Estado a serviço da sociedade

Que precisamos seguir no caminho das reformas, se quisermos criar as bases para um crescimento consistente, é entendimento generalizado. A discussão é mais em torno do conteúdo delas, e da ordem. A tributária e a administrativa são prioritárias. Na tributária, temos dois aspectos que precisam ser revistos: a complexidade e a alta carga de impostos.

A estrutura de impostos brasileira tem sido, apropriadamente, chamada de manicômio tributário. Segundo o Instituto Brasileiro de Planejamento e Tributação (IBPT), uma empresa no Brasil precisa estar atenta a 4.078 normas, compostas por 45.791 artigos e 106.694 parágrafos, para procurar atender às obrigações fiscais. Somando as instâncias federal, estadual e municipal, obriga empresas que atuam em todo o país a observar até 400 mil leis, decretos, medidas provisórias, portarias, instruções normativas e atos declaratórios. O Brasil é de longe o campeão mundial em horas necessárias ao cumprimento das obrigações fiscais, o que consome em média 1,5% do faturamento anual das suas companhias, e impõe um custo total estimado de R$ 65 bilhões. Com a aprovação do Simples há alguns anos para micro e pequenas empresas, consolidou-se o complicado para os outros. Deixou mais explícita a necessidade de descomplicar tudo. As duas propostas que tramitam no Congresso (PEC 45 e PEC 110), apesar de trazer mudanças importantes, preveem um período de transição longo, o que significa que o que é complicado ficará ainda pior durante o longo período de convivência do complicado anterior com o novo sistema.

Essa simplificação é importante e urgente porque a confusão existente hoje reduz a produtividade da economia e assusta o investidor estrangeiro. Quanto à igualmente importante questão da alta carga tributária no país – a mais alta entre as nações em desenvolvimento –, ela deve ser precedida da redução do custo da máquina pública. Nenhum gestor vai abrir mão de arrecadação enquanto não cair a necessidade de recursos para o funcionamento da respectiva unidade federativa. E é aí que entra a reforma administrativa. Não se discute Estado grande ou pequeno. E sim, Estado forte ou fraco, com musculatura ou gordura, eficiente ou ineficiente. O que não depende de tamanho, e sim de qualidade. A qualidade do gasto fará a diferença, inclusive para deixarmos o pódio de pior relação do mundo entre impostos arrecadados e qualidade dos serviços prestados à população.

E isso não é de agora. Já dura duas décadas. Nos anos 90, tínhamos carga tributária de 25% do PIB, e conseguíamos investir igual percentual, dos quais 5% em infraestrutura, uma boa parte investimento público. Hoje, a carga flerta com os 35%, e o investimento não passa mais dos 15%, sobrando menos de 1% para a infraestrutura, o que não cobre nem a depreciação do estoque, acentuando o custo Brasil. O Estado cobra cada vez mais e consegue investir cada vez menos. De outro lado, o consumo do governo dobrou, chegando a 20% do PIB. Significa que o poder público extrai parcela crescente da riqueza da sociedade para manter uma máquina obesa, muitos programas de transferência de renda ineficazes (não se refere aqui àqueles que funcionam e até são referência, como o Bolsa-Família) e gastos tributários para atender grupos de pressão. A sociedade paga conta alta para beneficiar corporações públicas e privadas e recebe cada vez menos de volta, com honrosas exceções como o excelente serviço que vem prestando o SUS durante a grave pandemia que assola o país. São as exceções confirmando a regra.

As reformas são necessárias para que o Estado deixe de ser um fim em si mesmo e volte a servir à sociedade, a desenvolver mais programas sociais eficientes e a criar as bases para um crescimento sustentado, com criação de oportunidades adequadas, a melhor forma de promover a justiça social. Não é aumentando a tributação de alguns para dar a outros que resolveremos isso, pois todos já pagam tributos demais no país, exceto aqueles que têm privilégios. A melhor qualidade do gasto público permitirá reduzir a carga tributária, que deverá beneficiar inicialmente os que hoje pagam proporcionalmente mais. Assim, também não desestimularemos investimentos e as famílias que há décadas vêm poupando para criar empresas familiares fortes, certamente um dos pilares da diversificada estrutura econômica do país.

Publicado no Estado de Minas.

O caminho saudável para fugir da crise fiscal

Estudo do Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID) indicou que o desperdício de recursos públicos no Brasil foi de 4% do PIB (US$ 68 bilhões) em 2019. É o que nos falta para os investimentos que fariam toda a diferença para o crescimento do país, sem gerar risco fiscal. O economista Márcio Garcia aponta que, ao longo do tempo, várias medidas procuram conter o contínuo avanço do gasto público, com destaque para a Lei de Responsabilidade Fiscal e o Teto dos Gastos, e que agora “tais controles estão fazendo o sistema ranger, sob a fortíssima pressão política por mais gastos”.

O ano de 2020 foi absolutamente atípico e exigiu gastos inéditos para fazer frente a uma pandemia que praticamente paralisou planeta. O Brasil foi um dos países que mais gastou com a proteção aos mais vulneráveis e à preservação de empregos, em linha com os países desenvolvidos, e por isso também teve uma retração do PIB menor do que o esperado. E esse nível maior de gastos também permitiu uma forte recuperação da economia no segundo semestre, especialmente de setores ligados à produção de bens duráveis, intermediários e farmacêuticos, e serviços ligados à saúde.

Esse aumento de gastos do governo, todavia, levou ao forte crescimento da dívida pública, que chegou a 89,3% do PIB, e a um déficit primário de R$ 743 bilhões. E essa conta que foi criada precisa ser paga, ou por aumento de carga tributária, que a sociedade não aceita mais, ou por uma trajetória explosiva da dívida pública, que certamente comprometeria o crescimento e nos levaria a um passado de má lembrança, ou por um caminho saudável, que permitiria manter baixas taxas de juros, aumento de investimentos e do emprego, que é o das reformas, somado ao controle dos gastos correntes e obrigatórios do Estado, e dos gastos tributários. E há espaço para esse enxugamento, considerando que a máquina pública custa hoje 20% do PIB, num momento em que o governo não tem recursos para investir, e presta serviços de terceiro mundo à sociedade. A velocidade do programa de vacinação potencializa o processo de recuperação.

Publicado no ND Mais.

Para acabar com o manicômio tributário

O relatório “Doing Business 2017: Medindo Qualidade e Eficiência”, do Banco Mundial, é um dos vários rankings que vêm apontando a queda de competitividade do Brasil. Entre 189 países pesquisados, caímos para a 123ª posição, vindo da 116ª em 2016 e da 111ª, em 2015. Os ex-ministros da Fazenda Maílson da Nóbrega e Joaquim Levy apontam que a reforma tributária, a começar pela simplificação da estrutura de impostos, é essencial para elevarmos a eficiência, a produtividade e a competitividade da nossa economia. Bernard Appy, do Centro de Cidadania Fiscal, afirma ser essa a agenda mais poderosa para aumentar a produtividade nos próximos anos, e recomenda a criação de um imposto sobre valor agregado para substituir os atuais tributos. A planilha que uma empresa de bens de consumo precisa preencher na Europa para recolher tributos tem 50 linhas. O programa usado no Brasil tem 20 mil linhas. É o nosso manicômio tributário.

O Movimento Brasil Eficiente (MBE) vem há vários anos trabalhando essa agenda e tem levado à discussão, especialmente no governo federal e no Congresso Nacional, o que chamou de Plano Real dos Impostos, uma proposta alicerçada nos seguintes pontos:

  • aglutinação de diversos tributos em um único Imposto sobre Valor Agregado na Circulação;
  • a criação de uma Operadora Nacional da Distribuição da Arrecadação, que garantirá a distribuição dos impostos de forma rápida, desburocratizada e neutra (sem ganhadores nem perdedores) a todos os entes da Federação;
  • o Novo Imposto de Renda agrupando o atual à Contribuição Social Sobre Lucro Líquido para cobrir os gastos da Previdência Social, inclusive a dos servidores públicos;
  • a criação do Conselho de Gestão Fiscal , para que a sociedade possa dar contribuição efetiva ao aumento da eficiência do gasto público.

A proposta foi elaborada pelo economista Paulo Rabello de Castro e pelo jurista Gastão Toledo, com a preocupação de acabar com a guerra fiscal, e construir um sistema claro e transparente; simples para quem paga, para quem arrecada e para quem fiscaliza. A PEC do MBE para a simplificação tributária vem sendo avaliada, e a criação do CGF já foi aprovada no Senado por proposição do senador Paulo Bauer. Agora tramita na Câmara dos Deputados — Projeto de Lei Complementar 210/2015.

Por outro lado, foi apresentada a uma comissão especial na Câmara a proposta de simplificação tributária do deputado Luiz Carlos Hauly, com quem o MBE interagiu intensamente. Mesmo tendo permanecido diferenças conceituais, entendemos que a sugestão convergiu em muitos pontos para o pensamento do MBE. A eliminação de dez impostos, a criação de um imposto sobre valor agregado e de mecanismos que acabem com a guerra fiscal serão propostos através de 11 projetos de lei e uma emenda à Constituição. Cabe ao Congresso entender a importância desse avanço.

O MBE entende que só com o aumento da eficiência do gasto público será possível reduzir esse peso de impostos, que, mesmo onerando mais uns do que outros, já é um lastro insuportável para todos. Pagamos com não competitividade.

 

Publicado no Jornal O Globo em 27/12/17
Link do artigo: https://m.oglobo.globo.com/opiniao/para-acabar-com-manicomio-tributario-22230177

 

Caminhos do Ajuste Fiscal

O Brasil tem sido o país do “sabe, mas não faz” em termos de políticas públicas. Conhecemos os caminhos, mas não temos tido vontade política ou capacidade de articulação para trilhá-los. A necessidade de ajuste fiscal vem sendo discutida já há alguns anos. De um lado, os que advogam pela solução simplista do aumento de impostos para fechar as contas – são os que, a pretexto de defender causas sociais, na verdade defendem privilégios e ineficiência nos gastos públicos. De outro lado, a sociedade, que reclama não haver mais espaço para aumento de tributos. Já temos a mais alta carga tributária entre os países emergentes e a pior relação no planeta entre tributos cobrados e serviços devolvidos à sociedade. Essa é uma evidência de que mais investimentos e melhores serviços públicos não dependem de mais impostos e, sim, de mais gestão.

Importante estudo realizado pelos economistas Alberto Alesina e Francesco Giavazzi, das Universidades de Harvard e Bocconi, concluiu que países que adotaram ajustes baseados em redução de despesas públicas, como Dinamarca e Reino Unido, tiveram recessões muito mais brandas nos anos seguintes – impacto praticamente nulo sobre o PIB nos três anos seguintes. Ao contrário dos que, a exemplo da Itália, escolheram o caminho do aumento de impostos, onde o impacto negativo na economia foi de 2% a 3%, para um ajuste de 1%.

E como bem disse o ex-ministro Antonio Delfim Netto, apoiador do Movimento Brasil Eficiente (MBE), o governo não conseguirá convencer a sociedade de que não há espaço para uma consistente racionalização das despesas públicas. Ele também atribui à exagerada transferência de recursos do setor privado para o setor público parte da responsabilidade pela redução do nosso crescimento econômico.

Além do que, aumentar impostos para fechas as contas é remediar, remendar. Precisamos atacar a causa do problema, que é o excesso de gastos do Poder Público. Só para recordar, uma vez que se discute novamente a necessidade de resolver o grave desequilíbrio da previdência social, no passado, já adotamos a solução simplista de criar novas fontes de receitas como a Cofins, que significa Contribuição para o Financiamento da Seguridade Social. Só protelou a solução e agravou o problema. Aparentemente, a nova equipe econômica tem isso claro.

*Escrito por Carlos Rodolfo Schneider
Publicado originalmente em 18 e 19/06/2016
Fonte: A Notícia.

País não é saco sem fundo

Desentendimentos entre as áreas do governo à parte, a proposta de ajuste fiscal tem sido basicamente mais do mesmo. E a proposta orçamentária para 2016, encaminhada ao Congresso em 31 de agosto, reconfirma o velho ditado: o gasto público de hoje é o imposto de amanhã. Atacar a raiz do problema, isto é, reduzir os gastos públicos correntes, não faz parte das soluções apresentadas, a não ser marginalmente.

O Brasil tem uma das cargas tributárias mais altas do mundo, e, certamente, a pior relação “impostos recolhidos x serviços públicos prestados”. Se o governo pretender aumentar a arrecadação a uma taxa maior do que a de crescimento do PIB, ou seja, da geração de riquezas, significa que estará aumentando a carga tributária, apropriando-se da parcela ainda maior do conjunto de bens e serviços produzidos pelas pessoas e empresas do país.

No período de 2002 a 2011, a arrecadação federal 96% em termos reais, o dobro do crescimento do PIB. De 2011 para 2012, a distorção se acentuou: crescimento de 6,2% na arrecadação, para apenas 0,9% do PIB. E o avanço do Estado sobre o que a sociedade produz continua até hoje.

Mas o problema maior é que mesmo esses impostos não têm sido suficientes para cobrir os gastos públicos, que crescem acima da arrecadação. De 2011 para 2012, por exemplo, as despesas correntes cresceram 14,5%. Os investimentos públicos, por outro lado, que são importantes para a competitividade do país, só vem caindo, de 26% do PIB, em 1975, para menos de 18% atualmente.

Parte do problema vem do engessamento dos gastos do governo. Aproximadamente 90% do orçamento federal é composto por despesas obrigatórias que seguem regras distorcidas e equivocadas, estabelecidas na Constituição. É necessário, também, que o Congresso reveja essa rigidez do gasto público para evitar que os ajustes fiscais continuem sendo pagos só pela sociedade, com redução de investimentos e aumento da carga tributária.