A necessária coerência nas propostas de ajustes

As finanças de alguns  estados brasileiros estão literalmente quebradas. Fruto de má gestão e de corrupção, mas também de distorções estruturais que vêm sendo construídas ao longo dos anos. Até dá para entender a resistência das corporações a pacotes de ajustes que necessariamente precisam ser feitos. Ninguém gosta de fazer sacrifícios diante dos desmandos e desperdícios de recursos públicos que temos visto no país. Por outro lado, além do combate aos malfeitos, temos que corrigir graves distorções na estrutura dos gastos públicos.

Um exemplo são os insustentáveis 20% do PIB alocados ao custeio da máquina pública e que tem crescido, sistematicamente, acima da inflação e do próprio crescimento da economia. Significa que o Estado vem avançando sobre a riqueza gerada por cidadãos e empresas para manter uma máquina pública inchada, que devolve serviços de má qualidade à população. A propósito, temos a pior relação do mundo entre impostos cobrados e retorno à sociedade. Por isso é imprescindível que o Senado aprove a PEC 55 (que limita o crescimento dos gastos), que já passou pela Câmara dos Deputados.

Provavelmente, o maior ingrediente desse desajuste das contas públicas, tanto nos estados quanto na União, é o desequilíbrio na previdência. Em 2015, o Regime Próprio da Previdência Social (RPPS), que assiste em torno de um milhão de aposentados e pensionistas do setor público federal, apresentou déficit de R$ 73 bilhões (R$ 73 mil por assistido). A maior parte dos estados brasileiros também têm nos seus regimes previdenciários a principal fonte de desequilíbrio orçamentário. Alguns, como São Paulo e Santa Catarina já criaram regimes complementares que encaminham soluções de médio e longo prazo.

Já o Regime Geral da Previdência Social (RGPS), que atende em torno de 28 milhões de beneficiários da iniciativa privada, apontou um buraco de R$ 89 bilhões (R$ 3.178 por assistido) em 2015. Acontece que esse déficit do RGPS é fruto de um saldo negativo de R$ 91 bilhões dos trabalhadores rurais e de um pequeno superávit dos trabalhadores urbanos.

No primeiro semestre de 2016 o rombo nas aposentadorias do campo cresceu 13% em relação aos seis primeiros meses de 2015 e as urbanas passaram a também apresentar um saldo negativo, de R$ 13,5 bilhões, especialmente pelo crescimento do desemprego que impacta as receitas previdenciárias.

É notório que o sistema brasileiro de previdência e assistência é excessivamente generoso e necessita de uma reformulação geral, com medidas como o estabelecimento de idade mínima de aposentadoria e de desindexação em relação ao salário mínimo. Por outro lado os números acima apontam que os grandes problemas estruturais estão na previdência dos servidores públicos e dos trabalhadores rurais. Mesmo que aí as dificuldades políticas sejam maiores, são esses os pontos a merecer maior atenção.

O economista Nilson Teixeira faz interessante análise que reforça esse entendimento. Aponta que o déficit atuarial dos servidores da União alcançava, em 2015, 73% do total da dívida mobiliária em mercado. É como se cada um dos demais servidores e trabalhadores do país tivesse que, além de pagar as suas próprias contas, fazer uma poupança de aproximadamente R$ 22 mil (a valores de dezembro de 2015) para ajudar a cobrir o rombo da conta de aposentadorias e pensões dos servidores federais.

Não faria nenhum sentido que a proposta de Reforma da Previdência, a ser encaminhada ao Congresso, abrangesse apenas o sistema  RGPS, especialmente no que se refere aos trabalhadores urbanos, sem definir a forma de contribuição dos trabalhadores rurais e sem aumentar a contribuição dos servidores públicos. É condição para convencer o restante da sociedade a fazer mais sacrifícios.

Publicado no Jornal A Tarde – BA em 04/12/2016.

Restabelecendo a coerência

Famílias que gastam mais do que ganham ficam inadimplentes, perdem o crédito e certamente perderão seu patrimônio. Empresas ainda podem recorrer à recuperação judicial, mas, se não conseguirem equilibrar as contas, quebram.

O governo, por sua vez, vinha gastando muito mais do que arrecadava. De 2002 a 2014, o gasto, exclusive juros, da União cresceu 344%, comparado a 108% do IPCA e 46% do PIB real.

Em vez de conter as despesas, o governo tem buscado os caminhos mais fáceis para resolver a questão, socializando o ajuste: aumentos infindáveis de impostos, expansão da dívida pública com um serviço absurdamente elevado, pedaladas fiscais e política monetária frouxa.

As consequências são visíveis: pressão inflacionária, serviços públicos de baixa qualidade e queda de investimentos, comprometendo  a capacidade da economia.

Por que a sociedade é obrigada a arcar com os custos de seus erros, enquanto o poder público foge às suas responsabilidades e comodamente transfere o ônus dos desmandos para famílias e empresas?

É uma inversão total de valores. A máquina pública não pode ser um fim em si mesma, nem pode estar a serviços de grupos de interesse ou ideologias.

Certamente existem também desequilíbrios estruturais que debilitam as finanças públicas. Parte é decorrente da Constituição de 1988, que foi pródiga na criação de despesas e concessão de regalias.

Além disso, a criação de benefícios a grupos próximos ao poder e a expansão exagerada de programas sociais pouco eficientes muito contribuíram para o delineamento do quadro caótico que vemos hoje.

Em novembro de 2015, o então ex-presidente do Banco Central Henrique Meirelles, perguntado sobre como se resolve esse desequilíbrio fiscal, afirmou: “Com corte de despesas públicas. Com a pesada carga tributária atual, elevar impostos reduz crescimento, o que reduz arrecadação”.

O hoje ministro da Fazenda tem claro que extrair riqueza da sociedade tem um limite, até porque recursos na mão das empresas e famílias são alocados com muito mais efetividade. O assalto à poupança privada nos últimos 20 anos certamente é o principal responsável pela baixa produtividade e competitividade da economia brasileira.

Segundo o economista Raul Veloso, um dos fundadores do Movimento Brasil Eficiente (MBE), “cerca de 75% do gasto federal é composto de pagamentos diretos a pessoas, como se fossem uma gigantesca folha de pagamento, de benefícios previdenciários e assistenciais, além do pessoal ativo e inativo”.

E faz algumas provocações: porque não leiloar a gestão dessa enorme folha ao setor privado, que prestaria um serviço melhor a um custo mais baixo e dispensaria a necessidade de milhares de servidores, prédios e despesas?

Existem, pois, caminhos eficientes para que o governo cumpra o seu papel de estimular o crescimento com justiça social. As suas responsabilidades não lhe dão o direito de avançar sobre os direitos da sociedade, como temos visto.

Até porque isso tem levado o Poder Público a servir-se, e não a servir o público, que é a sua função primordial.

                      

Publicado na Folha de São Paulo – 28/11/2016

 

http://www1.folha.uol.com.br/opiniao/2016/11/1835884-restabelecendo-a-coerencia.shtml

Gasto público como meio e não como fim

Pesquisa realizada pelo Ibope para a Confederação Nacional da Indústria (CNI) aponta as duas medidas que a população brasileira considera cruciais para o equilíbrio das contas públicas: redução das despesas de custeio da máquina pública e dos salários dos servidores.

Oito em cada 10 brasileiros são favoráveis à redução dos gastos do governo.

Justificando a necessidade da PEC 241/2016, do teto dos gastos, o ministro da Fazenda, Henrique Meirelles, atribui a atual crise econômica ao descontrole das despesas públicas nos últimos anos que, segundo ele, cresceram mais de 50% acima da inflação de 2007 a 2015. Segundo dados oficiais, nos últimos 25 anos a despesa primária federal cresceu, em média, 6% ao ano em termos reais.

O secretário de Acompanhamento Econômico do Ministério da Fazenda, Mansueto Almeida, reconhece a necessidade de cuidar da eficiência do gasto público, de “passar um pente fino na despesa”, avaliar cada um das centenas de projetos e programas do orçamento federal e verificar quais produzem resultados adequados. Assim, diz, será possível manter e melhorar os gastos sociais , atendendo os realmente necessitados, e eliminar distorções , como uma medida de tributação especial que custa R$ 1,5 bilhão ao ano e beneficia apenas uma empresa – valor equivalente ao gasto anual com a aquisição de medicamentos para a farmácia popular.

A aprovação da PEC 241 provavelmente trará para discussão vários temas que hoje são pouco discutidos: estabilidade dos funcionários públicos, universidade pública gratuita para quem pode pagar, férias de dois meses por ano para juízes e procuradores, greve de servidor público sem corte de ponto, subsídios para grandes empresas, manutenção de seis bancos estatais federais, entre outros.

É imperativo que se revejam privilégios e se eliminem desperdícios na gestão do Estado, que não pode mais se colocar como um fim em si mesmo, comprometendo a capacidade de investimento do país e os próprios programas sociais. Outros países que gastam muito com bem estar social, como Suécia ou Dinamarca, tem poucos funcionários públicos e uma estrutura administrativa pública enxuta e eficiente.

Publicado no Diário Catarinense, A Notícia e Jornal de Santa Catarina em Blumenau – 12 e 13/11/2016.

Difícil escolha entre o necessário e o conveniente

Oportunismo, vandalismo e questões ideológicas à parte, as manifestações vêm sinalizando a crescente impaciência da sociedade com os fortes indícios de continuar vendo mais do mesmo na política do país. Optou-se pela mudança de um modelo imoral, inadequado e insustentável, voltado aos interesses do poder e de seus agregados, fortemente dissociado das reais necessidades da nação. Reprovou-se um Estado voltado a si mesmo, servindo-se do público, em vez de servi-lo. A motivação da mudança foi o conjunto da obra, alicerçada necessariamente nos comprovados atos de improbidade administrativa cometidos.

A sociedade espera enxergar medidas efetivas na direção de um modelo que resgate o papel primordial de um governo: disciplinar as relações socioeconômicas e prestar serviços básicos de qualidade à população, cobrando uma contrapartida na forma de tributos, com o menor custo de intermediação possível. Ao contrário do que acontece hoje, quando a máquina pública consome em torno de 20% do PIB, a sociedade recebe serviços de péssima qualidade e o que tem sobrado para investimentos públicos, necessários para o crescimento da economia, não tem ido além de 2% do PIB. Uma clara inversão de princípios e prioridades.

Há vários anos, os equívocos nas políticas públicas vinham apontando o comprometimento perigoso das contas do governo. Preocupado com esse quadro, nasceu, no início de 2010, na Associação Empresarial de Joinville, o Movimento Brasil Eficiente (MBE). Lançado formalmente em julho do mesmo ano, no auditório da Escola de Administração de Empresas de São Paulo, da Fundação Getúlio Vargas, reunindo empresários, economistas e outras lideranças, entre as quais Paulo Rabello de Castro, Yoshiaki Nakano, Roberto Teixeira da Costa, Jorge Bornhausen, Raul Velloso, Antonio Delfim Netto, Paulo Francine e Mário Petrelli, com o apoio de 130 das principais entidades empresariais e não empresariais do país, alertava para a alta conta que a sociedade viria a pagar se a eficiência e moralidade dos gastos e da gestão pública não fossem resgatados.  E apontava os caminhos para fazê-lo.

O contínuo crescimento do gasto público corrente (custeio + transferências) no país nos últimos anos tem trazido consequências danosas: redução da capacidade de investimento do governo, precarização dos serviços prestados à população, aumento explosivo da dívida pública, aumento da carga tributária, comprometimento da capacidade de investimento do setor privado, perda de competitividade da nossa economia, destruição de milhões de empregos. Então, não pode restar nenhuma dúvida sobre a necessidade de conter o gasto público – especialmente o corrente – para resolvermos o problema mais grave, que é a insolvência do Estado. A PEC do gasto proposta ao Congresso, que limita o crescimento das despesas à inflação do ano anterior, é um avanço, apesar de trazer um resquício de indexação. Correto seria estabelecer como teto um percentual do crescimento da economia. Assim, evitaríamos a continuidade do processo de apropriação pelo governo de parcela crescente da riqueza gerada pelos que trabalham.

Por isso, a sociedade não entende quando o governo e o Congresso começam a fazer concessões nos projetos de saneamento fiscal justamente para atender pressões da máquina pública interessada em preservar um quadro que já se mostrou insustentável. O conceito de direitos adquiridos nesse contexto deve ser confrontado necessariamente com o de direitos sustentáveis. A sociedade também não entende quando o governo vacila em encaminhar ao Congresso, antes das eleições municipais, uma urgente reforma previdenciária para tapar o principal buraco nas finanças públicas. Ainda mais que, segundo a CNI, 75% dos brasileiros preferem que as regras de aposentadoria se  tornem menos benevolentes a ter que pagar mais impostos para cobrir os rombos do sistema atual.

Mesmo sabendo que as dificuldades políticas estão longe de serem desprezíveis, não está claro se o governo está disposto a fazer o necessário para realmente mudar ou se vai continuar alegando que está fazendo o possível dado o quadro político. Para o ator político tradicional, é uma escolha difícil: privilegiar as próximas eleições ou as próximas gerações. O estadista tem um caminho claro pela frente. Mais uma oportunidade para quem quiser fazer história. O cavalo está passando encilhado, e a sociedade certamente ajudará o cavaleiro a subir na sela. Acho que vale a aposta.

Publicado em 17/10/2016 no Jornal Correio Braziliense.

Previdência – o direito não garantido

Um fato é claro: se não alterarmos o roteiro, não teremos combustível para chegar ao destino. Intermináveis discussões sem considerar essa restrição não parecem fazer muito sentido. É uma questão técnica, e não ideológica. Como bem adverte o ex-ministro Delfim Netto: “Não se trata de tirar direitos adquiridos, mesmo porque eles não serão reconhecidos no caos que nos espera se nada for feito!”

Desde o início da década passada já sabemos que as contas do sistema previdenciário são insustentáveis. Não só porque a equação foi mal dimensionada, mas também porque os brasileiros vivem cada vez mais e o nosso bônus demográfico vai entrando na reta final, com término previsto para 2030.

Levantamento da Confederação Nacional da Indústria (CNI) aponta um déficit de R$213 bilhões em 2015, dos quais R$86 bilhões provêm do Regime Geral da Previdência Social (o INSS), que atende em torno de 25 milhões de pensionistas e aposentados; R$73 bilhões têm origem no Regime Próprio da Previdência Social, que assiste menos de 1 milhão de servidores da União; e R$ 54 bilhões vêm dos regimes que servem os servidores públicos dos Estados e municípios. Os gastos previdenciários atingiram o recorde de R$ 700 bilhões. Equivalentes a 11,2% do PIB.

Diversas distorções ajudam a explicar o desequilíbrio. Sabe-se que a expectativa de vida da população brasileira vem crescendo significativamente, mas as pessoas continuam se aposentando cedo, recebendo, assim, o benefício por mais tempo. Enquanto nos países da Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE) a idade média de aposentadoria é de 64,2 anos, aqui não passa dos 58. Por tempo de contribuição é 56 anos para os homens e de 53 para as mulheres- ou seja, ainda em fase bastante produtiva. Temos também aposentadorias especiais para certas categorias, como professores e policiais, privilégios como pensão vitalícia para filhas de militares, sem esquecer as aposentadorias integrais para os servidores públicos e as fraudes e desvios que continuam desafiando os sistemas de controle. Recentemente, foi divulgado que Brasília tem 45 mil pescadores que recebem o seguro-defeso, quando se sabe que a única praia da capital é o Lago Paranoá, não muito dado a peixe.

A previdência rural, por sua vez, é um sistema em que quase não há contribuição. Os trabalhadores rurais são responsáveis por 2% da arrecadação e recebem 26% dos benefícios. A preços de janeiro de 2016, a previdência urbana gerou em 2015, um superávit de R$5,5 bilhões, que, somado ao déficit de R$96 bilhões da previdência rural, resultou num déficit total de R$90,5 bilhões do INSS. Portanto, a busca do equilíbrio nas contas depende em grande parte da definição de uma equação sustentável para as aposentadorias rurais, que passa pela discussão de critérios de acesso e de fontes de financiamento.

Em 2015, R$159 bilhões do orçamento do governo federal foram destinados a cobrir o rombo dos servidores públicos e dos trabalhadores rurais, um crescimento de 32% em relação a 2014. O projeto de Lei de Diretrizes Orçamentárias (LDO) prevê para 2017 um déficit e R$167 bilhões apenas para o INSS, sem considerar, pois, os regimes próprios dos servidores, se uma reforma urgente não for implementada. Em 2016 esse rombo já deve alcançar R$ 133 bilhões. São números explosivos, a causa principal do desequilíbrio fiscal do País. Não podemos mais nos dar ao luxo das intermináveis discussões ideológicas. É uma questão prática e técnica.

Precisamos cumprir o artigo 68 da Lei de Responsabilidade Fiscal criando o Fundo do Regime Geral da Previdência, estabelecer uma idade mínima, desvincular o reajuste do benefício do salário mínimo, convergir todos os sistemas previdenciários, eliminando privilégios, corrigir as insustentáveis regras de pensão por morte e buscar, com muito mais rigor, coibir fraudes e desvios. Pois o direito mais caro é o que não se sustenta mais.

Publicado no jornal O Estado de São Paulo em 11 de outubro de 2016.