Para além do ajuste fiscal

Nos últimos 20 anos, com ênfase crescente, o Governo brasileiro tem agido como se tivesse descoberto a fórmula mágica da multiplicação dos recursos, para sustentar o que o economista Raul Velloso, um dos fundadores do Movimento Brasil Eficiente (MBE), cunhou de “modelo de expansão continuada dos gastos públicos”.  Para sustentar essa gastança, que elevou a despesa não financeira do Governo Federal de 11%, em 1991, para 20% do PIB, em 2014, foi preciso arrecadar cada vez mais, fazendo a carga tributária evoluir de 25% do PIB, no início do Plano Real, para os 36% atuais. O dinheiro que vira impostos e acaba predominantemente destinado ao consumo na mão do Governo é o mesmo que deixa de ser reinvestido por milhões de pequenas e grandes empresas. Como bem observa Paulo Rabello de Casto, coordenador do MBE, a carga crescente de impostos tem “retornado” para a sociedade sob forma de mais empregos públicos, benefícios de toda ordem, subsídios e os mais altos juros do planeta.

Também o ex-presidente do Banco Central, Gustavo Loyola, alerta de que do ponto de vista estrutural é insustentável que as despesas públicas continuem crescendo mais do que o PIB, como vem acontecendo desde que a Constituição de 1988 enfatizou os direitos  e benefícios e se descuidou das obrigações e do equilíbrio fiscal.

Algumas mudanças importantes aconteceram e 2015, corrigindo distorções do seguro-desemprego, do abono salarial e das pensões por morte. É necessário, contudo, implantar um ajuste fiscal de longo prazo, um plano plurianual que priorize efetivamente o corte de gastos e não o aumento dos já sufocantes impostos. Abreviar a instituição do Conselho de Gestão Fiscal, de acordo com o PLS 141/14do senador Paulo Bauer, ferramenta fundamental para aumentar a eficiência das despesas públicas, e avançar na direção da desvinculação de gastos para deixar de engessar o orçamento – 90% dos dispêndios do Governo crescem obrigatoriamente quando o PIB avança, mas dificilmente conseguem ser reduzidos quando a economia desacelera – são providências fundamentais.

Mas o caminho para o desenvolvimento econômico, para o resgate de um crescimento potencial adequado – que é o ritmo possível de crescimento de um país. Sem pressionar a inflação pela restrição de oferta – requer mais do que um mero ajuste fiscal. É preciso enfrentar as causas da baixa produtividade, do ambiente de negócios desfavorável, da baixa competitividade, o completo sistema tributário, a legislação trabalhista ultrapassada, um sistema previdenciário insustentável e um Estado que não cabe no PIB. São as velhas e batidas formas estruturais que o Brasil não tem tido vontade política de enfrentar.

Os Brics x O Custo Brasil

O britânico JIM O’Neil criou, no início da década passada, a sigla Bric, reunindo os quatro principais países emergentes – Brasil, Rússia, Índia e China – por acreditar no potencial que teriam para puxar o crescimento mundial no século 21. Decepcionado, disse recentemente que “o Brasil parece ser apenas uma história impulsionada por commodities e sua economia, portanto, move-se de acordo com os ciclos de preço”. Para dizer o mínimo. Na realidade, somos hoje um país à deriva, porque não criamos as nossas âncoras, nem mesmo no período de bonança do superciclo das commodities e do bônus demográfico.

Não faz sentido querer calçar no aumento do consumo, e muito menos no consumo público, um projeto sustentável de longo prazo para o crescimento do país. Nem tampouco a demanda externa, por mais importante que seja, pode nos alavancar pelo baixo grau de internacionalização da nossa economia. O que impulsiona crescimento consistente é o aumento de investimento, apoiado por uma poupança interna forte. Nesse cenário, a nossa poupança, que já vinha insuficiente, caiu de 19/5 do PIB em 2008, para 13%, em 2014. O estímulo ao consumo das famílias e uma poupança pública negativa comprometem o esforço poupador das empresas privadas.

O quatro particular que vemos no Brasil, de recessão com inflação, é uma indicação de que a oferta e a demanda estão muito próximas, como alerta o ex-economista chefe do Fundo Monetário Internacional (FMI), Oliver Blanchard. O novo problema maior é o crescimento galopante dos gastos públicos correntes, comprometendo o investimento. Num comparativo, entre janeiro de 2015 e janeiro de 2014, os gastos de custeio do governo cresceram 14,34% em termos nominais e 6,37% em termos reais e os investimentos caíram 35,44% em termos reais. A taxa de investimento total da economia vem caindo desde 2010: 19,5% do PIB para 16,7%, em 2014.

Uma ds frentes que mais requerem investimentos para permitir ao país continuar crescendo é a infraestrutura. Países crescem quando suas economias são competitivas, e bons portos, estradas, ferrovias, aeroportos, boa mobilidade urbana somam muito nesse aspecto. O “The Global Conpetitiveness Report 2015-2015”, do Fórum Econômico Mundial, mostra que esse, certamente, não é o nosso ponto forte. Entre 144 países pesquisados, as nossas ferrovias ocupam a 95ª posição, o transporte aéreo a 113ª, as estradas e portos a 122ª. Aqui não existem milagres. Enquanto a Índia investe 4,8% do PIB em infraestrutura, o Chile 5,1%, a China 13,4% e a Tailândia 15,4%, no Brasil, esse número ronda os 2%. E a Índia pretende quase dobrar o seu aporte até o final de 2017, para conseguir manter o crescimento acelerado, alavancado também por várias reformas estruturais, reformas que temos tido muita dificuldade para avançar aqui.

Interessante é saber que a Alemanha, país competitivo e com ótima infraestrutura, está preocupada com sua taxa de investimento total, que caiu de 26% do PIB, em 1990, para 17%. O que dizer do Brasil, que também investe os mesmos 17%, tendo, todavia, tudo por fazer? Muitos países têm conseguido resolver esse problema melhor do que nós, como mostram os números de 2014: EUA, 19,2%; Rússia, 19,8%; México, 20,9%; Colômbia, 24,7%; Peru, 26,3%; Índia, 29,9%; Coreia do Sul, 30,3%; Indonésia, 31,3% e China, 47,6%. A retomada dos investimentos no Brasil requer uma pauta positiva para o país. Redução de incertezas, restabelecimento da confiança dos agentes econômicos, controle da inflação, equilíbrio fiscal, estabilidade cambial e construção de uma agenda para recuperação da competitividade, que permita aos empresários enxergar que poderão ter retorno nos seus projetos.

Investimentos são importantes porque aumentam a oferta e com isso eliminam gargalos, mas são fundamentais porque permitem aumentos de produtividade. E produtividade talvez seja a variável mais diretamente relacionada à competitividade. Ela tem dois componentes básicos: a do trabalho e a do total dos fatores. A primeira mede a produção média por trabalhador e, para que ele cresça, é necessário que essa produção cresça mais do que os salários. A nossa tem caído porque os salários têm evoluído mais. A segunda mede a eficiência da economia como um todo. Também aqui não estamos bem na fotografia. No período de 1990 – 2013, a produtividade total dos fatores no México cresceu 0,351%; na Indonésia, 0,057%; na Coreia do Sul, 0,620%; nos EUA, 1,073%; na Índia, 1,166%; na China, 3,192 e no Brasil, caiu 0,039%.

Outros países emergentes, inclusive alguns vizinhos sul-americanos, que, como nós, se beneficiaram do superciclo das commodities de 2002 a 2010, continuam conseguindo manter crescimento do seu PIB e da renda per capita. Portanto, por mais que a conjuntura internacional desfavorável atrapalhe, somos vítimas de nós mesmos. O economista americano Nicholas Lardy afirma que não faz mais sentido manter os Brics juntos, considerando que a punica característica em comum era o alto crescimento econômico. Mesmo com o comportamento mais moderado da China, apenas ela e a Índia mantém as credenciais para permanecer no grupo, porque evoluíram em reformas estruturais e na eficiência da economia. Enquanto isso nós aqui estamos muito aplicados cultivando o custo Brasil. Um esforço de algumas das principais entidades da sociedade civil organizada poderia ser um bom início de reação.

Por mais contribuição da indústria

O Brasil perdeu a capacidade de se indignar diante de problemas relevantes. A rotineira revisão para pior dos indicadores econômicos do país já não surpreende. E nem poderia, pois não podemos querer colher algo que não plantamos.

Há cinco anos o Movimento Brasil Eficiente (MBE), além de outros economistas e lideranças, vem alertando que o crescimento dos salários não pode descolar do crescimento da produtividade, que consumo não sustenta a expansão da economia no médio prazo, que o Brasil vem investindo muito abaixo do necessário para poder crescer mais e de forma consistente, que estamos nos tornando um país caro, que o Custo Brasil vem comprometendo a competitividade de mais e mais setores da nossa economia, especialmente da indústria de transformação, o setor mais dinâmico da economia e que mais poderia contribuir com o avanço da produtividade. Na quarta edição do ranking de competitividade elaborado pela Confederação Nacional da Indústria, (CNI) que avalia os 15 principais concorrentes do país no mercado externo, como China, Índia, México, Austrália e Canadá, o Brasil continua na penúltima posição, à frente só da Argentina. Reduzir o Custo Brasil, diz a entidade, estimulará os investimentos para melhorar a produtividade das empresas. Outro ranking que coloca o Brasil na vice-lanterna foi o elaborado pela Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE), medindo o desempenho da indústria em 37 países no período de janeiro de 2011 a junho de 2015. Pior do que a queda de 9,2% em nosso país, apenas o recuo de 16,1% na Grécia, que passa por problemas conhecidos por todos. Enquanto isso, na Rússia a a indústria cresceu 6,7%, no México 8,3%, no Chile 10,6%, na Alemanha 11,8%, na Índia 12,5%, nos EUA 13,3%, na Turquia 24,9% e na Eslováquia 31,8%. Levantamento da Federação das Indústrias de Santa Catarina (FIESC), sobre o comportamento da indústria brasileira em 2015, comparado ao ano anterior, indica uma queda de 12% em vendas e saldo negativo de 8,2% na produção. O setor passa hoje certamente por um dos recuos mais significativos das últimas décadas, mesmo com algum alívio proporcionado pela retomada das exportações em função da depreciação do câmbio que permitiu uma queda do déficit da balança comercial de manufaturados para US$71,9 bilhões, em 2015, de acordo com o secretário de Comércio Exterior, Daniel Godinho, contra um saldo negativo de US$ 109,4 bilhões em 2014. Não custa lembrar que até 2006 o Brasil apresentava saldo positivo nessa conta.

Por que aumentamos o desemprego?

O último ranking de competitividade elaborado pelo Banco Mundial, o Doing Business 2016, que avalia o ambiente de negócios em 189 países, mostra o Brasil na 116ª posição em relação ao levantamento anterior. E não resolve atribuir o problema a contratempos da conjuntura internacional. O término do superciclo das commodities afetou igualmente outros países que, todavia, continuam muito melhor avaliados do que nós. Para ficar apenas em alguns vizinhos: Colômbia na 54ª posição, Peru 50ª, e Chile 48ª. O que nos atrapalha é o conhecido Custo Brasil, com destaque para a 178ª pior estrutura tributária do mundo, que extrai de quem produz 69% de importo sobre os lucros.

A falta de competitividade é causa e efeito de baixos investimentos. É um ciclo negativo que se retroalimenta, potencializado pela histórica carência de poupança doméstica, provocada por políticas econômicas equivocadas e pela poupança negativa do próprio poder público. Já baixos, poupança e investimentos continuam caindo no Brasil, para uma faixa entre 16% e 17% do PIB pelas projeções para 2016. Enquanto isso, a Índia poupa 31% e investe 28%, a Coreia do Sul, 33% e 30% e a China 52% e 42%, para ficar em poucos exemplos. Precisamos de números na casa dos 25%.

A fórmula para romper esse círculo vicioso inclui medidas como resgate da confiança, ajuste fiscal e reformas estruturais, desafios nada fáceis na atual conjuntura política do país. Mas existem medidas práticas que podem ajudar. O economista Paulo Rabello de Castro, um dos fundadores do Movimento Brasil Eficiente (MBE), propõe a adoção de limitadores de rubricas do gasto público corrente, para mantê-los alinhados à real capacidade de financiamento pelos contribuintes. Em resumo, que as despesas do governo cresçam menos do que o PIB. Um passo fundamental para isso é a criação do Conselho de Gestão Fiscal, instituição fiscal independente, que foi crucial no reequilíbrio das contas em vários países como Alemanha, Grã-Bretanha e Estados Unidos. Projeto de lei nesse sentido, proposto pelo MBE foi aprovado por unanimidade no Senado no final de 2015 e, agora, tramita na Câmara dos Deputados.

Como lembrou o ex-ministro Delfim Netto, apoiador do MBE, referindo-se ao ex-chanceler alemão: “a lei de Helmut Schmidt é incontornável –é o investimento de hoje que produzirá o crescimento de amanhã e criará a oportunidade de emprego de depois de amanhã”.

Sustentabilidade dos gastos sociais

A Constituição de 1988 foi generosa em garantir direitos e falhou ao não se preocupar com o impacto da ampliação da proposta assistencialista no equilíbrio das contas públicas.

O ex-ministro Maílson da Nóbrega afirma que “o brutal aumento da despesa (pública) dos últimos anos se deve muito mais à opção por um padrão europeu de gastos sociais, sem dispormos de condições similares de renda e riqueza”. Ele recomenda a revisão da política de reajustes reais do salário mínimo, responsável pela metade dos gastos do INSS, e também das demais transferências.

Segundo Mansueto Almeida, da Fundação Getulio Vargas, nos últimos 15 anos as transferências sociais foram responsáveis por 82% do crescimento dos gastos não financeiros da União.

Especial atenção certamente deve ser dispensada aos desequilíbrios do nosso sistema previdenciário, com três causas principais: os deficits financeiros do Regime Geral gerido pelo Instituto Nacional do Seguro Social (INSS), do Regime Próprio dos Servidores Públicos Federais e do Regime Próprio dos Servidores Públicos dos Estados.

O Regime Geral, que assiste todos aqueles não ligados ao poder público, teve um rombo de R$ 57 bilhões em 2014, provocado na realidade por deficit de R$ 82 bilhões dos trabalhadores rurais, que consumiram um superávit de R$ 25 bilhões dos trabalhadores urbanos. Há de se rever os critérios de concessão das aposentadorias rurais que, mesmo em número significativamente menor do que as urbanas, estranhamente geram esse enorme buraco.

Conveniente, além disso, apertar medidas para combate as fraudes, mas também as aposentadorias urbanas devem ser repensadas diante do explosivo crescimento previsto para a diferença entre gastos e arrecadação do INSS: mais de R$ 80 bilhões no último ano e R$ 125 bilhões em 2016.

Além da necessária idade mínima para aposentadoria de pelo menos 65 anos, média dos países da Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE), contra média de 57,5 anos no Brasil hoje, convém discutir outros pontos como redução da diferença de tempo de contribuição entre homens e mulheres.

Para o Regime Próprio dos Servidores Públicos Federais se prevê a seguinte evolução do déficit: R$ 63 bilhões em 2014, R$ 69 bilhões em 2015 e R$ 70 bilhões em 2016.

Lembrando que atende em torno de 1 milhão de servidores e pensionistas, contra aproximadamente 30 milhões de assistidos do INSS, portanto, um rombo per capita quase 30 vezes maior no último ano. A reforma para equiparar as aposentadorias dos servidores públicos federais aos da iniciativa privada, acabando com as aposentadorias integrais, foi aprovada em 2003 no Congresso Nacional, encaminhada pelo ex-presidente Lula.

Não foi implantada, todavia, por falta de regulamentação, em função de pressões do PT. Só em 2012, por iniciativa da presidente Dilma, ocorreu a regulamentação. A lei 7.808 criou a Fundação de Previdência Complementar do Servidor Público Federal do Poder Executivo (Funpresp), uma aposentadoria complementar para os novos entrantes no serviço público que passam a sujeitar-se aos mesmos limites dos trabalhadores privados. Na prática, ainda não está trazendo os resultados previstos.

Finalmente, o Regime Próprio dos Servidores Públicos dos Estados apresentou um rombo de R$ 51 bilhões em 2014. Segue a mesma tendência das outras duas categorias. Alguns Estados já estão fazendo as suas reformas. Em 2011, foi criada a Fundação de Previdência Complementar do Estado de São Paulo.

Em 2015, Santa Catarina criou a Fundação de Previdência Complementar do Estado de Santa Catarina – SCPrev. Outros Estados também já o fizeram ou estão tentando. Mas é necessário, além disso, rever, por exemplo, aposentadorias especiais concedidas a profissionais da segurança, medicina e educação, que se aposentam com menos tempo de contribuição.

O excesso de generosidade de nossa assistência social, além de desestimular a tão necessária poupança interna do país, gera desequilíbrios fiscais que acabam tendo que ser pagos pela própria população, via aumento de impostos. Devemos eliminar excessos e regalias, combater mais duramente as fraudes e assistir os realmente necessitados.