Qualificar os gastos públicos

As características, a dimensão e as incertezas trazidas pela crise da Covid-19 estão levando os países a gastar uma munição sem precedentes. Os governos estão implementando programas mais focados em gastos públicos ou em créditos fiscais com garantias públicas, que trazem desafios futuros de reequilíbrio difíceis de mensurar nesse momento. Segundo o economista Manoel Pires, o programa brasileiro pode chegar aos R$ 800 bilhões, com quase R$ 600 bilhões em gastos e desonerações. Sem dúvida, é um esforço robusto, arrojado considerando a frágil situação fiscal do País, e que poderá elevar o déficit primário do governo federal a R$ 1 trilhão em 2020, se a economia demorar a reagir. As economias pretendidas pela Reforma da Previdência em 10 anos para apagar o incêndio em um ano. Motivo para redobrarmos a responsabilidade fiscal de quem propõe, de quem aprova e de quem executa as medidas emergenciais.

O Fundo Monetário Internacional (FM) não é muito de otimista com o quadro do Brasil pós-coronavírus. Além de uma forte recessão em 2020 (estimativa de queda do PIB de 9,1% feita em junho), prevê para o país uma retomada com crescimento de 3,6% em 2021, contra um crescimento global de 5,4% e de 5,9% para o conjunto dos países em desenvolvimento. Segundo o FMI, a nossa dívida bruta pode chegar a 98% do PIB contra 63% dos emergentes. O que nos coloca em desvantagem, aponta, são os recorrentes resultados fiscais ruins.

A delicada situação das nossas contas públicas certamente não provém da falta de receitas, isto é, de baixa carga tributária. Pelo contrário, os brasileiros são os que mais pagam impostos entre os seus pares e, além disso, temos a pior relação no mundo entre tributos pagos e serviços desenvolvidos à sociedade. O problema está no excesso de gastos públicos e na má qualidade desses gastos, em todos os Poderes e em todos os níveis da federação. Isso fica evidente novamente com o comportamento oportunista do Congresso, aproveitando-se do conflito político entre o governo central e os estados para tentar distribuir benesses e atender necessidades que têm pouco a ver com a crise e muito com a histórica irresponsabilidade de muitos governadores e prefeitos. O poder público servindo-se do público em vez de servir à sociedade. É o rabo balançando o cachorro! O economista Marcus Mendes caracterizou bem: caronavírus.

O governo propôs e o Congresso aprovou o que foi denominado de Orçamento de Guerra, específico, delimitado, para não contaminar o Orçamento Geral nem os orçamentos futuros, para não comprometer a credibilidade fiscal do País. O secretário-executivo do Ministério da Economia, Marcelo Guaranys, contudo, alertou para prováveis previsões políticas populistas para perenizar programas criados durante a pandemia, o que pode comprometer o crescimento futuro do País. Para Adolfo Sachsida, secretário de Política Econômica, não há como aumentar gastos públicos, mas é possível realocar recursos de programas que não são eficientes, para fortalecer a rede de assistência social e discutir um novo formato para o auxílio emergencial. Precisamos aumentar a qualidade do gasto, e não gastar mais.

O Brasil deve preservar conquistas importantes como o Teto dos Gastos, principal âncora fiscal no momento, e as reformas recentes. E seguir na trajetória de novos avanços que já estavam na pauta antes desta crise. Convergência política, senso de urgência e decência no trato da coisa pública podem levar ao País que nossos filhos gostariam que deixássemos para eles.

Publicado no Correio do Estado (MS) em 13.07.2020.

Recolocar as contas em dia

A Covid-19 tem obrigado governos a usar bazucas em canhões para enfrentar um inimigo invisível. De um lado, um confinamento que derruba a demanda, e de outro, a paralisação de quem produz aleijando a oferta. Uma recessão generalizada já é certa em 2020.

Ok, Estado de Calamidade Pública significa que a situação é anormal, que devemos aplicar medidas não convencionais. Não há dúvidas, a prioridade é salvar vidas. Mas será que vale tudo, que alguém nos garante o direito de gastar sem arcar com as consequências? O que pode advir da explosão do desemprego, da evaporação da renda das famílias, de problemas emocionais outros mais?

Tradicionalmente, governos combatem restrições com política monetária. Reduzir taxa de juros é simples, rápido, fácil de reverter e traz menos problemas para o futuro. Mas é uma ferramenta indisponível, hoje, na maior parte dos países, dados os níveis historicamente reduzidos dos juros.

Por esse motivo, e também pelo fato de o confinamento levar a uma queda bruta de liquidez de famílias e empresas, a principal alternativa passa a ser a política fiscal, o aumento dos gastos dos governos, para tentar manter a economia rodando.

Só que as políticas fiscais são remédios que curam, mas podem ao mesmo tempo deixar efeitos colaterais perigosos.

Basta ver o que fizemos no Brasil para enfrentar a crise de 2008. Equivocadamente, optamos à época para realizar um forte aumento de gastos públicos permanentes, que, portanto, não puderam ser eliminados mesmo após a crise.

Isso levou a um processo perverso de transferência de recursos da sociedade para o poder público, para manter uma máquina governamental que absorve em torno de 20% do PIB, estrangulando a capacidade do governo e do setor privado de investir, com as consequências nefastas na produtividade da economia e na capacidade das empresas de competir.

O resultado foi a recessão de 2015 e 2016. Devemos aprender com os erros. O ministro da Economia Paulo Guedes sabe disso e propôs um “Orçamento de Guerra”, segregado do orçamento regular. Gastos temporários de combate a pandemia, e não permanentes.

Temos que enfrentar este enorme inesperado e assustador desafio trazido pelo fenômeno do novo coronavírus com maturidade. O pós-Covid-19 vai trazer desafios e oportunidades.

Recolocar as contas em dia exigirá grande esforço e sacrifícios futuros. Então, quanto mais responsabilidade fiscal tivermos agora, menores as privações futuras, e melhores condições teremos para embarcar numa recuperação da economia mundial prevista para 2021.

Publicado no Jornal O Pioneiro (RS) em 06.07.2020.

A gestão dos gastos públicos na pandemia

As características, a dimensão e as incertezas trazidas pela crise da covid-19 estão levando os países a gastar uma munição sem precedentes. Os governos estão implementando programas, mais focados em gastos públicos ou em créditos fiscais com garantias públicas, que trazem desafios futuros de reequilíbrio difíceis de mensurar neste momento. Segundo o economista Manoel Pires, o programa brasileiro pode chegar aos R$ 800 bilhões, com quase R$ 600 bilhões em gastos e desonerações. Sem dúvida, é um esforço robusto, arrojado, considerando a frágil situação fiscal do País, e que poderá elevar o deficit primário do Governo Federal a R$ 1 trilhão em 2020, se a economia demorar a reagir – economias pretendidas pela reforma da previdência em 10 anos para apagar o incêndio em um ano. Motivo mais do que suficiente para redobrarmos a responsabilidade fiscal de quem propõe, de quem aprova, e de quem executa as medidas emergenciais. A sociedade brasileira está concedendo ao poder público poderes especiais para salvar vidas e empregos em meio à pandemia e não licença para gastar.

O Fundo Monetário Internacional (FMI) não é muito otimista com o quadro do Brasil pós-coronavírus. Além de uma forte recessão em 2020 (estimativa de queda do PIB de 5,3% feita em meados de abril), prevê para o País a retomada mais fraca entre os emergentes, com crescimento de 2,9% em 2021, contra 4% na América do Sul e 6% na média das nações em desenvolvimento. Segundo o FMI, a nossa dívida bruta pode chegar a 98% do PIB, contra 63% dos emergentes. O que nos coloca em desvantagem, aponta, são os recorrentes resultados fiscais ruins.

A delicada situação das nossas contas públicas certamente não provém da falta de receitas, isto é, de baixa carga tributária. Pelo contrário, os brasileiros são os que mais pagam impostos, entre os seus pares, e, além disso, temos a pior relação no mundo entre tributos pagos e serviços devolvidos à sociedade. O problema está no excesso de gastos públicos e na má qualidade desses gastos, em todos os poderes e em todos os níveis da federação. Isso fica evidente novamente com o comportamento oportunista do Congresso, aproveitando-se do conflito político entre o Governo Central e os estados, para tentar distribuir benesses e atender necessidades que tem pouco a ver com a crise e muito com a histórica irresponsabilidade de muitos governadores e prefeitos. O poder público servindo-se do público em vez de servir a sociedade. É o rabo balançando o cachorro! O economista Marcos Mendes caracterizou bem: caronavírus.

Publicado no jornal O Estado – CE em 12 de junho de 2020.

Sabendo gastar, não vai faltar

As características, a dimensão e as incertezas trazidas pela crise da Covid-19 estão levando os países a gastar uma munição sem precedentes. Os governos estão implementando programas, mais focados em gastos públicos ou em créditos fiscais com garantias públicas, que trazem desafios futuros de reequilíbrio difíceis de medir nesse momento. A título de exemplo, o economista Manoel Pires apresentou recentemente, em reunião do Conselho Superior de Economia da Federação das Indústrias do Estado de São Paulo (Fiesp), dados em percentual do PIB dos gastos somados ao crédito de alguns países (veja tabela a seguir).

https://amanha.com.br/images/p/9361/b2ap3_large_Tabela-valendo.png

Segundo Pires, o programa brasileiro pode chegar aos R$ 800 bilhões, com quase R$ 600 bilhões em gastos e desonerações. Sem dúvida, é um esforço robusto, arrojado, considerando a frágil situação fiscal do país, e que poderá elevar o déficit primário do governo federal a R$ 1 trilhão em 2020, se a economia demorar a reagir. Economias pretendidas pela Reforma da Previdência em uma década para apagar o incêndio em um ano. Motivo mais do que suficiente para redobrarmos a responsabilidade fiscal de quem propõe, de quem aprova e de quem executa as medidas emergenciais. A sociedade brasileira está concedendo ao Poder Público poderes especiais para salvar vidas e empregos em meio à pandemia e não licença para gastar.

O Fundo Monetário Internacional (FMI) não é muito otimista com o quadro do Brasil pós-coronavírus. Além de uma forte recessão em 2020 (estimativa de queda do PIB de 5,3% feita em meados de abril), prevê para o país a retomada mais fraca entre os emergentes, com crescimento de 2,9% em 2021, contra 4% na América do Sul e 6% na média das nações em desenvolvimento. Segundo o FMI, a nossa dívida bruta pode chegar a 98% do PIB, contra 63% dos emergentes. O que nos coloca em desvantagem, aponta, são os recorrentes resultados fiscais ruins.

A delicada situação das nossas contas públicas certamente não provém da falta de receitas, isto é, de baixa carga tributária. Pelo contrário: os brasileiros são os que mais pagam impostos, entre os seus pares e, além disso, temos a pior relação no mundo entre tributos pagos e serviços devolvidos à sociedade. O problema está no excesso de gastos públicos e na má qualidade desses gastos em todos os poderes e em todos os níveis da federação. Isso fica evidente novamente com o comportamento oportunista do Congresso, aproveitando-se do conflito político entre o governo central e os Estados, para tentar distribuir benesses e atender necessidades que tem pouco a ver com a crise e muito com a histórica irresponsabilidade de muitos governadores e prefeitos.

De um lado, pressionam o Congresso a aprovar ajudas mais generosas do Tesouro Nacional para cobrir rombos orçamentários e, de outro, promovem aumentos salariais para servidores, que têm estabilidade de emprego, em meio a uma grave pandemia que tem levado à suspensão de contratos de trabalho, reduções salariais de 8 milhões de trabalhadores na iniciativa privada e desemprego no mundo real. A Câmara de Deputados havia aprovado um plano de socorro de R$ 100 bilhões, sem qualquer contrapartida dos entes ajudados, mesmo diante de inconcebíveis reajustes a servidores concedidos por governadores quebrados, como o do Rio de Janeiro. O programa foi melhorado no Senado, mas não evitou que a maioria dos Estados corresse para aprovar aumentos salariais antes que o Presidente da República vetasse a flexibilização desses reajustes. Mais uma vez o socorro financeiro da União será usado para pagar salários. Ou seja, o Poder Público servindo-se do público em vez de servir a sociedade. É o rabo balançando o cachorro! O economista Marcos Mendes caracterizou bem: caronavírus.

Tão importante quanto gastar bem, é limitar esses gastos excepcionais ao efetivo combate à pandemia e pelo tempo estritamente necessário. Nesse sentido, o governo propôs e o Congresso aprovou o que foi denominado de Orçamento de Guerra, específico, delimitado, para não contaminar o Orçamento Geral nem os orçamentos futuros, para não comprometer a credibilidade fiscal do país. O secretário-executivo do Ministério da Economia, Marcelo Guaranys, contudo, alertou para prováveis pressões políticas populistas para perenizar programas criados durante a pandemia, o que pode comprometer o crescimento futuro do país. A exemplo do auxílio emergencial de R$ 600 que políticos querem transformar em programa de renda mínima. Acontece que só a primeira etapa desse auxílio consumirá perto de R$ 150 bilhões num período de três meses e será um dos principais ingredientes para fazer de 2020 o ano com o pior resultado fiscal da história, com déficit primário se aproximando de 9% do PIB.

Para Adolfo Sachsida, secretário de Política Econômica, não há como aumentar gastos públicos, mas é possível realocar recursos de programas que não são eficientes para fortalecer a rede de assistência social e discutir um novo formato para o auxílio emergencial. O Banco Mundial aponta que o Simples é um programa caro e pouco efetivo, ao contrário do Bolsa Família, que é considerado eficiente. Portanto, precisamos aumentar a qualidade do gasto e não gastar mais. Um antigo refrão continua atual: “sabendo gastar, não vai faltar”. A classe política precisa entender que, depois dessa pandemia, a viúva não estará mais aí para pagar as contas. E não haverá mais almoço grátis.

O Brasil é um país rico, mas precisa parar de desperdiçar, e deve preservar conquistas importantes como o Teto dos Gastos, principal âncora fiscal no momento, e reformas recentes. E seguir na trajetória de novos avanços que já estavam na pauta antes dessa crise. Convergência política, senso de urgência e decência no trato da coisa pública podem levar ao país que nossos filhos gostariam que deixássemos para eles.

Segue link do artigo publicado em 03.06.2020 na revista Amanhã: https://amanha.com.br/brasil/sabendo-gastar-nao-vai-faltar

Vamos resolver uma crise sem gerar outra

A Covid-19 tem obrigado governos a usar bazucas e canhões para enfrentar um inimigo invisível. De um lado, um confinamento que derruba a demanda, e de outro, a paralisação de quem produz, aleijando a oferta. Uma recessão generalizada já é certa em 2020, na casa dos 2% a 3%. Uma eventual depressão já é avistada. No Brasil, quando ansiávamos sair da crise de 2015-2016, vemos previsões de queda da economia de 2% a 6%. Não há dúvida de que a prioridade é salvar vidas, mas será que vale gastar sem arcar com as consequências? O que pode advir da explosão do desemprego, da evaporação da renda das famílias, de problemas emocionais e outros mais?

Hoje política monetária é uma ferramenta praticamente indisponível, dados os níveis historicamente reduzidos dos juros. Também pelo fato de o confinamento levar a uma queda abrupta de liquidez de famílias e empresas, a principal alternativa passa a ser a política fiscal, o aumento dos gastos dos governos.

Mas no Brasil não devemos repetir a experiência de 2008, quando para enfrentar a crise promovemos um aumento de gastos permanentes, num processo crescente de transferência de recursos da sociedade para o poder público, para manter uma máquina governamental que absorve 20% do PIB, estrangulando investimentos, produtividade e competitividade. O que resultou em desemprego, dificuldades de adequamento à economia digital e crise nos serviços públicos básicos.

Não há necessidade de desrespeitar a Lei de Responsabilidade Fiscal, que prevê mecanismos para enfrentar situações excepcionais, nem o teto dos gastos, que devemos procurar retomar em 2021.

A âncora fiscal deve ser preservada para não minar a confiança dos investidores, ainda mais se considerarmos que a recessão esperada também terá forte impacto na arrecadação de impostos, que poderá encolher R$ 300 bilhões se a economia cair 4,5%. Quanto mais responsabilidade fiscal tivermos agora, menores as privações futuras, e melhores condições teremos para embarcar numa recuperação da economia mundial prevista para 2021.

Publicado no Jornal Notícias do Dia (impresso e on-line) em 02/05/2020.