Um país com imunidade baixa

Qualquer um de nós quando debilitado, fica mais vulnerável, mais sensível às intempéries, a contágios. Assim também os países. O brasil continua com imunidade baixa porque não tratou adequadamente as suas patologias. Não completamos as reformas estruturais e por isso não encaminhamos questões fundamentais, como o desequilíbrio fiscal, a baixa produtividade e a falta de competitividade. Assim continuamos muito sensíveis às oscilações da economia internacional, dos preços das commodities e da taxa de juros. Produtos agropecuários e minerais em alta e juros em queda nos fazem bem. O inverso nos faz muito mal, é gripe ou pneumonia à vista. E isso está refletido em diversos indicadores. Comparando o Brasil a alguns vizinhos latino-americanos, com dados do final de 2017, temos: a) Nota de Risco: A+, México BBB+, Brasil BB, Argentina B, b) Dívida pública em relação ao PIB: Chile 24%, México 48,3%, Argentina 54,6%, Brasil 75,4%, c) Desemprego: México 3,5%, Chile 6,7%, Argentina 8,5%, Brasil 12,7%, d) Ranking melhores países para negócios do Banco Mundial: México 49ª posição, Chile 55ª, Argentina 117ª, Brasil 125ª.

Existem, todavia, enormes oportunidades no País, a começar pelo aumento da eficiência da gestão pública. Segundo a Organização de Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE), o governo brasileiro poderia economizar até 8% do PIB se melhorar a qualidade dos seus gastos. Temos a pior relação do mundo entre impostos cobrados e retorno à sociedade. Certamente a nossa saúde, educação e segurança não são referência, muito pelo contrário. E não é por falta de recursos e sim por qualidade do gasto. Tememos o caso da segurança pública, de 2007 a 2015 as despesas na área cresceram 69%, contra crescimento de 49% do PIB. Em percentual do PIB, gastamos mais do que países desenvolvidos como França e Estados Unidos. Um dos problemas é que, em grande parte, o gasto com salários e aposentadorias consome os recursos que deveriam ser investidos em tecnologia e em melhores condições de trabalho na ponta. Temos assim uma polícia que só consegue desvendar 8% dos assassinatos, contra 64% nos Estados Unidos, 81% na Inglaterra e 96% na Alemanha, e que contribui para nos manter no grupo dos países mais perigosos do mundo.

O próximo governo, sabemos, não terá vida fácil a partir de 2019. Problemas fiscais agudos, sistema de seguridade social falido, sistema político-institucional comprometido. De outro lado, são enormes oportunidades para quem tem capital político forte. Mas a sociedade precisa entender que doença aguda requer tratamento amargo. Xaropinho não restabelece a imunidade.

 

Publicado no Jornal A Tarde em 08/05/2018

Competitividade: a base do crescimento

Não há como querer alçar voo em direção a uma economia desenvolvida à base de voos de galinha. É o que tem acontecido nos últimos anos, quando o Brasil tentava crescer acima da sua taxa de crescimento potencial, isto é, o ritmo de expansão possível sem pressionar a inflação. Em português mais coloquial, não adianta querer dar o passo maior do que as pernas. E o tamanho das pernas depende de quanto investirmos nelas, do quanto e de quão bem investirmos na estrutura da socioeconômica, que engloba especialmente ciência e tecnologia, infraestrutura, educação, saúde, segurança e ambiente de negócios. E temos investido pouco, muito pouco, nas últimas duas a três décadas.

À infraestrutura, talvez a espinha dorsal para o avanço do país, não destinamos mais de 2% do PIB, comparados aos 4% do Peru, 5% do Chile, 6% da Índia e 13% da China. Esses 2% são menos do que gastamos, por exemplo, com pensão por morte, onde o nosso nível de gastos é o dobro e até o triplo do de países com população muito menos jovem como Japão e EUA. Segundo o economista Cláudio Frischtak, para modernizar a nossa infraestrutura será necessário investir 4% do PIB durante 25 anos. Nas décadas de 70 e 80 do século passado, quando fomos campeões mundiais de crescimento, aplicávamos 5% na área, preponderantemente inversões públicas, quando a carga tributária não ultrapassava 25% do PIB. Hoje, o poder público confisca todos os anos em torno de 35% da riqueza gerada por toda a sociedade, e não consegue devolver 2% a ela na forma de investimentos e serviços públicos de qualidade.

O engessamento do orçamento, com os chamados gastos obrigatórios estabelecidos pela Constituição de 1988, com especial ênfase para o modelo previdenciário insustentável, e o crescimento dos gastos para manter a máquina pública, basicamente inverteram a lógica das coisas, onde um governo que deveria servir à sociedade, passou a dela servir-se. Lamentavelmente, os investimentos são classificados no orçamento público como gastos discricionários, isto é, não obrigatórios, e por isso foram os primeiros a serem sacrificados nas inúmeras crises fiscais pelas quais passamos. Talvez só eles devessem ser obrigatórios porque constroem as bases para a competitividade, o crescimento, a geração de empregos e de renda.

Os diversos rankings de competitividade refletem essa realidade do país. Como o último, do Fórum Econômico Mundial, que classifica o Brasil na 80ª posição entre 137 países pesquisados, pior lugar entre os Brics: África do Sul (61), Índia (40), Rússia (38) e China (27). No quesito eficiência dos gastos governamentais, ocupamos a 133ª posição e, no peso da regulação governamental, a 136ª. A tributação, a regulação trabalhista (apesar dos avanços recentes), a corrupção e a ineficiência da burocracia governamental são apontadas como entraves para se fazer negócios no Brasil.

A eficiência dos gastos públicos certamente é um fator crítico para rompermos esse círculo vicioso, que emperra a nossa competitividade e por consequência a capacidade de expansão. E também para manter o alinhamento entre arrecadação de impostos e capacidade de contribuição da sociedade brasileira. A criação de limites para os gastos públicos, aprovados no ano passado, foi um passo importantíssimo, mesmo atrelando o incremento à inflação quando o ideal seria atrelá-lo à variação do PIB.  Mas sabemos que esse limite provavelmente não será respeitado se não desarmarmos algumas bombas como o rombo da Previdência, e se não criarmos ferramentas que viabilizem a maior eficiência no gasto.

Entre as alternativas, possivelmente a mais eficaz, a exemplo de outros países, é a criação de uma instituição fiscal independente, que no Brasil foi chamada de Conselho de Gestão Fiscal. Prevista na Lei de Responsabilidade Fiscal, nunca foi criada, pela complexidade da proposta e por falta de regulamentação. Por iniciativa do Movimento Brasil Eficiente (MBE), uma nova concepção foi proposta e tramita na Câmara de Deputados, após aprovação por unanimidade no Senado de projeto de lei do senador Paulo Bauer.

A contenção dos gastos públicos pelo aumento da eficiência, acompanhada da simplificação da estrutura tributária, modernização de regulamentos e um esforço de desburocratização, tem alto potencial de reduzir o Custo Brasil, aumentar a competitividade e estimular a poupança interna e, assim, transformar o nosso voo em algo mais elegante e consistente.

 

Publicado no Correio Braziliense em 31/03/18

Desafios da indústria brasileira

Especialmente nos últimos 15 anos, procuramos apoiar o nosso crescimento econômico em três pilares: preços das commodities, gastos do governo e aumento do consumo das famílias. Não nos preocupamos em construir as bases para um crescimento sustentável, que passam por uma taxa de investimento mais robusta e o aumento da produtividade da economia.

O Banco Mundial alerta que se o país não reformular o seu modelo de desenvolvimento, certamente perderá as conquistas socioeconômicas dos últimos anos, comprometendo os avanços na redução da pobreza. O banco reconhece os avanços sociais, mas aponta que, por outro lado, houve forte elevação de carga tributária, encolhimento dos investimentos e perda de dinamismo da economia. A baixa produtividade seria provocada por um sistema que limita a concorrência, pelo fechamento econômico, e aloca mal os recursos.

Para compensar os elevados custos de produzir no país, o governo cria mecanismos de proteção e compensação que não são eficientes. O estudo sugere a inversão da pauta: abrir o mercado, reduzir o Custo Brasil e aumentar a eficiência dos gastos públicos. Mas reconhece ser uma pauta politicamente desafiadora, porque depende de reformas. Na realidade, o estudo reforça o que entidades empresariais como CNI, FIESP e FIESC vem defendendo há muito tempo: a indústria não precisa de proteção, e sim de um ambiente que lhe permita competir em igualdade de condições. O que está longe da realidade, como demonstra o trabalho “Desempenho da Indústria no Mundo”, da Confederação Nacional da Indústria (CNI). De 2006 a 2016, a participação do país na produção mundial de manufaturados caiu de 2,74% para 1,84% e, segundo a Organização Mundial do Comércio (OMC), as exportações da indústria reduziram de 0,82% para 0,58% do total. No mesmo período, a China aumentou a sua fatia de 9,31% para 18,14%. Segundo a CNI, esse retrocesso se deve à dificuldade de competição da nossa indústria, enquanto em países como China, México e Coreia do Sul, ela tem sido o principal vetor de crescimento.

 

Publicado no Diário Catarinense e A Notícia – 06/04/18

A conta vai para os filhos e netos

Em evento organizado pela Confederação Nacional do Comércio, o então ministro do Planejamento Dyogo Oliveira informou que 57% de todo o gasto do governo hoje é com a Previdência e apenas 2% com investimento. E afirmou: “Estamos gastando com o passado e nada com o futuro”. Considerando que as contas públicas apresentaram déficit de R$ 124,4 bilhões em 2017, as demais contas do orçamento tiveram que fazer um superávit de R$ 144 bilhões para cobrir o rombo de R$ 268 bilhões da Previdência. O que estaria emperrando a aprovação da reforma, segundo o ministro, seria principalmente a pressão de setores que hoje são indevidamente beneficiados para manter privilégios.

O economista José Márcio Camargo, professor da PUC Rio, observou, no mesmo evento que “se hoje gastamos 57% do orçamento com Previdência Social, em 20 anos serão 100%”. Com os sucessivos adiamentos, a cada dia perdido a reforma terá que ser mais dura. E ainda: o rombo dos benefícios pagos ao setor público somou R$ 1,292 trilhão entre 2001 e 2015, muito mais do que o governo gastou com saúde e educação nesse período. Na sua avaliação, a Previdência tende a ser hoje o maior mecanismo de concentração de renda no país.

O nosso problema de seguridade social é provocado por um misto de envelhecimento acelerado da população, privilégios, má gestão, desvio e aposentadorias precoces. No que se refere à idade média de aposentadoria, levantamento feito pela Confederação Nacional da Indústria (CNI) aponta que os 59 anos de aposentadoria do Brasil são incompatíveis com a curva demográfica do país, especialmente se comparados com a idade de outras nações: média de 64 anos nos países da OCDE, chegando a 69 no Chile e Japão, a 71 na Coreia do Sul e 72 no México. Alemanha, Estados Unidos e Holanda, por exemplo, já aprovaram regras para elevar a idade mínima para 67 anos, com igualdade de regras para homens e mulheres. Na Alemanha, existe um período de transição até 2029 para os nascidos até 1964. Para os demais, já vale o aumento de 65 para 67 anos.

No Japão, país com a maior proporção de idosos na população, existe uma lei que obriga reforma da Previdência a cada cinco anos. Todos os países que praticam a responsabilidade fiscal buscam de forma ordenada adequar as regras à sua curva demográfica e à realidade orçamentária. No Brasil, precisamos entender que ninguém resolverá esse problema por nós, e que adiamentos e desidratações da proposta simplesmente transferem um pouco para a frente contas cada vez mais altas a pagar, especialmente pela população mais pobre, que não passa de massa de manobra daqueles que defendem privilégios. Isso fica claro nas informações fornecidas pelo secretário da Previdência Social, Marcelo Caetano: na proposta apresentada em dezembro último, apenas 9,5% dos trabalhadores teriam uma perda de renda superior a 1% da aposentadoria, poupando a população mais carente.

Os generosos fluxos de recursos, que privilegiaram o Rio de Janeiro na Copa do Mundo, nas Olimpíadas e com royalties do petróleo, não foram suficientes para compensar a falta de gestão e a corrupção no governo do estado. Com a intervenção decretada, a União passa a coordenar os esforços da segurança em meio ao caos que tomou conta do Rio. Com o dinheiro dos contribuintes de todo o país. Com isso, a votação da reforma da Previdência teve que ser suspensa por determinação constitucional. Temos ouvido, de políticos e jornalistas, que foi uma grande derrota do governo. Leitura equivocada. A derrota claramente é do país. Não podemos esquecer que os excessos que cometemos hoje são exatamente a conta que estamos transferindo aos nossos filhos e netos. Não creio que queiramos isso.

 

Publicado no dia 18/04 no jornal O Estado de Minas.

Previdência: a derrota do país

O Brasil que saiu da Constituição de 1988 não era compatível com o tamanho do PIB. A afirmação é do economista Mansueto Almeida, secretário de Acompanhamento Econômico do Ministério da Fazenda. A estrutura de bem-estar social criada levou a gastos equivalentes aos de países desenvolvidos como Noruega e Alemanha – em torno de 25% do PIB – e superior aos 21% gastos no Reino Unido.

O gasto com proteção social no Brasil é o maior do continente, segundo levantamento da Organização Internacional do Trabalho (OIT). Destinamos a essa conta, excluindo o gasto com saúde, 13,2% do PIB, contra 10,6% nos Estados Unidos, 9,7% no Canadá, 8,7% na Colômbia, 8,1% no México, 3,1% no Peru e 3% no Paraguai. No modelo atual, o gasto com previdência social dos trabalhadores do setor privado e especialmente dos servidores públicos não cabe no orçamento, mesmo suportado por uma carga tributária que oscila entre 32% e 35% do PIB, bem mais pesada do que a carga média dos países da América Latina, de 22%.

O rombo da Previdência chegou a R$ 268,8 bilhões em 2017, um crescimento de 18,5% sobre 2016. O INSS, que atende 29,8 milhões de trabalhadores da iniciativa privada, teve déficit de R$ 182,4 bilhões, e o regime próprio dos servidores públicos, que assiste menos de um milhão de vidas, apresentou déficit de R$ 86,3 bilhões. Isso significa que, no setor privado, o rombo por pessoa assistida foi de aproximadamente R$ 6 mil e, no setor público, de R$ 87 mil. As despesas com a Previdência consomem 57% de todo o gasto do governo, levando a disponibilidade para investimentos, essenciais para o crescimento do país, a ficarem em parcos 2%. Como afirmou o ministro do Planejamento Dyogo de Oliveira, estamos gastando com o passado e não com o futuro.

O ministro da Fazenda Henrique Meirelles tem alertado que se os ajustes no modelo não forem feitos, em poucos anos a previdência vai comprometer seriamente os gastos com saúde, educação e segurança pública do país, a exemplo do que vem acontecendo em alguns Estados. O governo será obrigado a cortar salários e aposentadorias como fizeram Portugal e Grécia no final da última década.

Portanto, aprovar a reforma da Previdência não é uma opção, é uma obrigação. Questão de responsabilidade cívica de deputados e senadores.

Lamentavelmente, por previsão constitucional, a intervenção da União do Rio de Janeiro obrigou a suspensão da tramitação da reforma no Congresso Nacional. Alguns jornalistas e políticos da oposição tem qualificado o fato como uma grande derrota do governo. Leitura equivocada. O governo envidou todos os esforços para viabilizá-la, e isso não há como negar. A derrota claramente é do país.

 

Publicado em 06.03.2018 no Jornal A Tarde – Salvador em 06/03/18.