de seus agregados, fortemente dissociado das reais necessidades da nação. Reprovou-se um Estado voltado a si mesmo, servindo-se do público, em vez de servi-lo. A motivação da mudança foi o conjunto da obra, alicerçada necessariamente nos comprovados atos de improbidade administrativa cometidos.

A sociedade espera enxergar medidas efetivas na direção de um modelo que resgate o papel primordial de um governo: disciplinar as relações socioeconômicas e prestar serviços básicos de qualidade à população, cobrando uma contrapartida na forma de tributos, com o menor custo de intermediação possível. Ao contrário do que acontece hoje, quando a máquina pública consome em torno de 20% do PIB, a sociedade recebe serviços de péssima qualidade e o que tem sobrado para investimentos públicos, necessários para o crescimento da economia, não tem ido além de 2% do PIB. Uma clara inversão de princípios e prioridades.

Há vários anos, os equívocos nas políticas públicas vinham apontando o comprometimento perigoso das contas do governo. Preocupado com esse quadro, nasceu, no início de 2010, na Associação Empresarial de Joinville, o Movimento Brasil Eficiente (MBE). Lançado formalmente em julho do mesmo ano, no auditório da Escola de Administração de Empresas de São Paulo, da Fundação Getúlio Vargas, reunindo empresários, economistas e outras lideranças, entre as quais Paulo Rabello de Castro, Yoshiaki Nakano, Roberto Teixeira da Costa, Jorge Bornhausen, Raul Velloso, Antonio Delfim Netto, Paulo Francine e Mário Petrelli, com o apoio de 130 das principais entidades empresariais e não empresariais do país, alertava para a alta conta que a sociedade viria a pagar se a eficiência e moralidade dos gastos e da gestão pública não fossem resgatados.  E apontava os caminhos para fazê-lo.

O contínuo crescimento do gasto público corrente (custeio + transferências) no país nos últimos anos tem trazido consequências danosas: redução da capacidade de investimento do governo, precarização dos serviços prestados à população, aumento explosivo da dívida pública, aumento da carga tributária, comprometimento da capacidade de investimento do setor privado, perda de competitividade da nossa economia, destruição de milhões de empregos. Então, não pode restar nenhuma dúvida sobre a necessidade de conter o gasto público – especialmente o corrente – para resolvermos o problema mais grave, que é a insolvência do Estado. A PEC do gasto proposta ao Congresso, que limita o crescimento das despesas à inflação do ano anterior, é um avanço, apesar de trazer um resquício de indexação. Correto seria estabelecer como teto um percentual do crescimento da economia. Assim, evitaríamos a continuidade do processo de apropriação pelo governo de parcela crescente da riqueza gerada pelos que trabalham.

Por isso, a sociedade não entende quando o governo e o Congresso começam a fazer concessões nos projetos de saneamento fiscal justamente para atender pressões da máquina pública interessada em preservar um quadro que já se mostrou insustentável. O conceito de direitos adquiridos nesse contexto deve ser confrontado necessariamente com o de direitos sustentáveis. A sociedade também não entende quando o governo vacila em encaminhar ao Congresso, antes das eleições municipais, uma urgente reforma previdenciária para tapar o principal buraco nas finanças públicas. Ainda mais que, segundo a CNI, 75% dos brasileiros preferem que as regras de aposentadoria se  tornem menos benevolentes a ter que pagar mais impostos para cobrir os rombos do sistema atual.

Mesmo sabendo que as dificuldades políticas estão longe de serem desprezíveis, não está claro se o governo está disposto a fazer o necessário para realmente mudar ou se vai continuar alegando que está fazendo o possível dado o quadro político. Para o ator político tradicional, é uma escolha difícil: privilegiar as próximas eleições ou as próximas gerações. O estadista tem um caminho claro pela frente. Mais uma oportunidade para quem quiser fazer história. O cavalo está passando encilhado, e a sociedade certamente ajudará o cavaleiro a subir na sela. Acho que vale a aposta.

Publicado em 17/10/2016 no Jornal Correio Braziliense.

Competitividade Sistêmica X Assistencialismo

A expressão “bolsa empresa” tem sido utilizada para criticar o assistencialismo que prevaleceu nos últimos anos, beneficiando especialmente grandes empresas próximas ao poder. Não há dúvida de que é uma distorção, especialmente no que se refere à relação obscura de alguns grupos com os governos de plantão. Por outro lado, importante lembrar que é uma distorção que, em grande parte, tem origem e é alimentada nos percalços que o próprio Estado coloca no caminho de quem quer produzir no Brasil.

O último Relatório Mundial sobre a Competitividade do IMD de Lausanne (Suíça), publicado em maio deste ano, mostra o país perdendo mais uma posição, em relação ao ano anterior. Após perder 19 posições entre 2010 e 2016, estamos no 57º lugar, entre 61 países avaliados. Atrás de nós, apenas a Venezuela, Mongólia, Ucrânia e Croácia. O professor Arturo Bris, responsável pelo trabalho, diz que o Brasil tem o pior governo do mundo neste relatório: ficou no 61º lugar, o mais baixo nível em gestão das contas públicas, transparência, barreiras ao comércio exterior e regulações laborais.

Segundo a Confederação Nacional da Indústria (CNI), no ano passado as exportações de manufaturados brasileiros atingiram o menor patamar desde 2009, e a participação do Brasil nas exportações mundiais caiu de 1,4%, em 2011, para 1,2%, em 2014.

O velho e conhecido Custo Brasil nos transformou num país caro para produzir. Carga de impostos elevada, estrutura tributária insana, legislação trabalhista retrógrada, encargos laborais excessivos, infraestrutura deficiente, normas regulamentadoras e outras burocracias que infernizam a vida das empresas são alguns dos componentes deste fardo que freia a economia.

É necessário remover esses obstáculos que comprometem a produtividade, um dos principais indicadores da competitividade de um país. Para ilustrar, no período de 2003-2012 a taxa de crescimento média anual da produtividade total foi de 0,4% no Estados Unidos, 1,5% na Argentina, 1,7% na Coreia do Sul, 2,3% na Índia, 4,0% na China e -0,3% no Brasil. É fundamental, ainda, que o aumento dos salários caminhe junto com a produtividade, o que não tem ocorrido aqui.

Para tentar compensar o que tira com uma mão, o Estado devolve subsídios com a outra. De forma distorcida e com alto grau de ineficiência. O empresário brasileiro não precisa de esmolas nem de favores, apenas de um ambiente que lhe permita competir de forma saudável. Temos que resgatar a competitividade sistêmica da nossa economia.
Publicado no Diário Catarinense, A Notícia e Jornal de Santa Catarina em Blumenau na edição de fim de semana 10 e 11/09/16.

Solução simplista do aumento dos impostos

Mais e mais, o bom senso vem recomendando que o gasto público corrente cresça menos do que a geração de riquezas no país. Condição para que a arrecadação sobre a riqueza marginal seja decrescente e preponderantemente destinada a investimentos e os melhores serviços públicos. Os últimos anos, todavia, mostraram um quadro diverso. Entre 2004 e 2014, enquanto o PIB cresceu a uma taxa média de 3,6% ao ano, a arrecadação federal evoluiu 5,3%, praticamente 50% a mais. Contudo, ainda não foi o suficiente para cobrir a explosão dos gastos correntes federais: 8,1% ao ano em média.

A equipe econômica está indo na direção correta quando propõe um limitador para o crescimento do gasto público, que seria a inflação do ano anterior. Melhor que esse teto fosse uma fração da taxa de crescimento da economia. De qualquer forma, será um importante avanço se for aprovado no Congresso.

Por outro lado, continuam iniciativas, inclusive no Congresso para aumentar a carga tributária. É o caminho mais fácil para quem está em Brasília: repassar o custo do ajuste para a sociedade, já visivelmente sobrecarregada de impostos. Todas as classes sociais já pagam demais. A título de exemplo, só para aumento de tributação sobre doações, heranças e fortunas temos quatro projetos tramitando com velocidade: PEC 96, PLP 281/16, PLS 534/11 e PL 5205/16. A sociedade civil organizada precisa se movimentar para que essas e outras iniciativas não prosperem.

Sem disciplina fiscal, não conseguiremos restabelecer os superávits primários, imprescindíveis para a estabilização e posterior redução da dívida pública do país, principal indicador da nossa saúde financeira. E também não conseguiremos avançar no combate às desigualdades sociais. Como bem adverte o ex-secretário da Receita Federal Everardo Maciel, é um equívoco pretender que a política tributária seja um meio eficaz para buscar avanços sociais por não existirem evidências que sustentem a tese. “As proposições que vinculam o tributo à redução das desigualdades, como as de Thomas Piketty (O Capital do Século XXI), são de uma impressionante ingenuidade. As mudanças recentes no perfil das desigualdades brasileiras estiveram claramente ligadas à estabilidade monetária, às transferências de renda, às regras de reajuste do salário mínimo, ao aumento na oferta de empregos etc. Nada que lembre, ainda que remotamente, a política tributária”, reforça Maciel. A impressão que fica é que aumentar impostos é um vício no Brasil.

Publicado em 25.08.2016 no DC, AN – Joinville e Jornal de Sta. Catarina de Blumenau

Eficiência é a única alternativa

A última reunião do Comitê de Política Monetária (Copom) manteve inalterados os juros em 14,25%, os mais altos do planeta. Apesar da recessão e retroalimentando-a. A justificativa é a inflação ainda alta e resistente, alimentada por remanescentes de indexação, pelos altos custos de se produzir no Brasil e, especialmente, pela pressão do excesso de gastos públicos correntes no país.

A equipe econômica sabe que esse jogo será ganho na área fiscal, e não obrigando o Banco Central a manter uma política monetária austera, com juros que reprimem o crescimento. O projeto que propõe um limitador para a expansão dos gastos e os ensaios para a imprescindível reforma da Previdência apontam nessa direção. O adequado encaminhamento dessas questões permitirá uma queda consistente da taxa de juros, com os consequentes reflexos positivos no crescimento da economia e na redução do preocupante desemprego.

O excesso de gastos correntes criou uma armadilha que comprometeu a competitividade do país: aumento da taxa de juros, da dívida pública e da carga tributária e redução dos investimentos. Como bem adverte o ex-ministro Delfim Netto, apoiador do Movimento Brasil Eficiente (MBE), sobre o desequilíbrio das contas públicas: “E, o mais grave, não se fez déficit para fazer investimento. O déficit foi feito para pagar salários, para conceder subsídios, para fazer mais dívida. Fez-se mais dívida para fazer mais déficit. Então, é a cobra que está mordendo o rabo”.

A Confederação Nacional da Indústria alerta para outro conhecido problema: a limitação dos investimentos federais em infraestrutura — em 2015, foram apenas 0,33% do PIB — em função do alto grau de engessamento do orçamento público. A entidade fez três propostas para melhorar esse cenário:

1) Reduzir progressivamente o grau de vinculação e obrigatoriedade dos gastos públicos e assegurar que a criação de qualquer despesa passe pelo filtro da racionalidade econômica e do interesse público;

2) rever, de forma criteriosa, incentivos e desonerações fiscais, por meio de rigorosa análise custo-benefício;

3) melhorar a qualidade dos gastos públicos, reexaminando a racionalidade e os efeitos de todos os programas relevantes do Estado.

Ficará muito mais fácil adotar essas medidas quando, finalmente, implantarmos o Conselho de Gestão Fiscal (CGF), que será a nossa instituição fiscal independente, inspirada em países como Alemanha, Estados Unidos e Grã-Bretanha. A proposta de criação do CGF, regulamentando o artigo 67 da Lei de Responsabilidade Fiscal, é de iniciativa do MBE, através do Projeto de Lei (PLS) 141/14, do senador Paulo Bauer, aprovado por unanimidade no Senado Federal, em dezembro de 2015. Atualmente, tramita na Câmara dos Deputados, sob nº PLP 210/2015. A instituição do CGF poderá ser um divisor de águas na qualidade do gasto público no país.

O cientista político Francis Fukuyama analisa, em seu livro “Ordem política e decadência política”, o desenvolvimento das instituições políticas desde a Revolução Industrial e alerta para a necessidade de os governos melhorarem a gestão: “A maior ameaça à democracia são governos que não conseguem entregar serviços públicos de qualidade”. Ele diz que melhoria da qualidade do setor público e desenvolvimento econômico caminham juntos.

Os governos devem aprender a fazer superávits primários relevantes durante períodos de alto crescimento para terem fôlego nos períodos mais difíceis. Nós desperdiçamos o período de vacas gordas do boom de commodities. Isso certamente tornará o ajuste atual mais caro e difícil. Mas a alternativa que temos é essa ou essa.

*Escrito por Carlos Rodolfo Schneider
Publicado originalmente em 13/08/2016
Fonte: O Globo.