O déficit primário do setor público em 2020, no Brasil, deve ultrapassar os R$ 800 bilhões, o que representa 12% do PIB, nas projeções do Ministério da Economia. A se confirmar a expectativa do Boletim Focus, de retração da economia em 6,5%, a dívida bruta do Tesouro deve chegar aos 98% do PIB esse ano, contra 75,8% em 2019. Para o economista Alberto Ramos, do banco Goldman Sachs, o Brasil não tem feito a lição de casa no que se refere às reformas e por isso não criou o espaço fiscal para enfrentar com menos traumas uma situação como essa.
A pressão para perenizar o auxílio emergencial ou criar um programa de renda mínima é grande. O economista Marcos Mendes afirma que a ideia defendida pelo ministro Paulo Guedes, de ampliar o Bolsa Família, incorporando pessoas com renda instável e mais vulneráveis, estimulando ao mesmo tempo a busca por emprego pelos beneficiários, vai na direção correta. Alerta, contudo, que um país com a vulnerabilidade fiscal do Brasil precisa fazer escolhas e definir a origem dos recursos quando quiser aumentar gastos públicos, mesmo que para melhorar a proteção social. E fazer escolhas significa cortar privilégios, enfrentar corporações, o que o Congresso nem sempre está disposto a incluir na pauta. Mais fácil é transferir a conta para a sociedade, para quem não têm lobby poderoso, para aqueles que poupam e investem, às vezes por gerações, para gerar empregos e construir as bases de uma economia real.
Não há espaço para criar despesas públicas permanentes. Há que se aumentar a sua eficiência. Além do que, como bem alertou Mansueto Almeida, ex-secretário do Tesouro, o Brasil já gasta bastante com a área social, inclusive considerando os padrões mundiais: de cada R$ 4 de suas despesas, R$ 3 vão para programas sociais e Previdência. Ele chama a atenção para o baixo efeito distributivo desses gastos e a possibilidade de fazer mais com eles.
O nível de despesas necessárias ao enfrentamento da pandemia e a piora dos indicadores fiscais exigirão trabalho duro e sacrifícios da sociedade brasileira nos próximos anos. O ex-ministro da Fazenda Henrique Meirelles me afirmou, recentemente, que só conseguiremos enfrentar o crescimento da dívida pública com crescimento sustentável. E crescimento sustentável só virá com as reformas estruturais ainda pendentes. Fora disso, só voo de galinha. A viúva que pagava as nossas contas não escapou da Covid-19.
Publicado no Jornal O Estado (Fortaleza/CE).