Enfrentar gastos públicos “para” crescer, e não “pelo” crescimento

Na questão dos gastos públicos, existe uma discussão, talvez equivocada, entre dois grupos que se convencionou chamar de fiscalistas e desenvolvimentistas. O primeiro defende uma maior responsabilidade fiscal, uma gestão mais austera das despesas, até pela forte sinalização que isso dá ao mercado, influenciando fortemente no seu humor e na disposição dos investidores de contribuírem com mais determinação na construção do PIB potencial do país. O segundo grupo propõe o aumento dos gastos para estimular o crescimento, justificando que uma economia maior conseguiria conviver com esses gastos maiores. Fazendo uma analogia, os primeiros propõem remover as pedras do rio para poder navegar e os segundos, aumentar o nível das águas para esconder as pedras.

A pergunta que fica é o que fazer em épocas de estiagem. Ainda mais, considerando que grande parte dos novos gastos acabam sendo permanentes, isto é, não poderão ser removidos em épocas de vacas magras na economia. Ou no caso do rio, aumentam o tamanho das pedras. Será que essa tese pode ser denominada desenvolvimentista? Entendo que desenvolvimento é um processo de crescimento sustentado e sustentável de longo prazo e não um voo de galinha baseado em estímulos de curto prazo, mesmo que direcionados a investimentos, se o Estado não tiver espaço fiscal para fazê-lo. Creio que deveria ser chamado desenvolvimentista quem defende o enfrentamento do excesso de gastos “para” o crescimento e não “pelo” crescimento a qualquer custo.

Essa discussão torna-se ainda mais relevante no momento atual, em que o governo brasileiro implantou um dos mais robustos pacotes fiscais do planeta para socorrer a população mais vulnerável e a economia, duramente afetados pela pandemia. Faz-se necessário cuidado redobrado com quaisquer gastos não relacionados à crise sanitária. E é momento, também, de fazer escolhas: se quisermos priorizar os gastos sociais, devemos melhorar a qualidade dos programas atuais, e reduzir outras despesas que façam menos sentido. E não é só o Poder Executivo que deve assumir essa responsabilidade, e, sim os três Poderes, Executivo, Legislativo e Judiciário, nas três instâncias, União, Estados e municípios.

Olhando para os maiores gastos, já aprovamos a importante Reforma da Previdência, que mesmo não trazendo resultados no curto prazo, limitou grande parte do crescimento dessa conta na esfera federal. Infelizmente, o assunto continua pendente em boa parte dos estados brasileiros que não pegaram carona na reforma federal. A segunda despesa mais relevante no orçamento da União são os salários, quase R$ 330 bilhões ao ano. Somando os governos estaduais e municipais, em que é o gasto mais importante, chegamos a R$ 985 bilhões, correspondentes a 13,5% do PIB, muito acima dos 9,9% na União Europeia, 9,5% nos Estados Unidos e 7% na média dos países emergentes. É um dos motivos pelo qual o governo perdeu capacidade de investimento, rubrica que em 2020 não deve passar de 0,3% do PIB no caso da União. E sabemos que sem investimento o crescimento bate na trave.

Para enfrentarmos esse problema, precisamos aprovar a Reforma Administrativa, que modernize a gestão pública, melhore os serviços e a qualidade dos gastos, aumente a produtividade do servidor evitando novos concursos, elimine distorções e privilégios, e rediscuta o tabu dos direitos adquiridos, como outros países já fizeram. Entra a discussão do engessamento de 95% do orçamento da União com gastos obrigatórios, entre eles os salários dos servidores, e fora deles os investimentos, que vêm minguando e assim comprometendo a capacidade de crescimento do país. Como bem observou o economista Carlos Kawall, o Congresso e a sociedade precisam resolver se mudam gastos mal focados e privilégios que estão na Constituição, para diminuir a distância entre o cidadão e o supercidadão, referindo-se aos servidores.

Também importantes seriam a continuidade da busca de uma solução para um grupo de estatais que geram prejuízos bilionários (R$ 190 bilhões nos últimos 10 anos) à União, e a revisão dos gastos tributários, que são benefícios fiscais a algumas empresas, a exemplo da desoneração da folha para os famosos 17 setores, em detrimento de todos os demais que têm menor capacidade de pressão. E que custam mais de R$ 300 bilhões ao ano.

Devemos resgatar o senso de urgência, e enfrentar a questão dos gastos como enfrentamos a inflação, para reverter um processo que vem fazendo o Brasil crescer menos do que os outros emergentes há 20 anos, e que tem nos deixado presos na chamada armadilha da renda média.

Publicado no Correio Braziliense.

As reformas necessárias

O poder público arrecada cada vez mais, extrai mais e mais riqueza da sociedade e devolve cada vez menos a ela. Aliás, é a pior relação do planeta. Em grande parte, consequência da Constituição de 1988, que foi pródiga em estabelecer direitos sem se preocupar com as obrigações. Esses direitos levaram à muitos gastos obrigatórios e ao engessamento do orçamento público que vemos hoje. Além da crescente captura do Estado pelas corporações públicas e privadas que transformam a máquina estatal numa instituição obesa e ineficiente, um fim em si mesmo, e a serviço de poucos setores ou empresas que têm tido a capacidade de se manterem próximos ao poder. Para enfrentar esse modelo, que estava chegando próximo ao esgotamento, por proposta do governo, o Congresso aprovou a emenda constitucional 95/2016, conhecida por Teto dos Gastos, estabelecendo regras que limitaram o crescimento das despesas públicas. Como, todavia, os gastos obrigatórios representam mais de 90% do orçamento da União e crescem acima da inflação por regras próprias articuladas pelas corporações, o espaço dos chamados gastos discricionários, que infelizmente inclui os desprezados investimentos, fica cada vez mais espremido. E é aí que vem à tona a histórica irresponsabilidade fiscal no trato da coisa pública no país: em vez de reduzir os gastos, tentam flexibilizar o teto, o que poderá nos levar de volta a um passado do qual não temos saudades.

O ministro Paulo Guedes e seus secretários tem resistido persistentemente às pressões para furar o teto, pois realizar essa flexibilização, antes de fazer as reformas na economia, seria perder a âncora e deixar a nau à deriva. Levaria ao aumento da taxa de juros, a fuga de investidores e à perda da estabilidade econômica. Não é a alimentação dos gastos públicos, um instrumento de responsabilidade fiscal, que impede a economia de crescer, e sim o excesso de gastos, especialmente os obrigatórios. Enquanto o consumo do governo absorve praticamente 20% do PIB, para o investimento em infraestrutura, que é fundamental para o país, sobra menos de 1%. É preciso inverter os papéis, colocar o orçamento público a serviço do país e não das corporações. O ministro da infraestrutura, Tarcísio de Freitas, reconhece que as reformas que venham a desvincular e desindexar o orçamento são as que permitiram ampliar os recursos para o setor.

Duas das principais reformas que precisam ser feitas para garantir a sustentabilidade fiscal são a tributária, em tramitação no Congresso, e administrativa, que deve construir uma máquina pública mais enxuta e eficiente, efetivamente a serviço da sociedade. A proposta do governo que foi encaminhado aos deputados vai na direção correta, mas é tímida na opinião da maioria dos analistas. Por não abranger os servidores atuais, não ajuda na solução da crise fiscal. O economista Marcos Lisboa, presidente do Insper, alerta que não podemos nos dar ao Luxo de esperar 20 anos para colher os resultados dessa reforma, ainda mais quando contratamos despesas novas, como as do Fundo de Manutenção e Desenvolvimento da Educação Básica e de Valorização dos Profissionais da Educação (Fundeb), já para o curto prazo. Vários parlamentares chamaram a atenção que a proposta, ao preservar privilégios de algumas categorias, deixa definições importantes sobre estabilidade e meritocracia para o futuro, e que deveria incluir os atuais servidores. Uma reforma administrativa ampla, abrangendo os servidores atuais de todos os poderes e dos três níveis da federação, pode gerar uma economia de R$ 60 bilhões a R$ 70 milhões ao ano, segundo a economista Ana Carla Abrão.

A reforma administrativa é passo fundamental e imprescindível para preservar o teto dos gastos no Brasil. Segundo o ex-ministro Delfim Netto, mexer no teto agora seria uma tragédia e faria adormecer o “espírito animal” dos empreendedores. O país precisa decididamente abandonar a agenda do passado voltada aos favores, privilégios, ao corporativismo e às artimanhas, para se apropriar do orçamento público e tentar ir ao encalço das nações que já adotaram a agenda do futuro, da economia digital, da inteligência artificial, da computação quântica, da internet das coisas, da indústria 4.0, do blockchain, onde estamos apenas engatinhando e, portanto, despreparados para competir no mundo que continuará amplamente conectado. Senso de urgência para isso é altamente recomendável.

Publicado no jornal Estado de Minas.

Melhorar a qualidade dos gastos sociais

Em recente debate promovido pela Federação das Indústrias do Estado de Santa Catarina (Fiesc), o economista Marcos Lisboa, presidente do Insper, alertou que se não enfrentarmos adequadamente a questão dos gastos públicos, continuaremos na trajetória que vem deixando o Brasil para trás há 40 anos, e crescendo menos do que os demais emergentes há 20 anos.

Na mesma direção, o livro Reforma do Estado brasileiro – Transformando a atuação do governo, recentemente lançado, e que conta com a contribuição de 35 economistas, chama a atenção para o fato de que um Estado que funciona mal e gasta muito explica boa parte do baixo crescimento do país nas últimas décadas. E que, se quisermos dar mais atenção à seguridade social e saúde pública, devemos gastar menos em atividades-meio do Estado e eliminar sobreposições de auxílios.

O problema é que, há muitos anos, convivemos com gastos públicos de baixa qualidade. Essa ineficiência dos dispêndios, pautados por posições ideológicas, defesa de privilégios e falta de avaliação de resultados, têm exigido transferências crescentes de recursos da sociedade, sob o pretexto de minimamente atender à questão social.

Um dos trabalhos que vinham sendo conduzidos pela equipe econômica, na busca de recursos para o programa Renda Brasil, rebatizado de Renda Cidadã, buscava reavaliar os programas sociais pouco eficientes, justamente para que mais pessoas, mais necessitadas, pudessem ser beneficiadas. Equivocadamente, a ideia foi abortada sob a alegação de que se estaria tirando dos pobres para dar aos paupérrimos. Seria, na realidade, um avanço na qualidade do gasto público, na construção de um amplo e assertivo programa de renda mínima. Não existe nenhuma teoria ou referência que diga, ou permita, ou recomende que os gastos sociais possam ou devam ser ineficientes. Esse fundo poderia ser reforçado, ainda, com a revisão dos privilégios das corporações privadas e públicas que capturaram o Estado, e da questão dos direitos adquiridos que são incompatíveis com a realidade brasileira, e que muitos países já souberam revisar.

Enfrentar os gastos só “pelo” crescimento da economia tende a ser voo de galinha, porque sempre existirão os períodos de vacas magras que trarão o problema à tona com gravidade crescente. Por outro lado, enfrentá-los “para” o crescimento permite a consolidação de bases sólidas para um crescimento continuado, menos suscetível às mudanças de temperatura no ambiente externo. Lembrando que a falta de senso de urgência vai tornando a solução sempre mais cara.

Enfrentar os gastos “para” o crescimento permite a consolidação de bases sólidas e continuadas.

Publicado no Jornal A Tarde – Salvador/BA.