A agenda do passado

O Brasil ainda está andando em círculo na discussão de temas como reformas tributária e previdenciária, baixa produtividade, desequilíbrio fiscal e instabilidade cambial. Enquanto isso, países que constroem o seu protagonismo neste novo mundo de mudanças disruptivas vêm se ocupando crescentemente da agenda do futuro, que envolve economia digital, inteligência artificial, blockchain, indústria 4.0, plataformas e negócios escaláveis.

Continuamos o pequeno grande país rico, que quer realmente ser grande, mas não consegue crescer. Porque não é competitivo, a não ser na exportação de commodities onde foi abençoado pela natureza com fortes vantagens comparativas internacionais. Não é competitivo porque tem baixa produtividade, consequência de muitos anos de baixo investimento e de gastos ineficientes do poder público. E a iniciativa privada tem investido pouco, justamente porque a agenda do passado preocupa e não permite retornos adequados.

O último relatório Doing Business do Banco Mundial, ranking que classifica os países pela qualidade do ambiente para fazer negócios, aponta o Brasil na 109ª posição entre 190 países. Mesmo tendo avançado 16 posições em função de importantes reformas microeconômicas, como a trabalhista realizada no governo Temer, continuamos na lanterna entre os Brics, com a Rússia na 31ª posição, a China na 46ª, a Índia na 77ª e a África do Sul na 82ª. Nosso item mais mal avaliado é o pagamento de impostos — o 184º lugar se deve à alta carga tributária e ao inigualável emaranhado burocrático que é a nossa estrutura de impostos. Foi isso que certamente levou o Ministro da Economia Paulo Guedes, ainda durante a campanha no ano passado, a propor forte simplificação dos tributos e redução da carga em direção aos 25% do PIB, num horizonte de 10 anos. Nível, aliás, que tínhamos duas décadas atrás, quando, com gastos mais eficientes, conseguíamos, mesmo com menos impostos, investir 25% do PIB, contra 15% atualmente.

De acordo com levantamento do observatório de Política Fiscal do Instituto Brasileiro de Economia da Fundação Getúlio Vargas, de 2000 a 2017 a média anual do investimento público do Brasil foi de apenas 1,92% do PIB, o segundo mais baixo de um grupo de 42 países avaliados. O que não tem sido suficiente nem para repor a depreciação do estoque de capital.

Especialmente na infraestrutura. Segundo a Secretaria do Programa de Parceria em Investimentos (PPI), o governo está investindo apenas 0,6% do PIB, comparados aos 5% que investia quando cobrava menos impostos, há 20 anos. A rigidez orçamentária, que engessa os gastos públicos, obrigando a despesas correntes crescentes, também tem penalizado os investimentos, que equivocadamente são classificados como discricionários, ou seja, secundários. Distorções gravadas na Constituição de 1988 e regras inadequadas para o orçamento público penalizam justamente aqueles gastos, que criam as bases para o crescimento do País. Quando deveríamos estar empenhados em romper esse círculo vicioso que nos mantêm reféns da armadilha da renda média, vemos o centro do poder envolvido em disputas menores, na medição de forças, em demonstrações de que boa parte do poder público continua mais preocupada com seus interesses privados. Enquanto isso, outros países avançam com olhos no futuro.

A onda asiática

A consultoria britânica Oxford Economics elaborou um ranking dos países emergentes que deverão apresentar os maiores crescimentos entre 2019 e 2028. Índia, Filipinas, Indonésia e China lideram a lista, com taxas acima de 5%. O Brasil, com expansão média estimada em 2%, não está entre os 10 primeiros. A principal razão apontada para manter a onda asiática é o ganho de produtividade.

A Confederação Nacional da Indústria (CNI) identificou que, de 2006 a 2016, o Brasil teve o menor crescimento de produtividade quando comparado aos 10 principais parceiros comerciais. A baixa produtividade compromete a competitividade. O último Relatório Global de Competitividade do Fórum Econômico Mundial nos classifica em 72º lugar entre 140 países, com perda de mais de três posições. Temos a maior burocracia de toda a relação, e somos um dos países menos preparados para enfrentar a revolução tecnológica.

O Brasil vem se esforçando nos últimos anos para chegar em 2038 entre os 20 primeiros países desse ranking do Fórum Econômico. Iniciativas como a criação do Programa de Parcerias de Investimentos (PPI) e a reestruturação da Empresa de Planejamento e Logística desejam aumentar os investimentos no país, sem os quais não existe aumento de produtividade e competitividade. Só que o atraso é grande.

Nos últimos 10 anos, não se tem investido mais de 2% do PIB em infraestrutura. O estoque de capital da infraestrutura não passa de 35% do PIB, quando deveria ser o dobro. Temos que investir perto de 5% ao ano para atingirmos a meta. Para isso, devemos reduzir a rigidez do orçamento público e recuperar o equilíbrio fiscal, o que passa por reformas, especialmente a da Previdência, e por aumento da eficiência do gasto público.

Acima de tudo, Brasília precisa estabelecer um pacto pelo Brasil, colocando os interesses do país acima dos de partidos ou corporações, se quisermos ter alguma esperança que a onda asiática nos dê uma carona.

A verdadeira injustiça tributária

Governos gostam de aumentar impostos para cobrir rombos nas contas públicas. Transferir para a sociedade o custo dos ajustes é a melhor maneira de perpetuar estruturas inchadas e ineficientes. E fazer isso para sair de crise econômica é ainda pior, pois significa retirar da sociedade parcela adicional dos recursos que devem ser destinados ao consumo e aos investimentos, essenciais à retomada do crescimento. Aumentar tributos é agravar o problema, é frear crescimento, é transferir recursos de quem gasta bem para quem gasta mal. O corte estrutural de gastos públicos correntes é a alternativa consistente para resolver a crise fiscal do país, até porque já temos uma das mais altas cargas tributárias, a maior entre os países emergentes. Comparados aos nossos 33% do PIB, os EUA têm 26%; o Chile, 20%; o México, 19,5%; o Peru, 19%; e o Paraguai, 17%.

O Imposto sobre a Renda pago pelas empresas, que impacta fortemente na competitividade, é de 34% no Brasil, 28% na Alemanha, 25% no Canadá, Austrália e China, e 21% nos EUA. Além do que, o brasileiro trabalha cinco meses do ano só para pagar impostos e recebe pouquíssimo retorno. Os números mostram, portanto, por que a sociedade tem reagido às insinuações de aumento de tributos no país. O ajuste fiscal passa por gastos públicos mais eficientes, que permitam redução da carga tributária, crescimento da poupança interna e aumento dos investimentos para um nível de 25% do PIB, 5% dos quais na infraestrutura. Para isso, as reformas precisam andar, a começar pela inadiável reforma da Previdência, o que depende, em grande parte, de se desmontarem trincheiras construídas dentro da máquina pública para defender privilégios.

Para construirmos um país mais competitivo, é fundamental também simplificar drasticamente um emaranhado de regras tributárias que submetem as empresas brasileiras a uma asfixiante burocracia que, segundo o Banco Mundial, as obriga a gastar 1.958 horas por ano para calcular e pagar tributos, contra 311 na Argentina, 240 no México, 239 na Colômbia, 218 na Alemanha, 207 na China, 168 na Rússia e quatro em Cingapura.

O projeto de reforma tributária, do ex-deputado federal Luiz Carlos Hauly, elaborado com intensa participação do Movimento Brasil Eficiente (MBE), já foi amplamente discutido no Congresso no ano passado e poderia servir de base para a retomada dos debates. Parte do princípio de um imposto sobre valor agregado não cumulativo, adotado por mais de 150 países, cobrado sobre o consumo, de modo a não afetar a produção e não onerar as exportações e um único imposto sobre renda, além de impostos seletivos. A CNI destaca que impostos devem ter regras claras e simples, que não gerem insegurança jurídica, estimulem o investimento e contribuam para reduzir os custos de produção e aumentar a competitividade no mercado internacional.

Quando se fala de impostos também vem à tona a discussão sobre justiça tributária. A regressividade do nosso sistema seria o grande problema. Entendo que a discussão deva ser mais ampla. A começar que no Brasil todos pagamos impostos demais, especialmente, sim, os estratos da população que destinam maior parcela da sua renda ao consumo. E que, por isso, devem ser os primeiros a se beneficiar quando a maior eficiência da gestão pública permitir redução da carga tributária. Da mesma forma, olhando os agentes econômicos, a indústria de transformação que, representando hoje não mais do que 11% do PIB, recolhe ainda algo como 30% dos tributos federais. Distorções pontuais devem ser corrigidas, não por meio de taxação de fortunas, por exemplo, que não traz resultados e provoca fuga de capitais e poupanças, mas de tributação de fundos de investimento, que é onde as grandes fortunas são aplicadas e que, segundo estudo do ex-ministro Henrique Meirelles sobre vários países, traria melhores resultados.

Na realidade, a verdadeira injustiça tributária é praticada contra toda a sociedade na medida em que temos uma das mais altas cargas de impostos do planeta e, comprovadamente, o menor retorno à sociedade. Sim, temos a pior relação no mundo entre tributos pagos e serviços/investimentos devolvidos pelo poder público. O debate então não deve ser a quem taxar mais para poder taxar menos a outros. Deve ser como reduzir o custo do Estado, pelo aumento da eficiência, para poder taxar menos a todos, reduzir o Custo Brasil, resgatar a competitividade da nossa economia e, com isso, retomar o crescimento econômico com consistência. Que me desculpem alguns economistas conformados ou com viés de continuísmo, que pregam a inexorabilidade de aumento de carga tributária para resolver a crise fiscal. Estão realimentando o problema.