Restabelecendo a coerência

Famílias que gastam mais do que ganham ficam inadimplentes, perdem o crédito e certamente perderão seu patrimônio. Empresas ainda podem recorrer à recuperação judicial, mas, se não conseguirem equilibrar as contas, quebram.

O governo, por sua vez, vinha gastando muito mais do que arrecadava. De 2002 a 2014, o gasto, exclusive juros, da União cresceu 344%, comparado a 108% do IPCA e 46% do PIB real.

Em vez de conter as despesas, o governo tem buscado os caminhos mais fáceis para resolver a questão, socializando o ajuste: aumentos infindáveis de impostos, expansão da dívida pública com um serviço absurdamente elevado, pedaladas fiscais e política monetária frouxa.

As consequências são visíveis: pressão inflacionária, serviços públicos de baixa qualidade e queda de investimentos, comprometendo  a capacidade da economia.

Por que a sociedade é obrigada a arcar com os custos de seus erros, enquanto o poder público foge às suas responsabilidades e comodamente transfere o ônus dos desmandos para famílias e empresas?

É uma inversão total de valores. A máquina pública não pode ser um fim em si mesma, nem pode estar a serviços de grupos de interesse ou ideologias.

Certamente existem também desequilíbrios estruturais que debilitam as finanças públicas. Parte é decorrente da Constituição de 1988, que foi pródiga na criação de despesas e concessão de regalias.

Além disso, a criação de benefícios a grupos próximos ao poder e a expansão exagerada de programas sociais pouco eficientes muito contribuíram para o delineamento do quadro caótico que vemos hoje.

Em novembro de 2015, o então ex-presidente do Banco Central Henrique Meirelles, perguntado sobre como se resolve esse desequilíbrio fiscal, afirmou: “Com corte de despesas públicas. Com a pesada carga tributária atual, elevar impostos reduz crescimento, o que reduz arrecadação”.

O hoje ministro da Fazenda tem claro que extrair riqueza da sociedade tem um limite, até porque recursos na mão das empresas e famílias são alocados com muito mais efetividade. O assalto à poupança privada nos últimos 20 anos certamente é o principal responsável pela baixa produtividade e competitividade da economia brasileira.

Segundo o economista Raul Veloso, um dos fundadores do Movimento Brasil Eficiente (MBE), “cerca de 75% do gasto federal é composto de pagamentos diretos a pessoas, como se fossem uma gigantesca folha de pagamento, de benefícios previdenciários e assistenciais, além do pessoal ativo e inativo”.

E faz algumas provocações: porque não leiloar a gestão dessa enorme folha ao setor privado, que prestaria um serviço melhor a um custo mais baixo e dispensaria a necessidade de milhares de servidores, prédios e despesas?

Existem, pois, caminhos eficientes para que o governo cumpra o seu papel de estimular o crescimento com justiça social. As suas responsabilidades não lhe dão o direito de avançar sobre os direitos da sociedade, como temos visto.

Até porque isso tem levado o Poder Público a servir-se, e não a servir o público, que é a sua função primordial.

                      

Publicado na Folha de São Paulo – 28/11/2016

 

http://www1.folha.uol.com.br/opiniao/2016/11/1835884-restabelecendo-a-coerencia.shtml

Gasto público como meio e não como fim

Pesquisa realizada pelo Ibope para a Confederação Nacional da Indústria (CNI) aponta as duas medidas que a população brasileira considera cruciais para o equilíbrio das contas públicas: redução das despesas de custeio da máquina pública e dos salários dos servidores.

Oito em cada 10 brasileiros são favoráveis à redução dos gastos do governo.

Justificando a necessidade da PEC 241/2016, do teto dos gastos, o ministro da Fazenda, Henrique Meirelles, atribui a atual crise econômica ao descontrole das despesas públicas nos últimos anos que, segundo ele, cresceram mais de 50% acima da inflação de 2007 a 2015. Segundo dados oficiais, nos últimos 25 anos a despesa primária federal cresceu, em média, 6% ao ano em termos reais.

O secretário de Acompanhamento Econômico do Ministério da Fazenda, Mansueto Almeida, reconhece a necessidade de cuidar da eficiência do gasto público, de “passar um pente fino na despesa”, avaliar cada um das centenas de projetos e programas do orçamento federal e verificar quais produzem resultados adequados. Assim, diz, será possível manter e melhorar os gastos sociais , atendendo os realmente necessitados, e eliminar distorções , como uma medida de tributação especial que custa R$ 1,5 bilhão ao ano e beneficia apenas uma empresa – valor equivalente ao gasto anual com a aquisição de medicamentos para a farmácia popular.

A aprovação da PEC 241 provavelmente trará para discussão vários temas que hoje são pouco discutidos: estabilidade dos funcionários públicos, universidade pública gratuita para quem pode pagar, férias de dois meses por ano para juízes e procuradores, greve de servidor público sem corte de ponto, subsídios para grandes empresas, manutenção de seis bancos estatais federais, entre outros.

É imperativo que se revejam privilégios e se eliminem desperdícios na gestão do Estado, que não pode mais se colocar como um fim em si mesmo, comprometendo a capacidade de investimento do país e os próprios programas sociais. Outros países que gastam muito com bem estar social, como Suécia ou Dinamarca, tem poucos funcionários públicos e uma estrutura administrativa pública enxuta e eficiente.

Publicado no Diário Catarinense, A Notícia e Jornal de Santa Catarina em Blumenau – 12 e 13/11/2016.

Difícil escolha entre o necessário e o conveniente

Oportunismo, vandalismo e questões ideológicas à parte, as manifestações vêm sinalizando a crescente impaciência da sociedade com os fortes indícios de continuar vendo mais do mesmo na política do país. Optou-se pela mudança de um modelo imoral, inadequado e insustentável, voltado aos interesses do poder e de seus agregados, fortemente dissociado das reais necessidades da nação. Reprovou-se um Estado voltado a si mesmo, servindo-se do público, em vez de servi-lo. A motivação da mudança foi o conjunto da obra, alicerçada necessariamente nos comprovados atos de improbidade administrativa cometidos.

A sociedade espera enxergar medidas efetivas na direção de um modelo que resgate o papel primordial de um governo: disciplinar as relações socioeconômicas e prestar serviços básicos de qualidade à população, cobrando uma contrapartida na forma de tributos, com o menor custo de intermediação possível. Ao contrário do que acontece hoje, quando a máquina pública consome em torno de 20% do PIB, a sociedade recebe serviços de péssima qualidade e o que tem sobrado para investimentos públicos, necessários para o crescimento da economia, não tem ido além de 2% do PIB. Uma clara inversão de princípios e prioridades.

Há vários anos, os equívocos nas políticas públicas vinham apontando o comprometimento perigoso das contas do governo. Preocupado com esse quadro, nasceu, no início de 2010, na Associação Empresarial de Joinville, o Movimento Brasil Eficiente (MBE). Lançado formalmente em julho do mesmo ano, no auditório da Escola de Administração de Empresas de São Paulo, da Fundação Getúlio Vargas, reunindo empresários, economistas e outras lideranças, entre as quais Paulo Rabello de Castro, Yoshiaki Nakano, Roberto Teixeira da Costa, Jorge Bornhausen, Raul Velloso, Antonio Delfim Netto, Paulo Francine e Mário Petrelli, com o apoio de 130 das principais entidades empresariais e não empresariais do país, alertava para a alta conta que a sociedade viria a pagar se a eficiência e moralidade dos gastos e da gestão pública não fossem resgatados.  E apontava os caminhos para fazê-lo.

O contínuo crescimento do gasto público corrente (custeio + transferências) no país nos últimos anos tem trazido consequências danosas: redução da capacidade de investimento do governo, precarização dos serviços prestados à população, aumento explosivo da dívida pública, aumento da carga tributária, comprometimento da capacidade de investimento do setor privado, perda de competitividade da nossa economia, destruição de milhões de empregos. Então, não pode restar nenhuma dúvida sobre a necessidade de conter o gasto público – especialmente o corrente – para resolvermos o problema mais grave, que é a insolvência do Estado. A PEC do gasto proposta ao Congresso, que limita o crescimento das despesas à inflação do ano anterior, é um avanço, apesar de trazer um resquício de indexação. Correto seria estabelecer como teto um percentual do crescimento da economia. Assim, evitaríamos a continuidade do processo de apropriação pelo governo de parcela crescente da riqueza gerada pelos que trabalham.

Por isso, a sociedade não entende quando o governo e o Congresso começam a fazer concessões nos projetos de saneamento fiscal justamente para atender pressões da máquina pública interessada em preservar um quadro que já se mostrou insustentável. O conceito de direitos adquiridos nesse contexto deve ser confrontado necessariamente com o de direitos sustentáveis. A sociedade também não entende quando o governo vacila em encaminhar ao Congresso, antes das eleições municipais, uma urgente reforma previdenciária para tapar o principal buraco nas finanças públicas. Ainda mais que, segundo a CNI, 75% dos brasileiros preferem que as regras de aposentadoria se  tornem menos benevolentes a ter que pagar mais impostos para cobrir os rombos do sistema atual.

Mesmo sabendo que as dificuldades políticas estão longe de serem desprezíveis, não está claro se o governo está disposto a fazer o necessário para realmente mudar ou se vai continuar alegando que está fazendo o possível dado o quadro político. Para o ator político tradicional, é uma escolha difícil: privilegiar as próximas eleições ou as próximas gerações. O estadista tem um caminho claro pela frente. Mais uma oportunidade para quem quiser fazer história. O cavalo está passando encilhado, e a sociedade certamente ajudará o cavaleiro a subir na sela. Acho que vale a aposta.

Publicado em 17/10/2016 no Jornal Correio Braziliense.

Para curar a ressaca

Embalado pelos momentos de glória proporcionados pelo boom das commodities, o governo passou a última década e meia gastando o que tinha e o que não tinha. Como não poderia deixar de ser, a ressaca chegou. Segundo a consultoria RC, a carga tributária subiu de 26% do Produto Interno Bruto (PIB) para 36% nos últimos 20 anos. A dívida bruta da União cresceu 12 pontos percentuais, para 61% do PIB, no curto período do final de 2013 até o de 2015. Os investimentos públicos, fundamentais para o crescimento, despencaram para algo como 2% do PIB.

A gastança, por outro lado, vinha pressionando fortemente a inflação, obrigando o Banco Central a elevar a taxa de juro a um nível que pudesse desestimular o consumo das famílias e os investimentos das empresas. Isso significa restringir os gastos mais eficientes (os privados) para permitir a manutenção dos menos eficientes (os públicos). Com um efeito colateral importante: passamos a ter o mais alto custo de dívida do mundo. Só em 2015, pagamos R$503 bilhões de juros, 10 vezes mais do que o poder público investiu em infraestrutura. A taxa de juro é maior do que a de países fortemente endividados, como Itália e Grécia.

Lamentavelmente, a situação deve piorar antes de melhorar. A dívida bruta provavelmente chegará aos 70% do PIB ao final do ano e poderá ultrapassar os 80% no fim de 2018. E o serviço da dívida deve ultrapassar os 10% do PIB já em 2016. Segundo a agência de classificação de risco Fitch, em países com características semelhantes, a dívida média é de 44%.

O quadro deixa clara a necessidade de aprovar a PEC que limita o crescimento dos gastos públicos correntes e de se fazer a reforma da Previdência. O Movimento Brasil Eficiente (MBE) tem elaborado e apresentado propostas consistentes para corrigirmos a rota e recuperarmos os fundamentos que permitam um crescimento sustentável. Tramita na Câmara dos Deputados o Projeto de Lei 210/2015 do senador Paulo Bauer, após ter sido aprovado por unanimidade no Senado Federal em 2015, que propõe a criação do Conselho de Gestão Fiscal, uma ferramenta imprescindível ao equilíbrio das contas públicas pela via da eficiência dos gastos. O MBE também encaminhou a PEC da Simplificação Fiscal, que se encontra na Comissão Especial da Reforma Tributária, e apresentou a Lei de Controle Orçamentário na Comissão de Assuntos Econômicos do Senado e na Comissão Mista do orçamento. Entre outros.

Quanto maior a ressaca, mais amargo o remédio. Temos que resgatar o senso de urgência.

Publicado em 05/10/2016 no Diário Catarinense, A Notícias e Jornal de Santa Catarina em Blumenau

Solução simplista do aumento dos impostos

Mais e mais, o bom senso vem recomendando que o gasto público corrente cresça menos do que a geração de riquezas no país. Condição para que a arrecadação sobre a riqueza marginal seja decrescente e preponderantemente destinada a investimentos e os melhores serviços públicos. Os últimos anos, todavia, mostraram um quadro diverso. Entre 2004 e 2014, enquanto o PIB cresceu a uma taxa média de 3,6% ao ano, a arrecadação federal evoluiu 5,3%, praticamente 50% a mais. Contudo, ainda não foi o suficiente para cobrir a explosão dos gastos correntes federais: 8,1% ao ano em média.

A equipe econômica está indo na direção correta quando propõe um limitador para o crescimento do gasto público, que seria a inflação do ano anterior. Melhor que esse teto fosse uma fração da taxa de crescimento da economia. De qualquer forma, será um importante avanço se for aprovado no Congresso.

Por outro lado, continuam iniciativas, inclusive no Congresso para aumentar a carga tributária. É o caminho mais fácil para quem está em Brasília: repassar o custo do ajuste para a sociedade, já visivelmente sobrecarregada de impostos. Todas as classes sociais já pagam demais. A título de exemplo, só para aumento de tributação sobre doações, heranças e fortunas temos quatro projetos tramitando com velocidade: PEC 96, PLP 281/16, PLS 534/11 e PL 5205/16. A sociedade civil organizada precisa se movimentar para que essas e outras iniciativas não prosperem.

Sem disciplina fiscal, não conseguiremos restabelecer os superávits primários, imprescindíveis para a estabilização e posterior redução da dívida pública do país, principal indicador da nossa saúde financeira. E também não conseguiremos avançar no combate às desigualdades sociais. Como bem adverte o ex-secretário da Receita Federal Everardo Maciel, é um equívoco pretender que a política tributária seja um meio eficaz para buscar avanços sociais por não existirem evidências que sustentem a tese. “As proposições que vinculam o tributo à redução das desigualdades, como as de Thomas Piketty (O Capital do Século XXI), são de uma impressionante ingenuidade. As mudanças recentes no perfil das desigualdades brasileiras estiveram claramente ligadas à estabilidade monetária, às transferências de renda, às regras de reajuste do salário mínimo, ao aumento na oferta de empregos etc. Nada que lembre, ainda que remotamente, a política tributária”, reforça Maciel. A impressão que fica é que aumentar impostos é um vício no Brasil.

Publicado em 25.08.2016 no DC, AN – Joinville e Jornal de Sta. Catarina de Blumenau