Convergência política e senso de urgência para reduzir o desemprego

Não há dúvida de que a consequência mais perversa da recente recessão seja o alto nível de desemprego, que reage na mesma velocidade do baixo crescimento da nossa economia. E desemprego alto comprime o consumo, retroalimentando esse baixo crescimento. O que não significa, todavia, que a saída seja estimular o consumo, apenas um paliativo de curto prazo que num passado não distante nos proporcionou os chamados voos de galinha. Crescimento sustentável depende de equilíbrio entre oferta e demanda, o que passa pela eliminação dos gargalos da economia, aumentando o crescimento potencial.

Visitando a série histórica, entre 1943 e 1980 tivemos crescimento contínuo, a uma taxa média expressiva de 7,4% ao ano. Depois, veio a década perdida e outras três com taxas anuais médias de 1,67%, 2,63% e 3,71%. E o período recente, de 2011 a 2018, com apenas 0,59% (últimos dois anos, 1,1%). Períodos de maior crescimento foram respostas a altos investimentos, reformas estruturais e gestão macroeconômica consistente. De 1980 para 2018, o nosso PIB per capita (em ppp a dólar de 2011) caiu, em comparação com o dos EUA, de 39% para 25,8%, enquanto da China avançou de 2,5% para 28,9% e o da Coreia do Sul, de 17,5% para 66%. Isso mostra que, nas últimas quatro décadas, não conseguimos construir um ambiente estável para um crescimento acelerado, diferentemente de outros países.

Dado o peso do Estado na economia, a má gestão pública (todos os poderes) tem sido um freio para o país. Nos últimos seis anos, o setor público consolidado vem registrando déficits elevados, alimentando a dívida, que saltou de 51% do PIB (dívida bruta) para quase 80%. Principalmente a partir de 2013, um aumento e responsável do gasto público passou a ser utilizado para tentar reanimar uma economia abalada pelo desleixo com as contas governamentais verificado a partir de 2008. A consequência desses desmandos foi uma recessão importante e a urgente necessidade de um forte ajuste fiscal.

Ajuste fiscal significa reequilibrar as contas, o que pode ser feito pelo caminho simplório, e tradicionalmente utilizado no Brasil, de aumento de impostos, ou pela via mais trabalhosa, mas muito mais consistente, de redução dos gastos públicos, que em grande parte pode ser alcançada pela maior eficiência desses gastos. O economista italiano Francesco Giavazzi, da Universidade Bocconi, examinou 170 planos de ajuste fiscal em 16 países e concluiu que aqueles baseados em aumentos de tributos têm maior impacto negativo na atividade econômica do que os sustentados em cortes de gastos – aliás, um caminho que elimina incertezas e restabelece a confiança de investidores internos e externos.

No início do ano passado, técnicos do governo previam que, com aprovação da reforma da Previdência, o país poderia criar 8 milhões de empregos até 2023; a taxa de juros básica, cair para 5,6% ao ano (já está em 4,5%); e a dívida do governo, reduzir para 76% do PIB. Dá para sentir que as coisas estão melhorando, mas é claro que as reformas precisam continuar: a tributária, a administrativa (do Estado), e diversas microeconômicas. Ponto fundamental para voltarmos um nível mínimo de investimento que permita eliminar os gargalos da economia, a começar pelo investimento público, que tem sido maior prejudicado pelos cortes de gastos, por equivocadamente ser classificado no orçamento como despesa discricionária, em contrapartida a 96% de gastos obrigatórios, como previdenciários e salários de servidores.

Para crescer mais, o Brasil precisa ser mais produtivo, o que depende tanto do aumento dos investimentos públicos quanto dos privados. Os primeiros demandam ajuste das contas, e os segundos, um melhor ambiente de negócios. A média anual das inversões do governo no período 2000-2017 foi de 1,92% do PIB a segunda mais baixa em um grupo de 42 países analisados pelo Ibre/FGV. A Coreia do Sul, por exemplo, que, como vimos, vem dando passos largos para alcançar a renda per capita dos EUA, tem investido no total em torno de 30% do PIB, a China mais de 40%, e nós, na faixa dos 15%. Segundo o Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID), o investimento tem um efeito multiplicador de 2 na economia: cada R$ 1 investido gera R$ 2 de PIB, dez vezes mais do que o gerado pelos demais gastos do governo. Motivo mais do que suficiente para preservar os investimentos em qualquer ajuste ou corte de gastos. É o caminho mais consistente para expansão da economia, do emprego e da própria arrecadação. O ministro Paulo Guedes sabe disso muito bem. Tomara que haja convergência política para o bom senso. Com o devido senso de urgência.

Publicado no Correio Braziliense em 10/02/2020.

Preparados para a nova economia?

Na última edição do Global Summit da Singularity University, que ocorreu em São Francisco, na Califórnia, foram apresentadas novidades tecnológicas, ideias disruptivas e projeções sobre as revoluções que já estão acontecendo e as futuras. Isso nas mais diversas áreas, da medicina ao transporte, do consumo à fabricação, de formas de pagamento à exploração espacial. O princípio norteador foi apresentar soluções realmente novas. O que mais se ouviu foi a necessidade de mudar o “mindset”, o jeito de pensar. Um concurso, que aconteceu posteriormente em Hollywood, propôs-se a coletar ideias para resolver os problemas mais complexos e desafiadores da humanidade, dentro de um conceito de abundância 360°. Partiu do pressuposto que todos os problemas conhecidos são solucionáveis num futuro próximo, até mesmo a colonização do espaço.

Para os empresários, uma mensagem desafiadora: no futuro, que para muitos setores já bate à porta, as ofertas de valor serão mais seguras, eficientes e baratas. Um mundo que apresentará desafios, e também oportunidades, em velocidade crescente, a ser explorado por uma combinação inteligente entre jovens digitalizados e profissionais experientes. É essa agenda que ditará a competitividade e o avanço das nações, e vem ganhando importância não só nas economias ricas, mas também nas que não perderam o senso de urgência, como a China. No Brasil, por outro lado, continuamos com a agenda do passado, em questões como ajuste fiscal, baixa produtividade, falta de competitividade, principalmente pelo peso da ineficiência do Estado, serviços públicos de baixa qualidade, falta de infraestrutura. Ainda não conseguimos avançar para o grupo dos países desenvolvidos – presos na armadilha da renda média –, sob o critério de geração de riqueza econômica na velha economia. A grande maioria das empresas brasileiras continua focada em competir e sobreviver num ambiente que o velho e conhecido Custo Brasil torna altamente desafiador.

Se continuarmos resistindo às mudanças necessárias, ou desidratando projetos de reformas imprescindíveis, corremos grande risco de já estar comprando o bilhete para a segunda classe na nova economia, da escalabilidade, da inteligência artificial, da computação quântica, da internet das coisas, da indústria 4.0, da digitalização, do compartilhamento, da substituição da propriedade pelo uso, dos projetos interplanetários. Temos que levantar a régua do que temos convencionado chamar de “politicamente possível” em direção ao que é realmente necessário, para conseguirmos encaminhar com a devida urgência a agenda do passado e despertarmos para o novo mundo que, literalmente, está entrando sem pedir licença, com uma velocidade que irá surpreender.

Publicado na Revista Ferramental em 01.02.2020