Entre as possíveis heranças da pandemia, vem se delineando uma oportunidade estrutural, de reorganização das cadeias produtivas, em função dos transtornos provocados pela excessiva concentração de produção de muitos bens em poucos países. E o Brasil pode capturar o seu quinhão nesse novo desenho, desde que seja mais diligente numa antiga lição de casa que são os ajustes estruturantes. Como bem observou o superintendente de desenvolvimento industrial da Confederação Nacional da Industria (CNI), Renato da Fonseca, precisamos nos preparar para esta reorganização, avançando na reforma tributária, na redução da burocracia no comércio exterior, na ampliação de acordos comerciais e de investimento em inovação.
Os dados da nossa balança comercial no ano passado refletem bem o impacto do custo Brasil na competitividade da indústria de transformação, sem dúvida o setor mais afetado. Apesar de o país ter alcançado um superávit comercial recorde de US$ 61 bilhões e uma cifra inédita na exportação de US$ 280 bilhões, a balança dos produtos manufaturados apresentou déficit de US$ 53 bilhões, reflexo de uma concentração crescente da nossa pauta de exportações em bens primários.
Mesmo com o câmbio favorável, as importações da indústria de transformação cresceram mais do que as exportações (35,1% x 26,3%). O setor que mais investe em tecnologia, que paga os melhores salários, que tem o maior efeito multiplicador na economia vem perdendo espaço, trazendo com isso um impacto preocupante nos indicadores de produtividade no país, que demonstraram claramente como estamos ficando para trás.
A recuperação da economia em setores em que não temos vantagens comparativas internacionais naturais, mas que tem potencial elevado de contribuir para o aumento da produtividade, passa necessariamente pela redução do custo Brasil. E isso requer reformas microeconômicas e macroeconômicas, em complemento as já implementadas nos últimos seis ou sete anos.
Outros países que competem conosco no mercado internacional têm sido mais determinados na implementação de reformas, comprometendo a nossa competitividade relativa. Avançamos pouco no aumento de eficiência do Estado, o que o deixa obeso, caro e fraco.
Precisamos de um poder público forte, a serviço da sociedade, e não de si próprio. E em assim sendo, precisará de menos recursos para se manter (hoje em torno de 20% no PIB), o que permitirá redução de carga tributária. Carga, que além de muito elevada (a maior entre os países em desenvolvimento), é mal distribuída, com concentração excessiva na indústria de transformação. Segundo a CNI, os impostos de 46,2% que incidem sobre o segmento têm contribuído muito para que ele encolhesse em média 1,6% ao ano na última década.
Entre as mudanças necessárias, importante também a reforma tributária, para simplificar a caótica estrutura de impostos no país, que custa caro as empresas e afasta investidores. Infelizmente, interesses diversos paralisaram mais uma vez a tramitação das propostas no Congresso Nacional. Mas já se avançou muito nos consensos, o que talvez permita antever algum desfecho num futuro próximo, esperamos sem desfigurações motivadas por interesses ideológicos ou setoriais.
Importantes conquistas estruturantes foram as reformas da Previdência no atual governo e a trabalhista, no governo anterior. Mesmo que não tenham abarcado toda a mudança, que o país precisa, representaram sem dúvida avanços a comemorar. E temos que ter maturidade suficiente para evitar que o calor de uma campanha política alimente ideias de retroceder nessas conquistas, fruto de ampla mobilização de sociedade, sob o risco de comprometermos ainda mais a nossa competitividade e acentuar o nosso vínculo com a armadilha da renda média.
Que a reforma trabalhista deve ser dinâmica, não há dúvida, mas para adequar a legislação a uma realidade que é mutante, e muito, e não para retrocessos com motivações ideológicas, respaldadas em parte por orientações da Organização Internacional do Trabalho, que infelizmente continua sensivelmente motivada por um viés político e ideológico.
A prioridade deve ser o aumento da competitividade do país, para resgatar a força que o Brasil já teve nas cadeias produtivas de maior valor agregado.
Publicado no jornal Estado de Minas.