Querer pagar menos impostos é um direito legítimo, porque, no Brasil, todos pagamos demais. Não é legítimo, porém, que alguns queiram pagar menos, com a conta sendo transferida aos demais
Há muitos anos, se fala de Custo Brasil, dos elevados custos para fazer negócios no país, da falta de competitividade da nossa economia, especialmente para a indústria, que produz os chamados tradables ou comercializáveis, produtos que devem disputar o mercado internacional via exportações e que, por outro lado, sofrem a concorrência no mercado interno via importações. Consequência é a prematura e muito acentuada perda de participação da indústria de transformação no PIB do país, ao contrário da China, do México, da Índia, de países do Sudeste Asiático e até desenvolvidos, como a Alemanha, que mantém participação forte da indústria, em alguns casos até crescente, aproveitando os processos em curso de redefinição das cadeias de valor em função de vulnerabilidades expostas pela pandemia e de conflitos geopolíticos.
Infelizmente, estamos participando apenas marginalmente dos processos de nearshoring e friendshoring, ao contrário das nações que mais diretamente disputam mercado conosco, justamente por falta de competitividade. Estamos perdendo uma oportunidade de recuperar produtividade e dinamismo na economia, que decorrem de melhores empregos gerados pela indústria de transformação, dos seus importantes investimentos em pesquisa e tecnologia, e do aumento do valor agregado à produção nacional por esse setor.
Sem dúvida, há que se reconhecer a importância de alguns avanços ocorridos nos últimos anos, com a realização de reformas micro e macroeconômicas, em direção à agenda da competitividade. O problema é que o Custo Brasil tem sido tão mais alto do que o dos nossos concorrentes — dívida pública e carga tributária em proporção do PIB, por exemplo, mais altos entre os países em desenvolvimento — que muitas lições de casa ainda precisam ser feitas.
Principalmente a redução do peso do Estado sobre a sociedade e, em especial, sobre o setor produtivo por meio, de um lado, de uma reforma administrativa que, apoiada pelo desengessamento do orçamento público, permita diminuir o gasto e, consequentemente, a carga tributária, via maior eficiência dos dispêndios públicos. E de outro lado, da Reforma Tributária, que, após anos de discussões, tramita em fase de regulamentação no Congresso Nacional, em uma primeira etapa que é a simplificação da caótica estrutura dos impostos sobre o consumo.
A proposta apresentada pelo Executivo, em 2023, trouxe importantes avanços conceituais, como o fim da cumulatividade, a partir da ideia de imposto sobre valor agregado (IVA), englobando vários tributos, mas sem redução de carga tributária, dado que este governo declaradamente pretende aumentar e não reduzir o gasto público. Esse viés fica evidente com o foco total do Ministério da Fazenda na busca de mais receitas. Transformou-se, de fato, no ministério da arrecadação.
O imposto sobre valor agregado proposto, composto pelo Imposto sobre Bens e Serviços (IBS), de responsabilidade de estados e municípios, e a Contribuição sobre Bens e Serviços, a cargo da União, previa inicialmente uma alíquota conjunta de 21%, próxima à média de outros países que adotam o conceito de IVA. Essa alíquota, no entanto, previa um número bem limitado de regimes especiais, a partir de especificidades setoriais e interesse social. Necessário destacar, contudo, que os sistemas tributários com base no valor agregado mais modernos e eficazes praticamente não trazem regimes privilegiados, o que permite colher os benefícios da simplificação e da alavancagem da economia na sua integralidade.
Na tramitação da Reforma Tributária no Congresso Nacional no 2º semestre do ano passado, os parlamentares cederam a grupos de pressão, aos lobbies mais poderosos, a setores e regiões que sempre buscam privilégios em tal medida, que a alíquota do IBS/CBS prevista já saltou para 26% ou 27%.
Mas além das ineficiências e privilégios introduzidos no texto-base da reforma, a regulamentação, em tramitação no Congresso, pode potencializar as distorções. Agora, é necessário detalhar as delimitações e a operacionalização dos regimes especiais que beneficiaram os diversos setores com reduções de alíquotas de 30%, 60% e até 100% e evitar que novas atividades procurem se enquadrar nessas “exceções”, na definição da legislação complementar. Infelizmente, mais uma vez, a sociedade brasileira se contenta com meias soluções. Devemos passar na prova, mas com nota pouco acima de cinco.
Querer pagar menos impostos é um direito legítimo, porque, no Brasil, à exceção de setores e regiões que têm regimes privilegiados, todos pagamos demais. Mas o principal caminho para isso é por meio do aumento da eficiência do gasto público, é o Estado fazer mais com menos e, assim, precisar de menos tributos para cumprir o seu papel. E a sociedade deve pressionar as autoridades para a construção desse Brasil eficiente, em que o Poder Público realmente esteja a serviço do público, e não de si mesmo. Mas, enquanto não avançarmos o suficiente nessa direção, não é legítimo que alguns queiram pagar menos, com a conta sendo transferida aos demais.
Publicado no Correio Braziliense em 11 de julho de 2024.