A gestão dos gastos públicos na pandemia

As características, a dimensão e as incertezas trazidas pela crise da covid-19 estão levando os países a gastar uma munição sem precedentes. Os governos estão implementando programas, mais focados em gastos públicos ou em créditos fiscais com garantias públicas, que trazem desafios futuros de reequilíbrio difíceis de mensurar neste momento. Segundo o economista Manoel Pires, o programa brasileiro pode chegar aos R$ 800 bilhões, com quase R$ 600 bilhões em gastos e desonerações. Sem dúvida, é um esforço robusto, arrojado, considerando a frágil situação fiscal do País, e que poderá elevar o deficit primário do Governo Federal a R$ 1 trilhão em 2020, se a economia demorar a reagir – economias pretendidas pela reforma da previdência em 10 anos para apagar o incêndio em um ano. Motivo mais do que suficiente para redobrarmos a responsabilidade fiscal de quem propõe, de quem aprova, e de quem executa as medidas emergenciais. A sociedade brasileira está concedendo ao poder público poderes especiais para salvar vidas e empregos em meio à pandemia e não licença para gastar.

O Fundo Monetário Internacional (FMI) não é muito otimista com o quadro do Brasil pós-coronavírus. Além de uma forte recessão em 2020 (estimativa de queda do PIB de 5,3% feita em meados de abril), prevê para o País a retomada mais fraca entre os emergentes, com crescimento de 2,9% em 2021, contra 4% na América do Sul e 6% na média das nações em desenvolvimento. Segundo o FMI, a nossa dívida bruta pode chegar a 98% do PIB, contra 63% dos emergentes. O que nos coloca em desvantagem, aponta, são os recorrentes resultados fiscais ruins.

A delicada situação das nossas contas públicas certamente não provém da falta de receitas, isto é, de baixa carga tributária. Pelo contrário, os brasileiros são os que mais pagam impostos, entre os seus pares, e, além disso, temos a pior relação no mundo entre tributos pagos e serviços devolvidos à sociedade. O problema está no excesso de gastos públicos e na má qualidade desses gastos, em todos os poderes e em todos os níveis da federação. Isso fica evidente novamente com o comportamento oportunista do Congresso, aproveitando-se do conflito político entre o Governo Central e os estados, para tentar distribuir benesses e atender necessidades que tem pouco a ver com a crise e muito com a histórica irresponsabilidade de muitos governadores e prefeitos. O poder público servindo-se do público em vez de servir a sociedade. É o rabo balançando o cachorro! O economista Marcos Mendes caracterizou bem: caronavírus.

Publicado no jornal O Estado – CE em 12 de junho de 2020.

Sabendo gastar, não vai faltar

As características, a dimensão e as incertezas trazidas pela crise da Covid-19 estão levando os países a gastar uma munição sem precedentes. Os governos estão implementando programas, mais focados em gastos públicos ou em créditos fiscais com garantias públicas, que trazem desafios futuros de reequilíbrio difíceis de medir nesse momento. A título de exemplo, o economista Manoel Pires apresentou recentemente, em reunião do Conselho Superior de Economia da Federação das Indústrias do Estado de São Paulo (Fiesp), dados em percentual do PIB dos gastos somados ao crédito de alguns países (veja tabela a seguir).

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Segundo Pires, o programa brasileiro pode chegar aos R$ 800 bilhões, com quase R$ 600 bilhões em gastos e desonerações. Sem dúvida, é um esforço robusto, arrojado, considerando a frágil situação fiscal do país, e que poderá elevar o déficit primário do governo federal a R$ 1 trilhão em 2020, se a economia demorar a reagir. Economias pretendidas pela Reforma da Previdência em uma década para apagar o incêndio em um ano. Motivo mais do que suficiente para redobrarmos a responsabilidade fiscal de quem propõe, de quem aprova e de quem executa as medidas emergenciais. A sociedade brasileira está concedendo ao Poder Público poderes especiais para salvar vidas e empregos em meio à pandemia e não licença para gastar.

O Fundo Monetário Internacional (FMI) não é muito otimista com o quadro do Brasil pós-coronavírus. Além de uma forte recessão em 2020 (estimativa de queda do PIB de 5,3% feita em meados de abril), prevê para o país a retomada mais fraca entre os emergentes, com crescimento de 2,9% em 2021, contra 4% na América do Sul e 6% na média das nações em desenvolvimento. Segundo o FMI, a nossa dívida bruta pode chegar a 98% do PIB, contra 63% dos emergentes. O que nos coloca em desvantagem, aponta, são os recorrentes resultados fiscais ruins.

A delicada situação das nossas contas públicas certamente não provém da falta de receitas, isto é, de baixa carga tributária. Pelo contrário: os brasileiros são os que mais pagam impostos, entre os seus pares e, além disso, temos a pior relação no mundo entre tributos pagos e serviços devolvidos à sociedade. O problema está no excesso de gastos públicos e na má qualidade desses gastos em todos os poderes e em todos os níveis da federação. Isso fica evidente novamente com o comportamento oportunista do Congresso, aproveitando-se do conflito político entre o governo central e os Estados, para tentar distribuir benesses e atender necessidades que tem pouco a ver com a crise e muito com a histórica irresponsabilidade de muitos governadores e prefeitos.

De um lado, pressionam o Congresso a aprovar ajudas mais generosas do Tesouro Nacional para cobrir rombos orçamentários e, de outro, promovem aumentos salariais para servidores, que têm estabilidade de emprego, em meio a uma grave pandemia que tem levado à suspensão de contratos de trabalho, reduções salariais de 8 milhões de trabalhadores na iniciativa privada e desemprego no mundo real. A Câmara de Deputados havia aprovado um plano de socorro de R$ 100 bilhões, sem qualquer contrapartida dos entes ajudados, mesmo diante de inconcebíveis reajustes a servidores concedidos por governadores quebrados, como o do Rio de Janeiro. O programa foi melhorado no Senado, mas não evitou que a maioria dos Estados corresse para aprovar aumentos salariais antes que o Presidente da República vetasse a flexibilização desses reajustes. Mais uma vez o socorro financeiro da União será usado para pagar salários. Ou seja, o Poder Público servindo-se do público em vez de servir a sociedade. É o rabo balançando o cachorro! O economista Marcos Mendes caracterizou bem: caronavírus.

Tão importante quanto gastar bem, é limitar esses gastos excepcionais ao efetivo combate à pandemia e pelo tempo estritamente necessário. Nesse sentido, o governo propôs e o Congresso aprovou o que foi denominado de Orçamento de Guerra, específico, delimitado, para não contaminar o Orçamento Geral nem os orçamentos futuros, para não comprometer a credibilidade fiscal do país. O secretário-executivo do Ministério da Economia, Marcelo Guaranys, contudo, alertou para prováveis pressões políticas populistas para perenizar programas criados durante a pandemia, o que pode comprometer o crescimento futuro do país. A exemplo do auxílio emergencial de R$ 600 que políticos querem transformar em programa de renda mínima. Acontece que só a primeira etapa desse auxílio consumirá perto de R$ 150 bilhões num período de três meses e será um dos principais ingredientes para fazer de 2020 o ano com o pior resultado fiscal da história, com déficit primário se aproximando de 9% do PIB.

Para Adolfo Sachsida, secretário de Política Econômica, não há como aumentar gastos públicos, mas é possível realocar recursos de programas que não são eficientes para fortalecer a rede de assistência social e discutir um novo formato para o auxílio emergencial. O Banco Mundial aponta que o Simples é um programa caro e pouco efetivo, ao contrário do Bolsa Família, que é considerado eficiente. Portanto, precisamos aumentar a qualidade do gasto e não gastar mais. Um antigo refrão continua atual: “sabendo gastar, não vai faltar”. A classe política precisa entender que, depois dessa pandemia, a viúva não estará mais aí para pagar as contas. E não haverá mais almoço grátis.

O Brasil é um país rico, mas precisa parar de desperdiçar, e deve preservar conquistas importantes como o Teto dos Gastos, principal âncora fiscal no momento, e reformas recentes. E seguir na trajetória de novos avanços que já estavam na pauta antes dessa crise. Convergência política, senso de urgência e decência no trato da coisa pública podem levar ao país que nossos filhos gostariam que deixássemos para eles.

Segue link do artigo publicado em 03.06.2020 na revista Amanhã: https://amanha.com.br/brasil/sabendo-gastar-nao-vai-faltar