Com as duas parcelas adicionais de R$ 600 do auxílio emergencial, os gastos do governo federal para o combate à pandemia já ultrapassam os R$ 500 bilhões, sem considerar o impacto da queda de arrecadação. E, com isso, o déficit primário do setor público em 2020 deve ultrapassar os R$ 800 bilhões, o que representa 12% do PIB, nas projeções do Ministério da Economia. A se confirmar a expectativa do Boletim Focus, de retração da economia em 6,5%, a dívida bruta do Tesouro deve chegar aos 98% do PIB esse ano, contra 75,8% em 2019. E, segundo a Instituição Fiscal Independente (IFI), do Senado, deve crescer até os 117% em 2030, muito acima dos números dos demais países em desenvolvimento. Para o economista Alberto Ramos, do banco Goldman Sachs, o Brasil não tem feito a lição de casa no que se refere às reformas e por isso não criou o espaço fiscal para enfrentar com menos traumas uma situação como essa.
O momento é de salvar vidas e empregos, mas isso não significa “liberar geral”, nem ter licença para gastar, como pretendem alguns governantes, congressistas, e até mesmo segmentos da sociedade. Não é hora, por absoluta falta de espaço fiscal, de resolver todos os problemas de todos, mesmo os anteriores à pandemia, movimento, aliás, bem caracterizado pelo economista Marcos Mendes de “caronavírus”. Mas a pressão, principalmente por parte de alguns deputados e senadores, para perenizar o auxílio emergencial ou criar um programa de renda mínima é grande. O próprio Mendes elaborou estudo apontando que um programa de renda mínima de R$ 400 por pessoa pode ultrapassar o custo anual de R$ 1 trilhão, contra os R$ 33 bilhões do Bolsa Família. Totalmente inviável.
A equipe econômica está propondo um novo e mais amplo programa chamado Renda Brasil, aglutinando auxílios já existentes que funcionam bem como o Bolsa-Família, e redirecionando os recursos daqueles que não funcionam tão bem, que têm baixo impacto redistributivo, como deduções do Imposto de Renda de Pessoa Física, tributação reduzida de itens da cesta básica, o Benefício de Prestação Continuada (BPC), o abono salarial, a pejotização, os privilégios, e outros gastos tributários. Claramente, não há espaço para criar novas despesas públicas permanentes. Há que se aumentar a sua eficiência.
Infelizmente, também não há espaço para um amplo programa público de investimentos em infraestrutura, proposto por uma ala do governo, inspirado no Plano Marshall. Agora é questão de sobrevivência, de eleger prioridades. O aumento do espaço para os importantes investimentos virá da redução dos gastos obrigatórios no orçamento público, em grande parte ineficientes.
Começamos a ouvir notícias de que a economia está se recuperando, que abril teria sido o fundo do poço. Mas mesmo que a indústria tenha crescido 7% em maio, está longe de compensar os 26,3% de perda em março e abril. O Monitor do PIB da Fundação Getulio Vargas (FGV) aponta crescimento de 4,2% em maio sobre abril, o que está longe de compensar as quedas de 5,1% em março e de 9,1% em abril. Não esquecendo as projeções para o crescimento da economia brasileira feitas por diferentes organismos: -6,5%, segundo o Banco Central; -8,1% e -9,1%, segundo o Banco Mundial e o Fundo Monetário Internacional (FMI), respectivamente. Isso significa que as boas notícias não devem diminuir a importância da responsabilidade fiscal. O nível de gastos necessário ao enfrentamento da pandemia e a piora dos indicadores fiscais exigirão trabalho duro e sacrifícios da sociedade brasileira nos próximos anos. O ex-ministro da Fazenda Henrique Meirelles me afirmou, recentemente, que só conseguiremos enfrentar o crescimento da dívida pública com crescimento sustentável. E crescimento sustentável só virá com as reformas estruturais ainda pendentes. Fora disso, só voo de galinha. A viúva que pagava as nossas contas não escapou da Covid-19.
Publicado no jornal Correio do Estado – MS.