Imprescindível o ajuste da previdência

Olhando num gráfico que estabelece a relação entre gastos públicos e o IDH (índice de Desenvolvimento Humano), o Brasil tem um dos piores indicadores do mundo. Isso significa que o poder público gasta demais. 40% do PIB, para o baixo nível de bem estar social obtido. Coreia do Sul, Austrália, Chile, México, Peru e Rússia, por exemplo, além de outros países desenvolvidos vêm apresentando equações bem mais favoráveis.

Vito Tanzi, economista italiano e grande estudioso das questões demográficas e de bem estar social, diz que o Brasil já passou do ponto em que o aumento do gasto público gera equivalente crescimento do IDH.

Os equivocados esforços do governo e do Congresso para elevar a 10% o PIB os gastos obrigatórios em educação e outro tanto na saúde, só vem reforçar essa tese. O Brasil já dispende muito nestas duas áreas. A questão não é gastar mais, e sim gastar melhor. A abundância de recursos leva à ineficiência e aos desperdícios, como temos visto. Outros países têm enfrentado problemas semelhantes aos nossos.

No Reino Unido, o ministro das finanças, George Osborne, trabalha com a determinação para corrigir benefícios sociais que equivocadamente tornavam mais interessante para o cidadão ficar em casa recebendo seguro desemprego e outros benefícios, do que ir trabalhar. As reformas promovidas encorajam as pessoas a procurar emprego. Como diz Osborne: “Trabalhar é a melhor forma de sair da pobreza”.

O déficit previdenciário, armadilha que continua armada e tende a se agravar com o fim do bônus demográfico num futuro próximo de pouco mais de dez anos, não vem merecendo a atenção necessária. Entre 2009 e 2013, as despesas totais com aposentadorias e pensões cresceram R$ 291 bilhões para R$ 446 bilhões, em um ritmo de expansão de 11% ao ano contra uma inflação anual média de 6%.

A elevada inflação de 2015, aliada à correção do salário mínimo, deve acrescentar algo entre R$ 50 bilhões e R$ 78 bilhões aos gastos do governo com previdência no ano. A auditoria do TCU (Tribunal de Contas da União) aponta que a situação já beira o descontrole. E pior, para os auditores o problema tende a piorar com o envelhecimento da população.

Hoje temos 7,6% de brasileiros com mais de 65 anos. A projeção é que esse número chegue em 10% em 2022, e 20% em 2046. O ministro Aroldo Cedraz, presidente do TCU, afirma que não teremos recursos para suprir essas necessidades. O diagnóstico mostra a gravidade da doença e recomenda tratamento enquanto houver tempo.

Para conter o crescimento do gasto público

Tudo vinha conspirando a favor da perda do grau de investimento. De um lado, os indicadores de solvência do país continuavam piorando a divida bruta do setor público, que no final de 2014 fechou em 57,22% do PIB, em novembro de 2015 chegou a 65,1%; o déficit nominal, de 6,29% do PIB no início de 2015, chegou, no acumulado de doze meses, a 9,30% em novembro.

Do outro lado, o Congresso recorrentemente votava pautas-bomba, que aumentam os gastos públicos, e aprovava novos gastos obrigatórios, engessando ainda mais o orçamento público. Além disso, o crescimento acelerado das despesas do Estado tem pressionado a inflação. Quanto mais o governo gasta, mais o Banco Central precisa aumentar a taxa de juros para evitar a escalada de preços.

E juros maiores significam crescimento menos, socializando o custo do ajuste, além de agravar o quatro da dívida pública. O sérvio da dívida vem consumindo acima de R4 400 bilhões ao ano, 20 vezes mais do que custa o Bolsa Família. Gastamos nos últimos meses o equivalente a 7% do PIB com juros, enquanto o Japão, que tem proporcionalmente ao PIB uma dívida quatro vezes maios, gastou com juros proporcionalmente a metade.

É que o mercado obra juros mais altos de quem tem gestão fiscal pior. Paulo Rabello de Castro, coordenador do Movimento Brasil Eficiente (BEM), recomenda que o governo federal estabeleça um plano que permita ao país buscar o déficit nominal a zero – que limite o gasto à arrecadação. Propõe também uma medida imediata de contenção das despesas, inspirado em países como os Estados Unidos e Alemanha.

Preservando investimentos, as despesas de custeio, que incluem funcionalismo, veículos oficiais, publicidade, viagens e outros, teriam um corte de 7,6% na média, permitindo chegar a uma economia de R$ 110 bilhões neste ano e em 2017. Segundo o PMI, se aumentarmos a eficiência das despesas com educação, saúde e assistência social, por exemplo, o poder público pode gerar uma poupança de 3,5% do PIB, fundamental para reduzir a dívida pública e aumentar investimentos.

Para isso, é fundamental que se crie uma Instituição Fiscal Independente (IFI), já prevista no art. 67 da Lei de Responsabilidade Fiscal, a exemplo do que fizeram inúmeros países. Denominada Conselho de Gestão Fiscal (CGF), a nossa IFI nunca foi criada porque o artigo até hoje não foi regulamentado.

O BEM vem sendo empenhando para que prospere o PLS 141/2014 do senador Paulo Bauer, que encaminha a criação do CGF. Esse choque de gestão no governo central, então, precisaria ser replicado nos 27 estados, alguns dos quais já vêm avançando nessa direção, e nos mais de 5.000 municípios brasileiros.

Dificuldade em enxergar os erros

Sim, temos dificuldade em enxergar os nossos erros. Primeiro passo para encaminhar soluções adequadas. Prova disso, é que saímos de uma década de crescimento fácil, graças ao boom dos commodities[i], e empacamos tão logo os preços baixaram. E não resolve atribuir a culpa ao mercado internacional. Deveríamos ter nos preparado para os momentos de vacas magras que certamente viriam. A exemplo de outros países, que enfrentando os mesmos problemas continuam crescendo a taxas robustas ou estão se preparando para isso. Além dos sempre mencionados China e Índia, temos Indonésia, que em 2014 cresceu 5,5%, e os nossos vizinhos Chile, Peru, Colômbia e México, que vêm trabalhando em um pacote de reformas estruturantes, para elevar a produtividade e reduzir a pobreza, que lhes permita crescer a uma taxa de 5% ao ano pelas próximas duas décadas.

John Micklenthwait, diretor-geral da Bloomberg News, e Adrian Wooldridge, editor da The Economist, publicaram recentemente o livro A Quarta Revolução – A Corrida Global para Reinventar o Estado, onde analisam bons e mais exemplos de atuação de governos. Como Lee Kuan Yen, que em três décadas transformou a Singapura na Suíça da Ásia. Lee é um crítico dos excessos do Ocidente, da democracia irrestrita a políticas de bem estar social, que ele compara a um bufê liberado onde concessões que deveriam servir aos pobres, como universidade gratuita, são estendidas às camadas mais abastadas. Afirmam os autores: “Os políticos hoje são como arquitetos que discutem as condições dos cômodos em uma casa em ruínas, apressando-se em consertar uma janela aqui outra acolá, sem jamais considerar as condições da edificação. Precisamos refletir em profundidade sobre a função adequada do Estado”. Desde 2005, o Banco Mundial vem analisando as reformas implementadas por 189 países para melhorar o ambiente de negócios. O Brasil está na 75ª posição. Após 37 reformas para melhorar a competitividade, um pequeno país chamado Geórgia alcançou o topo do ranking. Augusto de La Torre, economista-chefe do banco para a América Latina, questiona “se a dinâmica social do Brasil vai resultar em um apoio a um projeto de reformas igualmente significativas… a única forma de continuar incluindo os mais pobres é reformar a economia e destravar o crescimento”.

Um importante fator a restringir o nosso crescimento é a falta de poupança, que limita a capacidade de investimento do país. E estimular o consumo como temos feito, sem ampliação da oferta, seja de infraestrutura, tecnologia ou capacidade produtiva, pressiona a inflação.

Em 2010, a taxa de poupança privada no Brasil foi de 18,5% do PIB [ii]e a pública de (-) 0,5%. Além de estimular em excesso o consumo, o Estado ainda compromete a já baixa poupança privada. Em 2013, com o aumento da carga tributária, o setor privado não conseguiu poupar mais do que 17,2%m dos quais 2,8% foram consumidos pelo aumento dos gastos públicos, reduzindo a taxa líquida do país a menos de 15%. Segundo Bernard Appy, da Consultoria CCA, a criação de incentivos à poupança é essencial para livrarmo-nos da armadilha do baixo crescimento, mas o exemplo deve vir do próprio poder público. O Brasil tem buscado recursos externos para suprir a falta de poupança interna, mas, como na gestão financeira das famílias e empresas, existe um limite prudencial para isso. Não faz tanto tempo assim que passamos por maus momentos por causa do excesso de dívida externa.

A correlação estre taxa de poupança e capacidade de investimento fica clara quando comparamos a taxa média do período 2010 a2013 de diferentes países: desenvolvidos, 20% x 23,5%; média mundial 25% x 24%; em desenvolvimento, 44% x 43%; e Brasil, 16% x 19%. Certamente, um sistema previdenciário generoso é importante fator a desestimular a nossa poupança. Ao contrário da China, onde a precariedade da seguridade social leva a poupança a 52% do PIB. Nem tanto ao céu, nem tanto à terra. A registrar o bom exemplo que o governo dá na China, poupando 11% do PIB.

Devemos nos inspirar em países democráticos que tomaram medidas importantes para restringir os gastos sociais, visando aumentar a taxa de poupança. Ainda mais se considerarmos as mudanças demográficas em curso no país. As crescentes mudanças propostas no seguro desemprego, abono salarial e pensão por morte caminham nessa direção.

A alta carga tributária, que subtrai poupança, tem sido um dos freios ao nosso crescimento. Ela aumentou de 27% do PIB, em 1995, para os 37% atuais. E pior, na época, o governo conseguia investir 5% e hoje não consegue mais de 2,5%, somados União, estados e municípios. Investíamos 25% do PIB e hoje apenas 17%. Por outro lado, o Chile, onde os impostos não passam de 20% do PIB, consegue investir 25%. E a China, com uma carga tributária de 17%, investe quase 50%. No Brasil, o poder público, mesmo arrecadando muito, consome ais ainda parte da poupança feita pela sociedade, e mesmo assim só consegue investir um pouco. O motivo é o constante e acelerado crescimento dos gastos correntes, que já ultrapassaram 40% do PIB.

Por opção e por ineficiência anulamos a nossa capacidade de crescimento. Muito mais nobre é o gestor público que colhe seus momentos de impopularidade por tomar medidas duras para um futuro sustentável, como as reformas estruturais, do que aquele que colhe o mesmo resultado por omissão ou escolhas erradas. Contudo, ainda é melhor mudar de lado agora, tardiamente, do que não fazê-lo.

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[i] Commodity: do inglês, significa mercadoria. É utilizado nas transações comerciais de produtos de origem primária nas bolsas de mercadorias. O que torna os produtos de vase muito importantes na economia é o fato de que, embora sejam mercadorias primárias, possuem cotação e negociabilidade globais. Portanto, as oscilações nas cotações destes produtos de base têm impacto significativo nos fluxos financeiros mundiais, podendo causar perdas a agentes econômicos e até mesmo a países (Wikipédia).

[ii] PIB: sigla para Produto Interno Bruto e representa a soma (em valores monetários) de todos os bens e serviços finais produzidos em uma determinada região (quer sejam países, estados ou cidades), durante um período determinado (mês, trimestre, ao, etc.). O PIB é um dos indicadores mais utilizados na macroeconomia com o objetivo de mensurar a atividade econômica de uma região.

Difícil Caminho da Indústria

A economia brasileira encolheu 3,7% em 2015. A indústria um dos setores que mais agrega vitalidade, tecnologia e empregos de qualidade, caiu 9% no mesmo ano, após uma retração de 3,2% em 2014. Voltou a ter uma participação no PIB equivalente àquela do governo Juscelino Kubitschek, segundo a Federação das Indústrias do Estado de São Paulo.

A indústria no Brasil, especialmente a de transformação, tem sido exposta a um ambiente hostil, que vem afetando seriamente sua competitividade. Sistema tributário complexo, alta carga de impostos, infraestrutura precária, baixo desenvolvimento tecnológico, custos trabalhistas crescentes e taxa de câmbio não só valorizada por longos períodos, mas especialmente instável, têm transformado o nosso país em um lugar caro para produzir.

Quando, sob essas circunstâncias, acontece um choque de demanda – como o que vimos no nosso período de lua de mel com o tripé mercado internacional de commodities aquecido, incorporação de vastos segmentos da população à força de trabalho e expansão de crédito –, o que ocorre é um aumento de salários e de preços. O setor de serviços, que hoje já representa cerca de 70% do nosso PIB, tende a ser resiliente a um processo destes, uma vez que não sofre concorrência de substitutos do mercado internacional.  Consegue repassar os aumentos de custos aos preços. Já a indústria, ao mesmo tempo em que esteve exposta a essa pressão de custos, passou a sofrer crescente concorrência de importações a preços baixos. Especialmente da China, o que dificultou aumentos de preços e levou ao forte estreitamento das margens.

Para que a indústria pudesse absorver a pressão por aumentos de salários, proveniente do setor de serviços, teria que ter ocorrido equivalente aumento da produtividade da mão de obra industrial – o que, sabemos, não ocorreu: ela caiu em média 0,1%, nos últimos 20 anos.

Enquanto não houver maior previsibilidade no ambiente político institucional, uma razoável estabilidade cambial e a retomada da pauta das reformas que indique a recuperação da competitividade do país e a perspectiva de retorno para os investimentos industriais esse importante setor, o que mais agrega produtividade à economia, continuará com dificuldades crescentes de dar a sua contribuição ao nosso processo de desenvolvimento.

Gastar melhor para gastar menos

Boa parte do nível elevado dos gastos públicos das economias emergentes, especialmente no Brasil, vem de equívocos nas políticas anticíclicas adotadas a partir da crise de 2008. Um estudo do Fundo Monetário Internacional mostra que estímulos adotados em 2009 não foram revertidos quando o crescimento foi retomado. No Brasil, por exemplo, aumentaram-se despesas com servidores, que não são reversíveis. Pelo estudo, a relação gastos públicos/PIB está hoje, em média, 4% acima do nível de 2007 nestes países. Significa que eles não aproveitaram a crise para melhorar os fundamentos.

Em palestra recente, o ministro da Fazenda, Joaquim Levy, reafirmou que contenção de carga tributária depende da qualidade e quantidade de gasto público. Por outro lado, existe uma corrente no governo que estranhamente se diz “desenvolvimentista”. Eles propõem aumento dos gastos públicos e impostos para animar a economia. É proposta que não se sustenta e desestimula investimentos. Crescimento consistente depende de medidas que reestabeleçam a competitividade, e não de manobras que alimentem ainda mais o Custo Brasil.

Claro que para conter o aumento dos gastos públicos, é necessário também tornar menos engessado o orçamento da União, que obriga ao crescimento uma série de despesas em linha com a expansão da economia ou da arrecadação. Hoje, inclusive, não é permitido fazer uma poupança nos anos prósperos para enfrentar os períodos difíceis, Na contramão, o país está querendo aumentar os gastos obrigatórios com educação e saúde.

Certamente, o problema do Brasil não é a quantidade de recursos dispendidos, mas sim a qualidade do gasto. Na educação, gastou-se 6% do PIB, mais do que os 5% da Coreia do Sul, que é referência na área, e de outros países que têm bom desempenho. Pátria Educadora não se constrói com mais gastos, e sim ensinando bons valores e construindo a gastar bem.