Passada a trégua do fim do ano, para que os votos de um bom ano-novo tenham alguma chance de se concretizar, é fundamental retomar a busca de uma solução para a Previdência, grande algoz das conquistas econômico-sociais dos últimos anos. A discussão deve ser técnica, construtiva, desinteressada. A alteração do perfil demográfico da população brasileira requer uma revisão das regras da nossa seguridade social, que tem sido bastante generosa, especialmente a partir da Constituição de 1988.
Com o envelhecimento da população, os que trabalham não conseguem mais pagar os benefícios do crescente contingente de aposentados. Por isso, além da revisão de privilégios, o principal objetivo é desarmar um conflito entre gerações, entre jovens e idosos, entre os que usufruem e os que terão que pagar a conta. Temos que definir se queremos nossos filhos e netos pagando as nossas contas ? contas desajustadas.
Não há dúvida de que todos terão que participar desse esforço, até porque nos aposentamos muito cedo no Brasil. Mas também seria justo que quem mais contribuiu para o desequilíbrio pague uma conta maior. As estatísticas mostram que 9,4 milhões de trabalhadores rurais geraram um rombo de R$ 101,6 bilhões em 2016, R$ 10,7 mil por beneficiário, muito mais do que os R$ 1,5 mil de déficit por trabalhador urbano da iniciativa privada. Portanto a previdência rural requer uma solução, obrigatoriamente. Por outro lado, no RGPS, que atende os servidores públicos civis da União, 623,5 mil beneficiários provocaram um rombo de R$ 43,1 bilhões, 68,1 mil por servidor. Fica claro, portanto, por que a proposta que está no Congresso dá atenção especial aos regimes próprios dos servidores.
Incluindo os militares, o regime da Previdência da União acumulou em 2016 um resultado negativo de R$ 77 bilhões para assistir pouco menos de 1 milhão de beneficiários. E, no longo prazo, a projeção do resultado é de R$ 8,2 trilhões negativos. Felizmente, os servidores que entraram para o serviço público federal a partir de 2003 ficam sujeitos a regras similares aos trabalhadores da iniciativa privada, e podem aderir à previdência complementar estabelecida com a criação da Funpresp.
Mas o problema não está só na União. Os 1,5 milhão de servidores estaduais aposentados geraram, em 2016, um rombo de R$ 90 bilhões, e a projeção do resultado no longo prazo aponta déficit de R$ 4,6 trilhões. Apenas 8 dos 26 estados e o Distrito Federal criaram até agora regimes de previdência complementar que permitirão o equilíbrio no futuro. É urgente que os demais também o façam, seguindo o protagonismo do estado de São Paulo. Nos municípios, a situação é mais confortável, mas já aponta desequilíbrios no longo prazo, sendo recomendável também a criação da previdência complementar.
No global, União, estados e municípios gastam 3,5% do PIB para pagar a aposentadoria de servidores, contra uma média de 1,4% de 17 países da Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE) pesquisados. Isso significa que o Brasil gasta a mais com aposentadoria de servidores públicos do que os países ricos, o que daria para triplicar os investimentos feitos no país pelo poder público. É a sociedade servindo ao governo. É o rabo balançando o cachorro.
Os excessos e o aposentar-se muito cedo não cabem mais nas contas da nossa Previdência. A idade média de aposentadoria de 59 anos, no Brasil, contra 64 na OCDE; 65, na Austrália e nos Estados Unidos; 66, na Suécia; 68, em Portugal; 69, no Chile; e 72 ,no México, apontam uma distorção que deve ser corrigida.
Os dados mostram quem deve contribuir mais com essa reforma. Mas é inquestionável que ela é urgente, pois além do déficit atual, as despesas continuam crescendo muito acima das receitas. Se não acontecer, o rombo terá que ser financiado de duas formas: forte aumento da carga tributária (que a população já não aceita mais) ou descontrole inflacionário, com consequências que o passado não muito distante não nos deixa esquecer. Caso o teto constitucional dos gastos públicos viesse a ser respeitado, prevê o economista Marcio Garcia, o governo ficaria paralisado, hospitais, escolas e serviços públicos essenciais não teriam mais recursos. O orçamento iria todo para o pagamento do funcionalismo, ativos e aposentados. Certamente não é isso que os brasileiros querem, nem mesmo os próprios servidores.
Se não fizermos a reforma da Previdência agora em 2018, ela certamente ficará mais cara em 2019. E, então, mais uma vez o economista e ex-ministro Roberto Campos terá tido razão quando afirmou que o Brasil nunca perde a oportunidade de perder oportunidades. Tomara que não.
Publicado no Jornal Correio Braziliense em 26.01.2018