Limitar e qualificar os gastos públicos

Somos o país com a pior relação do planeta entre impostos arrecadados e serviços devolvidos à sociedade. Temos a mais alta carga tributária entre os países em desenvolvimento, e os serviços que todos conhecemos.

O economista Marcos Mendes, ex-consultor do Senado e um dos maiores estudiosos da relação entre gasto público e crescimento econômico, tem destacado que as despesas com políticas públicas no Brasil são bem maiores do que em outros países emergentes, e com resultados piores. Cita o exemplo da educação, onde o gasto evoluiu de 3,9% do PIB em 2000 para 6,2% em 2015. Gastamos hoje mais do que 89% dos países que divulgam informações, com desempenho abaixo da grande maioria. E a recente aprovação de mais verbas para o Fundeb continuou considerando que o nosso problema é de falta de recursos e não de qualidade na sua aplicação. Isso explica porque o gasto público cresceu em termos reais mais de 5% a.a. em média entre 1991 e 2016, e a produtividade próxima a zero. Isso também explica porque o ministro Paulo Guedes e sua equipe têm encontrado tanta dificuldade para definir fontes de recursos para o novo programa Renda Cidadã, uma vez que as alternativas para melhorar a qualidade dos gastos sociais foram glosadas, o simples aumento dos mesmos não cabe no teto dos gastos, e o caminho do aumento de impostos não cabe mais no bolso do contribuinte.

Também no pacote fiscal e monetário para enfrentar a pandemia, fomos arrojados (11,8% do PIB), na comparação com os pares emergentes, tanto quanto a Índia (também 11,8%), porém mais do que a África do Sul (10%), China (4,5%), Indonésia (4,4%), Turquia (3,8%), Rússia (3,4%), Colômbia (2,8%) e México (1,2%). Por outro lado, no pagamento do auxílio emergencial de R$ 600, houve, segundo estimativas do Tribunal de Contas da União, pagamentos indevidos que podem chegar a 20%, ou algo próximo a R$ 50 bilhões. A pressão foi toda pela quantidade. A preocupação com a qualidade ficou na sombra.

Existe um velho e sábio ditado: se souber gastar, não vai faltar. Vale para qualquer um de nós, para empresas e para governos. E “governos” não significa apenas Poder Executivo, mas também o Legislativo e o Judiciário, não só pelos gastos internos, mas também pelas decisões que tomam e que impactam os dispêndios. A nível federal, estadual e municipal. Um bom início de avaliação é entender que as corporações se apropriaram do Estado brasileiro. As públicas e as privadas. E a classe política, de maneira geral, tem tido pouca disposição para enfrentar poderosos lobbies que defendem bilhões de benefícios fiscais (inclusive a desoneração da folha dos famosos 17 setores, que prejudica alguma eventual desoneração para todos), universidades federais gratuitas para quem pode pagar, remunerações de servidores acima do teto constitucional, e muitos outros privilégios.

O filósofo Francis Fukuyama, no livro Ordem e Decadência Política, de 2014, analisa a experiência de diversos países em termos de modelo de Estado. Escreveu que o Brasil criou um modelo piorado: gigante, caro e prestando serviços ruins à sociedade. Ou seja, temos um governo que, apesar de grande, é fraco, e que, apesar de cobrar muito, devolve pouco. Precisamos de uma versão forte e eficiente. O Poder Público precisa enfrentar um problema cultural que é a dificuldade de lidar com limites. Na questão dos gastos fica claro o esforço contínuo na busca de atalhos para contornar as regras estabelecidas.

Publicado no Diário do Comércio – MG – versões impresso e online.

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