O fim de um ciclo irreal

Em 1988, promulgamos o que se convencionou chamar de Constituição cidadã, pródiga em estabelecer direitos e omissa em definir quem pagaria a conta. Iniciou-se um ciclo de expansão fiscal que, somado aos desmandos na gestão pública de muitos entes federados, levou o país ao atual quadro de insolvência e de falta de competitividade. Por um lado, a gastança do governo foi custeada por uma carga tributária que cresceu de 24% para 36% do PIB, e mais recentemente por um deficit nominal em expansão e uma dívida pública em rota explosiva. E de outro, os serviços de saúde, educação e segurança foram piorando. O que mais uma vez deixa claro que riqueza não se cria por decreto nem por texto constitucional, mesmo em um país impulsionado por um superciclo de commodities. Não há milagre que resolva a situação em que o Estado drene 45% da renda nacion al e uti lize os recursos de forma ineficiente.

O Brasil é o país do jeitinho e também dos atalhos. Se possível, gosta de colher antes de plantar. Por isso, tem insistido exageradamente na busca do crescimento via estímulo ao consumo. Funcionou enquanto foi possível expandir o crédito de forma saudável e o nível de desemprego estava baixo. Não num quadro com mais de 40% da população acima de 18 anos inadimplentes e com mais de 12 milhões de desempregados. Reforçado pela falta de poupança interna, que caiu de 19,5% do PIB, em 2010, para 15,8% em 2014, e continua caindo. Certamente, quem poupa menos pode menos.

É necessário buscar o caminho da responsabilidade fiscal, como fazem as famílias e empresas que têm conseguido enfrentar as crises com sabedoria, administrando os seus recursos com parcimônia, preparando-se nos períodos de vacas gordas para enfrentar os de vacas magras. O país precisa buscar uma trajetória sustentável da dívida pública pela contenção dos gastos correntes, de modo a recuperar espaço para investimentos, cuja taxa vem caindo há muitos trimestres. O desenvolvimento econômico, como sabemos, depende da elevação da taxa de investimento e do aumento da produtividade.

A Constituição de 1988, como bem aponta Yoshiaki Nakano, diretor da Escola de Economia da Fundação Getúlio Vargas e um dos fundadores do Movimento Brasil Eficiente (MBE), tende a desestimular o crescimento do país na medida em que classifica as despesas de pessoal e previdenciárias como obrigatórias e os investimentos públicos como discricionários. Assim, o excesso de consumo do governo, que cresce obrigatoriamente, sempre tenderá a comprimir os investimentos. Tanto que cresceu de 11% do PIB em 1991, quando os impostos representavam em torno de 25% do PIB, para os 20% atuais. E os investimentos do governo caíram, no período, de 5% do PIB para menos de 1%, apesar da expansão acelerada da carga tributária e da dívida pública.

O problema do país não é a falta de recursos nem na saúde e na educação. O governo gasta muito e gasta mal. Precisamos, acima de tudo, de mais eficiência nos dispêndios. E com certeza mais e melhores serviços públicos não dependem de mais impostos e, sim, de mais gestão. O Movimento Brasil Eficiente (MBE) vem trabalhando em uma agenda que disponibilize ferramentas de apoio à qualidade destes gastos. Como a criação do Conselho de Gestão Fiscal, uma instituição fiscal independente que tem sido fundamental na busca do equilíbrio das contas públicas em vários países. Encaminhado pelo senador Paulo Bauer, o projeto de lei foi aprovado, por unanimidade, no Senado, e agora tramita na Câmara Federal sob o número 210/2015. Além do que, com o especial apoio do economista Paulo Rabello de Castro, cofundador e coordenador do MBE, estão em implantação leis de eficiência na gestã o pública em alguns estados, até porque tanto quanto o governo federal, todos eles precisam se comprometer com o equilíbrio das suas contas e evitar que a renegociação das dívidas com a União estimule mais gastos como temos visto no passado. A história mostra que orçamentos generosos têm sido um incentivo ao excesso de gastos, desperdícios e desvios.

A condução irresponsável da coisa pública, como se as fontes de recursos fossem inesgotáveis, cobra o seu preço. Colhemos uma economia pouco competitiva, uma carga tributária sufocante, taxa de desemprego de 12%, serviços públicos de péssima qualidade e governos quebrados. Está claro que esse modelo não funciona, que esse ciclo se encerrou. O próximo começa pela reforma fiscal para que o país possa voltar a crescer e gerar empregos.

Publicado no Jornal Correio Braziliense em 23/02/2017.

Fazer mais com menos

A Constituição de 1988, como bem aponta Yoshiaki Nakano, diretor da Escola de Economia da Fundação Getúlio Vargas e um dos fundadores do Movimento Brasil Eficiente (MBE), tende a desestimular o crescimento do país, já que classifica gastos correntes – despesas de pessoal e previdenciárias – como obrigatórios e os investimentos públicos como discricionários. Assim, o excesso de consumo do governo, que cresce obrigatoriamente, sempre tenderá a comprimir os investimentos. Tanto que cresceu de 11% do PIB em 1991, quando os impostos representavam em torno de 25% do PIB, para os 20% atuais. E os investimentos do governo caíram no período de 5% do PIB para menos de 1%, apesar da expansão acelerada da carga tributária, para 36% do PIB, e da dívida pública. Os gastos correntes subiram a uma velocidade muito superior à do crescimento da economia, em trajetória insustentável.

Por outro lado, investimentos decrescentes criam gargalos para o crescimento, mais ainda se são de baixa qualidade, têm desvios e atendem interesses políticos. Muitos dos monumentais estádios construídos ou reformados para a Copa de 2014 estão sem uso. A Ferrovia de Integração Oeste-Leste implantada para agradar o governo de plantão na Bahia, e hoje paralisada. A Transnordestina, a Transposição do Rio São Francisco e as refinarias da Petrobras planejadas para o Maranhão, o Ceará e o Rio de Janeiro. Nenhum desses projetos tem ou teria taxa de retorno positiva e não cobrem nem o custo de capital. Enquanto isso, as reais prioridades têm pouca atenção – a coleta de esgoto, por exemplo, atende apenas metade da população, contra 99% no Chile.

Já se pensou no governo em estabelecer gatilhos automáticos a serem disparados para sustar reajustes de servidores e cortar gastos também com saúde e educação em situações de desequilíbrio fiscal. O ex-secretário da Receita Federal Everardo Maciel destaca a importância da Desvinculação de Receitas da União (DRU) para que os gastos possam ser racionalizados e receitas redirecionadas com o aumento da eficiência. Aponta ainda despesas não obrigatórias que podem ser reduzidas, como publicidade, subsídios a “movimentos sociais”, cancelamento de restos a pagar de despesas não executadas e fechamento de representações diplomáticas sem relevância.

É necessário reavaliar projetos e programas do governo, incluindo os sociais, para ver o que funciona ou não, a fim de elevar a produtividade das políticas públicas e atender aos que realmente precisam. Temos que reconhecer que o atual governo tem tido o discernimento para entender que o equilíbrio das contas e melhores serviços públicos não dependem de mais impostos e, sim, de mais gestão e das reformas que está encaminhando. O poder público tem a obrigação de fazer mais com menos.

Publicado no Jornal Diário Catarinense em 08/02/2017.

Renovando esperanças e atitudes

Que apesar das turbulências políticas, ou quem sabe por causa delas, consigamos no novo ano fortalecer a nossa resiliência para superar a grave crise fiscal e econômica que nós mesmos, irresponsavelmente, construímos. A solução passa por coragem política e entendimentos em torno de propostas amplamente conhecidas e testadas em outros países. Podemos usar como exemplo a China, que no período de 2015 a 2016, acumulará uma alta do PIB superior a 13%, enquanto o Brasil colherá uma queda que se aproxima dos 8%. Se compararmos o Produto Interno Bruto per capita (em dólares por paridade de poder de compra), em 2006, o número da China equivalia à metade do nosso (6.237 x 12.276) e, em 2016, a previsão é que estejam a nossa frente (13.862 x 13.485). O país asiático tem os seus problemas, mas vem construindo essa trajetória com poupança interna e investimentos elevados, despesas públicas (gastos correntes) baixas e crescimento da produtividade.

Temos aqui perto o exemplo do Peru, um dos países que mais tem crescido na América do Sul: média anual de 4,1% no período de 1998 a 2007, e de 6% no período de 2008 a 2013. Embalado, como o Brasil, pelo boom das commodities, protagonizado justamente pela China. Também conseguiu, de forma ainda mais acentuada do que nós, reduzir o contingente populacional abaixo da linha de pobreza e com índice de reversão muito menor do que o nosso. A grande diferença é que o Peru não abandonou, nesse tempo todo, os bons princípios da responsabilidade fiscal. A inflação fiscal ficou na média de 2,8% ao ano e a dívida pública equivale a 24% do PIB. Enquanto isso, no Brasil, fomos nos especializando em pedaladas fiscais que nos trouxeram até aqui.

Temos a mais alta carga tributária entre os países emergentes, além de uma dívida pública em rota explosiva. Isso significa que o governo drena uma parcela anormalmente elevada da riqueza gerada pela sociedade brasileira. Portanto, a crise fiscal que vivemos hoje não se deve à falta de recursos no poder público e, sim, à má qualidade do gasto. Um Estado que não cabe no PIB, como tem dito o ex-ministro Delfim Netto, uma máquina pública que se transformou num fim em si mesmo e, por isso, não consegue mais atender à população.

No curto prazo, precisamos apagar incêndios para que os entes federados não travem. Estabelecer um limite para o crescimento dos gastos públicos, reformar um sistema previdenciário que há muito sabemos ser inviável, começar a eliminar privilégios insustentáveis e, definitivamente, aprender que não existe almoço grátis ou, mais especificadamente, que não existe governo grátis, como escreveu o economista Paulo Rabello de Castro, coordenador do Movimento Brasil Eficiente.

Que em 2017 tenhamos as mentes mais abertas para aprender com os outros e conosco mesmo.

Publicado nos Jornais Diário Catarinense e A Notícia em 02/01/2017.

O inverno sempre vem

Crise política à parte, é importante reconhecer e apoiar o esforço que o atual governo vem fazendo para estancar uma crise econômica que afeta fortemente a vida de famílias e empresas brasileiras. Um bom tratamento requer diagnóstico correto, e há que se enaltecer aqui o mérito da equipe econômica. O país está pagando o preço de um período de gastança desenfreada, fruto de avaliação primária e irresponsável de que o boom de commodities não acabaria nunca. A crianças aprendem, na historinha da cigarra e da formiga, que, após o verão, sempre vem o inverno, e todos nós sabemos que se alternam períodos de vacas gordas com outros de vacas magras. Por algum capricho da natureza, o poder público deleta esses ensinamentos e tende a descuidar do princípio da precaução. Nos bons tempos, não só se gastou tudo o que foi colhido, como se aumentou carga tributária ao limite, e se colocou a dívida pública numa rota explosiva, para suportar gastos adicionais. E, diante dos crescentes sinais de que as contas não fechavam, buscou-se o caminho mais cômodo, para dizer o mínimo, de culpar a crise externa, o fim das vacas gordas, pela crise criada. O governo insistia em passar para a sociedade uma estranha mensagem de que não esperava que, após o verão e outono, viesse o inverno.

O desafio é controlar o irresponsável aumento dos gastos públicos correntes (custeio + transferências) e reconstruir as bases para a retomada do crescimento econômico sustentado. A PEC 55, do teto dos gastos, aguarda a segunda e última votação no Senado para ir a sanção presidencial. É passo importantíssimo, mesmo estabelecendo a inflação do ano anterior como limitador, e não o crescimento do PIB, que efetivamente evitaria o avanço do Estado sobre a riqueza marginal criada pela sociedade. Necessariamente, o passo seguinte deve ser a reforma da Previdência Social, maior dispêndio do governo, incluindo o encaminhamento dos seus dois maiores desequilíbrios, as aposentadorias dos servidores públicos e dos trabalhadores rurais. Até como condição para viabilizar o primeiro passo. Vale para todos os poderes, nos níveis federal, estadual e municipal.

E quanto mais tarde os ajustes vierem, mais caros serão, além de adiarem a retomada dos investimentos que criam as bases estruturais para o crescimento e geração de empregos.

Artigo publicado no Diário Catarinense em 09/12/2016.

Difícil escolha entre o necessário e o conveniente

Oportunismo, vandalismo e questões ideológicas à parte, as manifestações vêm sinalizando a crescente impaciência da sociedade com os fortes indícios de continuar vendo mais do mesmo na política do país. Optou-se pela mudança de um modelo imoral, inadequado e insustentável, voltado aos interesses do poder e de seus agregados, fortemente dissociado das reais necessidades da nação. Reprovou-se um Estado voltado a si mesmo, servindo-se do público, em vez de servi-lo. A motivação da mudança foi o conjunto da obra, alicerçada necessariamente nos comprovados atos de improbidade administrativa cometidos.

A sociedade espera enxergar medidas efetivas na direção de um modelo que resgate o papel primordial de um governo: disciplinar as relações socioeconômicas e prestar serviços básicos de qualidade à população, cobrando uma contrapartida na forma de tributos, com o menor custo de intermediação possível. Ao contrário do que acontece hoje, quando a máquina pública consome em torno de 20% do PIB, a sociedade recebe serviços de péssima qualidade e o que tem sobrado para investimentos públicos, necessários para o crescimento da economia, não tem ido além de 2% do PIB. Uma clara inversão de princípios e prioridades.

Há vários anos, os equívocos nas políticas públicas vinham apontando o comprometimento perigoso das contas do governo. Preocupado com esse quadro, nasceu, no início de 2010, na Associação Empresarial de Joinville, o Movimento Brasil Eficiente (MBE). Lançado formalmente em julho do mesmo ano, no auditório da Escola de Administração de Empresas de São Paulo, da Fundação Getúlio Vargas, reunindo empresários, economistas e outras lideranças, entre as quais Paulo Rabello de Castro, Yoshiaki Nakano, Roberto Teixeira da Costa, Jorge Bornhausen, Raul Velloso, Antonio Delfim Netto, Paulo Francine e Mário Petrelli, com o apoio de 130 das principais entidades empresariais e não empresariais do país, alertava para a alta conta que a sociedade viria a pagar se a eficiência e moralidade dos gastos e da gestão pública não fossem resgatados.  E apontava os caminhos para fazê-lo.

O contínuo crescimento do gasto público corrente (custeio + transferências) no país nos últimos anos tem trazido consequências danosas: redução da capacidade de investimento do governo, precarização dos serviços prestados à população, aumento explosivo da dívida pública, aumento da carga tributária, comprometimento da capacidade de investimento do setor privado, perda de competitividade da nossa economia, destruição de milhões de empregos. Então, não pode restar nenhuma dúvida sobre a necessidade de conter o gasto público – especialmente o corrente – para resolvermos o problema mais grave, que é a insolvência do Estado. A PEC do gasto proposta ao Congresso, que limita o crescimento das despesas à inflação do ano anterior, é um avanço, apesar de trazer um resquício de indexação. Correto seria estabelecer como teto um percentual do crescimento da economia. Assim, evitaríamos a continuidade do processo de apropriação pelo governo de parcela crescente da riqueza gerada pelos que trabalham.

Por isso, a sociedade não entende quando o governo e o Congresso começam a fazer concessões nos projetos de saneamento fiscal justamente para atender pressões da máquina pública interessada em preservar um quadro que já se mostrou insustentável. O conceito de direitos adquiridos nesse contexto deve ser confrontado necessariamente com o de direitos sustentáveis. A sociedade também não entende quando o governo vacila em encaminhar ao Congresso, antes das eleições municipais, uma urgente reforma previdenciária para tapar o principal buraco nas finanças públicas. Ainda mais que, segundo a CNI, 75% dos brasileiros preferem que as regras de aposentadoria se  tornem menos benevolentes a ter que pagar mais impostos para cobrir os rombos do sistema atual.

Mesmo sabendo que as dificuldades políticas estão longe de serem desprezíveis, não está claro se o governo está disposto a fazer o necessário para realmente mudar ou se vai continuar alegando que está fazendo o possível dado o quadro político. Para o ator político tradicional, é uma escolha difícil: privilegiar as próximas eleições ou as próximas gerações. O estadista tem um caminho claro pela frente. Mais uma oportunidade para quem quiser fazer história. O cavalo está passando encilhado, e a sociedade certamente ajudará o cavaleiro a subir na sela. Acho que vale a aposta.

Publicado em 17/10/2016 no Jornal Correio Braziliense.