Responsabilidade solidária no orçamento público

Em 2006, dois economistas do Banco Mundial, Indermit Gill e Homi Kharas, cunharam a expressão “armadilha da renda média” para qualificar os países que conseguiram superar a linha da pobreza, atingiram o patamar das nações de renda média, mas não conseguem avançar para o clube dos países ricos. A remuneração da mão de obra já não é tão baixa para que possam competir com produtos de baixo valor agregado, e, de outro lado, a produtividade e a competitividade desses países não são suficientes para enfrentar as economias mais dinâmicas.

O primeiro grande passo foi a migração em massa do campo para a cidade, de trabalhadores que agregavam pouco valor para empregos mais produtivos, principalmente na indústria, durante os processos de industrialização dos países. Algumas nações tiveram, ainda, o reforço do bônus demográfico, anos de crescimento acelerado da população, que permitiu incorporar um importante contingente populacional à economia. São dois movimentos que se esgotaram na maioria dos países. A partir daí, os avanços requerem ganhos de produtividade e inovação.

Foi o que levou adiante países como Coreia do Sul, Taiwan, Cingapura, Portugal e Irlanda e deixou para trás diversos outros, entre eles o Brasil, onde, para agravar o quadro, aconteceu um dos mais fortes processos de desindustrialização, em boa parte por disfuncionalidades nas políticas públicas, que comprometeram a competitividade. O famoso custo Brasil e programas equivocados, como o dos campeões nacionais e outros, que privilegiam algumas empresas ou segmentos em detrimento dos demais, prejudicam um esforço linear por mais eficiência na economia.

A América Latina, de maneira geral, tem tido dificuldades de avançar para novo patamar de renda. Relatório do Banco Mundial sobre a região aponta o impacto da queda dos investimentos públicos em infraestrutura, há quatro décadas, sobre a competitividade, o crescimento e a desigualdade. E destaca a eficiência dos gastos como alternativa para aumentar a disponibilidade de recursos. As ineficiências em transferências direcionadas, aquisições públicas e funcionalismo são estimadas em 4,4% do PIB, correspondentes em média a 16% dos gastos dos governos. O documento também aponta caminhos importantes, como uma economia de até 22% que poderia ser obtida nas compras públicas com o simples aprimoramento de procedimentos, sem a necessidade de alterar as legislações correspondentes. Bem como o potencial da infraestrutura digital, relativamente barata, para aumentar a produtividade, conectando áreas rurais e ampliando o acesso ao ensino a distância.

Uma ideia que talvez mereça reflexão é a de separar uma parte da competente equipe da Secretaria da Receita Federal, independentemente de neste momento aparentemente estar desfalcada, para criar a Secretaria da Despesa Federal, que se encarregaria de reduzir os gastos públicos pelo aumento da eficiência. Surtiria o mesmo efeito do aumento de impostos para equilibrar as contas, com a vantagem de extrair menos recursos da sociedade. E a experiência poderia ser replicada nos estados e até nos municípios.

Na contramão da maior eficiência do gasto público também está o crescente protagonismo do Congresso Nacional na gestão do Orçamento, o que ajudou a levar, na definição do economista Márcio Garcia, a um mix distorcido de políticas macroeconômicas, com a fiscal expansionista e a monetária contracionista, quando deveria ser o contrário. Trocando em miúdos, isso significa que, pelo fato de o Estado, que gasta mal, gastar demais, o Banco Central é obrigado a aumentar a taxa de juros para inibir o gasto e o investimento do setor privado, que é mais eficiente. Além de o aumento de juros limitar o crescimento e pressionar a dívida pública. Importante destacar que o constantemente questionado “teto dos gastos” tem sido um antídoto para esse desvio. A crescente ingerência do Congresso no orçamento público vem de uma característica intrínseca do nosso sistema político e de contas públicas, que permite discutir direitos sem as correspondentes obrigações. A grande maioria dos agentes se sente no direito de pressionar por gastos, sem a responsabilidade ou até a preocupação pelo equilíbrio das contas públicas. Muitos países resolveram isso criando ferramentas para gerenciar a qualidade e a quantidade desse gasto, com adequada atribuição de responsabilidades e participação da sociedade.

No Brasil, a Lei de Responsabilidade Fiscal, inspirada na experiência de outros países, previa a criação do Conselho de Gestão Fiscal (CGF), para gerir a questão. Por iniciativa do Movimento Brasil Eficiência, a regulamentação para a criação do CGF foi aprovada por unanimidade no Senado Federal em 2015 (PLS 141/2014), mas, após distorções introduzidas por deputados para diminuir a sua eficácia, dorme na Câmara dos Deputados desde então. O Congresso precisa sair da zona de conforto e entender que não existe almoço grátis.

Publicado no Jornal O Estado de São Paulo.

Os ajustes estruturantes que podem fazer a diferença

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As restrições impostas pela pandemia nos colocaram diante de um arsenal de dificuldades e desafios. Em graus diversos para os diferentes atores. Por outro lado, foram criadas oportunidades, novamente, mais para uns do que para outros, que até trouxeram resultados excepcionais e inesperados para quem melhor identificou e se estruturou na nova realidade. Aparentemente, oportunidades conjunturais. Todavia, vem se delineando uma oportunidade estrutural, de reorganização das cadeias produtivas, em função dos transtornos provocados pela excessiva concentração da produção de muitos bens em poucos países. E o Brasil pode capturar o seu quinhão nesse novo desenho, desde que seja mais diligente numa antiga lição de casa, que são os ajustes estruturantes.

A recuperação da competitividade da economia, em setores em que não temos vantagens comparativas internacionais naturais, mas que têm potencial elevado de contribuir para o aumento da produtividade, passa necessariamente pela redução do Custo Brasil. E isso requer reformas, microeconômicas e macroeconômicas, em complemento às já implementadas nos últimos seis ou sete anos. Outros países, que competem conosco no mercado internacional, têm sido mais determinados na implementação de reformas, comprometendo a nossa competitividade relativa. Avançamos pouco no aumento da eficiência do Estado, o que o deixa obeso, caro e fraco. Precisamos de um poder público forte, a serviço da sociedade, e não de si próprio. E em assim sendo, precisará de menos recursos para se manter (hoje em torno de 20% do PIB), o que permitirá redução de carga tributária. Carga, que além de muito elevada (a maior entre os países em desenvolvimento), é mal distribuída, com concentração excessiva na indústria de transformação. Segundo a Confederação Nacional da Indústria (CNI), os impostos de 46,2% que incidem sobre o segmento, têm contribuído muito para que ele encolhesse em média 1,6% ao ano na última década.
Entre as mudanças necessárias, importante também a Reforma Tributária, para simplificar a caótica estrutura de impostos no país, que custa caro às empresas e afasta investidores.

Importantes conquistas estruturantes foram as reformas da Previdência no atual governo e a Trabalhista no governo anterior. Mesmo que não tenham abarcado toda a mudança que o país precisa, representaram sem dúvida avanços a comemorar. E temos que ter maturidade suficiente para evitar que o calor de uma campanha política não alimente ideias de retroceder nessas conquistas, fruto de ampla mobilização da sociedade, sob o risco de comprometermos ainda mais a nossa competitividade e acentuarmos o nosso vínculo com a armadilha da renda média. Que a Reforma Trabalhista deve ser dinâmica, não há dúvida, mas para adequar a legislação a uma realidade que é mutante, e muito, e não para retrocessos com motivações ideológicas, respaldadas em parte por orientações da Organização Internacional do Trabalho (OIT), que infelizmente continua sensivelmente motivada por um viés político e ideológico.
Por fim, é importante reconhecer que o nosso equilíbrio fiscal há muito também é pressionado pelos chamados custos tributários, que são renúncias fiscais que beneficiam setores ou empresas específicas. O Brasil precisa desenvolver um grande esforço para tornar a economia mais competitiva e não subsidiar uns ou outros, mais próximos ao poder ou com maior capacidade de lobby.

Carlos Rodolfo Schneider é empresário, membro do Conselho Político e Social da Associação Comercial de São Paulo – ACSP e do Comitê de Líderes da Mobilização Empresarial pela Inovação da Confederação Nacional da Indústria – CNI

Publicado no Jornal do Dia – Aracaju (SE).

Equilíbrio fiscal para avanço do País

Os dados da nossa balança comercial, no ano passado refletem bem o impacto do Custo Brasil na competitividade da indústria de transformação, sem dúvida o setor mais afetado. Apesar de o País ter alcançado um superávit comercial recorde de US$ 61 bilhões, a balança dos produtos manufaturados apresentou déficit de US$ 53 bilhões, reflexo de uma concentração crescente da nossa pauta de exportações em bens primários.

A recuperação da competitividade da economia, em setores em que não temos vantagens comparativas internacionais naturais, mas que têm potencial elevado de contribuir para o aumento da produtividade, passa necessariamente pela redução do Custo Brasil. E isso não requer reformas microeconômicas e macroeconômicas, em complemento ás já implementadas nos últimos seis ou sete anos. Avançamos pouco no aumento da eficiência do Estado, o que deixa obeso, caro e fraco. Precisamos de um poder público forte, a serviço da sociedade, e não de si próprio.

É importante reconhecer que o nosso equilíbrio fiscal há muito também é pressionado pelos chamados custo tributários, que são renúncias fiscais que beneficiam setores ou empresas específicas. O Brasil precisa desenvolve um grande esforço para tornar a economia mais competitiva e não subsidiar uns ou outros, mais próximos ao poder ou com maior capacidade de lobby, porque isso significa desviar recursos que poderiam ser investidos para eliminar gargalos do país beneficiando a todos.

Não desmerecendo a importância dos esforços para preservar empregos, a renovação recente do benefício da desoneração da folha para os conhecidos 17 setores é exemplo típico, em prejuízo de outros que empregam tanto quanto, mas não tem a mesma capacidade de pressionar o Congresso Nacional. No fundo, são os parlamentares apontando quem deve vencer, e não as forças do mercado. É torcer para não quererem resgatar os campeões nacionais.

Publicado no Jornal do Comércio – Porto Alegre/RS.

Competitividade do país não permite atalhos

Entre as possíveis heranças da pandemia, vem se delineando uma oportunidade estrutural, de reorganização das cadeias produtivas, em função dos transtornos provocados pela excessiva concentração de produção de muitos bens em poucos países. E o Brasil pode capturar o seu quinhão nesse novo desenho, desde que seja mais diligente numa antiga lição de casa que são os ajustes estruturantes. Como bem observou o superintendente de desenvolvimento industrial da Confederação Nacional da Industria (CNI), Renato da Fonseca, precisamos nos preparar para esta reorganização, avançando na reforma tributária, na redução da burocracia no comércio exterior, na ampliação de acordos comerciais e de investimento em inovação.

Os dados da nossa balança comercial no ano passado refletem bem o impacto do custo Brasil na competitividade da indústria de transformação, sem dúvida o setor mais afetado. Apesar de o país ter alcançado um superávit comercial recorde de US$ 61 bilhões e uma cifra inédita na exportação de US$ 280 bilhões, a balança dos produtos manufaturados apresentou déficit de US$ 53 bilhões, reflexo de uma concentração crescente da nossa pauta de exportações em bens primários.

Mesmo com o câmbio favorável, as importações da indústria de transformação cresceram mais do que as exportações (35,1% x 26,3%). O setor que mais investe em tecnologia, que paga os melhores salários, que tem o maior efeito multiplicador na economia vem perdendo espaço, trazendo com isso um impacto preocupante nos indicadores de produtividade no país, que demonstraram claramente como estamos ficando para trás.
A recuperação da economia em setores em que não temos vantagens comparativas internacionais naturais, mas que tem potencial elevado de contribuir para o aumento da produtividade, passa necessariamente pela redução do custo Brasil. E isso requer reformas microeconômicas e macroeconômicas, em complemento as já implementadas nos últimos seis ou sete anos.

Outros países que competem conosco no mercado internacional têm sido mais determinados na implementação de reformas, comprometendo a nossa competitividade relativa. Avançamos pouco no aumento de eficiência do Estado, o que o deixa obeso, caro e fraco.

Precisamos de um poder público forte, a serviço da sociedade, e não de si próprio. E em assim sendo, precisará de menos recursos para se manter (hoje em torno de 20% no PIB), o que permitirá redução de carga tributária. Carga, que além de muito elevada (a maior entre os países em desenvolvimento), é mal distribuída, com concentração excessiva na indústria de transformação. Segundo a CNI, os impostos de 46,2% que incidem sobre o segmento têm contribuído muito para que ele encolhesse em média 1,6% ao ano na última década.

Entre as mudanças necessárias, importante também a reforma tributária, para simplificar a caótica estrutura de impostos no país, que custa caro as empresas e afasta investidores. Infelizmente, interesses diversos paralisaram mais uma vez a tramitação das propostas no Congresso Nacional. Mas já se avançou muito nos consensos, o que talvez permita antever algum desfecho num futuro próximo, esperamos sem desfigurações motivadas por interesses ideológicos ou setoriais.

Importantes conquistas estruturantes foram as reformas da Previdência no atual governo e a trabalhista, no governo anterior. Mesmo que não tenham abarcado toda a mudança, que o país precisa, representaram sem dúvida avanços a comemorar. E temos que ter maturidade suficiente para evitar que o calor de uma campanha política alimente ideias de retroceder nessas conquistas, fruto de ampla mobilização de sociedade, sob o risco de comprometermos ainda mais a nossa competitividade e acentuar o nosso vínculo com a armadilha da renda média.

Que a reforma trabalhista deve ser dinâmica, não há dúvida, mas para adequar a legislação a uma realidade que é mutante, e muito, e não para retrocessos com motivações ideológicas, respaldadas em parte por orientações da Organização Internacional do Trabalho, que infelizmente continua sensivelmente motivada por um viés político e ideológico.
A prioridade deve ser o aumento da competitividade do país, para resgatar a força que o Brasil já teve nas cadeias produtivas de maior valor agregado.

Publicado no jornal Estado de Minas.

A oportunidade da reestruturação das cadeias produtivas

As restrições impostas pela pandemia nos colocaram diante de um arsenal de dificuldades e desafios. Em graus diversos para os diferentes atores. Por outro lado, foram criadas oportunidades, novamente, mais para uns do que para outros, que até trouxeram resultados excepcionais e inesperados para que melhor identificou e se estruturou na nova realidade. Aparentemente, oportunidades conjunturais. Todavia, vem se delineando uma oportunidade estrutural, de reorganização das cadeias produtivas, em função dos transtornos provocados pela excessiva concentração da produção de muitos bens em poucos países. E o Brasil pode capturar o seu quinhão nesse novo desenho, desde que seja mais diligente numa antiga lição de casa, que são os ajustes estruturantes.

Os dados da nossa balança comercial, no ano passado, refletem bem o inapto do Custo Brasil na competitividade da indústria de transformação, sem dúvida o setor mais afetado. Apesar de o país ter alcançado um superávit comercial recorde de US$ 61 bilhões e uma cifra inédita na exportação de US$ 280 bilhões, a balança dos produtos manufaturados apresentou déficit de US$ 53 bilhões, reflexo de uma concentração crescente da nossa pauta de exportações em bens primários.

A recuperação da competitividade da economia, em setores em que não temos vantagens comparativas internacionais naturais, mas que tem potencial elevado de contribuir para o aumento da produtividade, passa necessariamente pela redução do Custo brasil. E isso requer reformas, microeconômicas e macroeconômicas, em complemento às já implementadas nos últimos seis ou sete anos. Outros países, que competem conosco no mercado internacional, tem sido mais determinado na implementação de reformas, comprometendo a nossa competitividade relativa. Avançamos pouco no aumento da eficiência do Estado, o que deixa obeso, caro e fraco.

Precisamos de um poder público forte, a serviço da sociedade, e não de si próprio. E, em assim sendo, precisará de menos recursos para se manter (hoje em torno de 20% do PIB), o que permitirá redução de carga tributária. Carga, que além de muito elevada (a maior entre os países em desenvolvimento), é mal distribuída, com concentração excessiva na indústria de transformação. Segundo a Confederação Nacional da Indústria (CNI), os impostos de 46,2% que incidem sobre o segmento, têm contribuído muito para que ele encolhesse em média 1,6% ao ano na última década. Entre as mudanças necessárias, importante também a Reforma Tributária, para simplificar a caótica estrutura de impostos no país, que custa caro as empresas e afasta investidores.

Importantes conquistas estruturantes foram as reformas da Previdência, no atual governo, e a Trabalhista, no governo anterior. Mesmo que não tenham abarcado toda a mudança que o país precisa, representaram sem dúvida avanços a comemorar. E temos que ter maturidade suficiente para evitar que o calor de uma campanha política não alimente ideias de retroceder nessas conquistas, fruto de ampla mobilização da sociedade, sob o risco de comprometermos ainda mais a nossa competitividade e acentuarmos o nosso vínculo com a armadilha da renda média. Que a Reforma Trabalhista deve ser dinâmica, não há dúvida, mas para adequar a legislação a uma realidade que é mutante, e muito, e não para retrocessos com motivações ideológicas, respaldadas em parte por orientações da Organização Internacional do Trabalho (OIT), que, infelizmente, continua sensivelmente motivada por um viés político e ideológico.

Por fim é importante reconhecer que o nosso equilíbrio fiscal há muito também é pressionado pelos chamados custos tributários, que são renúncias fiscais que beneficiam setores ou empresas específicas. O Brasil precisa desenvolver um grande esforço para tornar a economia mais competitiva e não subsidiar uns ou outros, mais próximos ao poder ou com maior capacidade de lobby, porque isso significa desviar recursos que poderiam ser investidos para eliminar gargalos do país, beneficiando a todos. Não desmerecendo a importância dos esforços para preservar empregos, a renovação recente do benefício da desoneração da folha para os conhecidos 17 setores é exemplo típico, em prejuízo de outros que empregar tanto quanto, mas não tem a mesma capacidade de pressionar o Congresso Nacional. No fundo, são os parlamentares apontando quem deve vencer, e não as forças do mercado. É torcer para não quererem resgatar os campeões nacionais.

A prioridade deve ser o aumento da competitividade do país, para resgatar a força que o Brasil já teve nas cadeias produtivas de maior valor agregado. A pandemia soltou mais um cavalo encilhado que está passando. Vamos conseguir montá-lo?

Publicado no jornal Correio Braziliense