FOGO DE PALHA NÃO AQUECE A ECONOMIA

Ter preocupação com a política social e com o crescimento econômico para gerar empregos é proposta legítima de um plano de governo. A forma de promover as duas coisas é que faz toda a diferença

Desde a divulgação do resultado da eleição pelo Tribunal Superior Eleitoral (TSE), o então futuro governo concentrou a sua atenção em duas questões: revogar uma âncora fiscal (o teto de gastos, que estava na Constituição) para assegurar o direito de gastar e acomodar os diversos partidos que o apoiaram na eleição, numa demonstração explícita de falta de desprendimento desses grupos e de priorização de interesses particulares muito mais do que de um projeto para o País. Como bem apontou o economista Márcio Garcia, da PUC-RJ, “esquecendo os bons ensinamentos de 2002, o (novo) governo partiu de forma destrambelhada para o ataque, certo de que mais gasto público é o que falta ao país”.

A quase unanimidade entre economistas e especialistas em contas públicas de que o excesso de gastos públicos seja o principal desafio macroeconômico do País parece não sensibilizar novos grupos que chegam ao poder, mais preocupados com atender a promessas de campanha e aliados políticos. Importante lembrar que há 25 anos o governo central não gastava mais de 14% do PIB para manter a máquina pública, conseguia investir cerca de 4% e mantinha a carga tributária na casa dos 28%. Os gastos primários subiram para 20% em 2016 (em 2022 haviam caído para 18,5% em razão de contenções feitas pelo governo anterior); os investimentos, que preparam o País para o crescimento, recuaram para menos de 1%; e a carga tributária tem oscilado entre 32% e 35% do PIB. Isso significa que o Estado tem extraído cada vez mais recursos da sociedade, para ampliar políticas sociais e subsídios muitas vezes ineficientes e, especialmente, para inchar a máquina pública.

A escolha a ser posta não é entre Estado forte ou fraco, e sim entre ágil ou obeso. Entre eficiente ou ineficiente, entre promotor de uma economia competitiva ou de uma história de voos de galinha, que não permitem crescimento consistente. São escolhas que devem ser feitas e envolvem prioridades a serem estabelecidas. Como os recursos sempre são finitos, é imprescindível priorizar a sua alocação. E as âncoras fiscais, como o teto dos gastos, ajudam nessa disciplina, na construção do orçamento público pelo Executivo e na sua avaliação pelo Congresso Nacional. Na revisão das distorções e dos privilégios, que são uma realidade nem um pouco desprezível. E, assim, manter as expectativas de evolução sustentável da dívida pública, condição para viabilizar crescimento econômico adequado.

A PEC da Transição, que autorizou gastos extras em 2023 que superam os R$ 150 bilhões, certamente não é um bom indicador de responsabilidade fiscal. É muito mais um guarda-chuva que permite gastar sem priorizar. As prioridades sociais, principal pretexto para a sua aprovação, não demandariam mais que R$ 70 bilhões, recursos que, por outro lado, poderiam advir da eliminação de gastos não prioritários e do aumento da eficiência. E, se a justificativa para expandir os gastos públicos for o aquecimento da economia para gerar empregos, experiências passadas, aqui e em outros países, já mostraram que é movimento que não se sustenta. O que sustenta crescimento, sem gerar inflação, é o investimento, em infraestrutura, em pesquisa e inovação, em promoção internacional e em bons marcos regulatórios, fatores que alavancam o PIB potencial. E as sempre necessárias reformas, macro e microeconômicas.

Se, por um lado, é necessário reconhecer os importantes avanços havidos nos dois últimos governos, como o teto dos gastos, a reforma trabalhista, o fim da Taxa de Juros de Longo Prazo (TJLP), a minirreforma política que restabeleceu a cláusula de barreira, a reforma da Previdência, a independência do Banco Central, a privatização da Eletrobras, a Lei de Liberdade Econômica, entre outros, também é necessário lembrar as pendências. Especialmente, a reforma administrativa, que visa a tornar o Estado mais eficiente e menos caro, condição para poder reduzir a carga tributária, que é a mais alta entre os países em desenvolvimento; e a reforma tributária, que pode tirar um peso das costas das empresas, com a simplificação do nosso manicômio de impostos.

Ter preocupação com a política social e com o crescimento econômico para a geração de empregos é proposta legítima de um plano de governo. A forma de promover as duas coisas é que faz toda a diferença. Experiências de diversos países demonstraram que a via do aumento de gastos alimentado por aumento de tributos tem gerado resultados muito mais tímidos e de alcance curto que a via da redução de gastos alicerçada em aumento de sua eficiência. A primeira alternativa é a mais fácil, mas alimenta a inflação, reduz a competitividade da economia e o crescimento econômico e fecha um círculo vicioso que prejudica os mais pobres.

Os atalhos sempre parecem a solução mais simples, mas, se quisermos preparar o país para um crescimento mais robusto e consistente, temos de estar dispostos a pavimentar o nosso caminho.

O vice-presidente Geraldo Alckmin conhece muito bem tudo isso e certamente não é afeito a fogo de palha. Quando governador de São Paulo, foi importante apoiador do Movimento Brasil Eficiente (MBE), que congregou diversos governadores e dezenas de entidades empresariais e da sociedade civil organizada na busca de um modelo de crescimento sustentável e consistente, apoiado por um Estado forte pela eficiência, e não pesado pela obesidade. Foi um movimento que, com a contribuição de Alckmin, ajudou a construir a consciência da eficiência pública que a sociedade brasileira tem demonstrado não desprezar mais. Esperamos poder continuar contando com o seu apoio.

Artigo publicado no jornal Estadão