A crise fiscal e a crise sanitária

O Estado brasileiro gasta muito, gasta mal, e cada vez gasta mais. Estudo do Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID) indicou que o desperdício de recursos públicos no Brasil foi de 4% do PIB (US$ 68 bilhões) em 2019. É o que nos falta para os investimentos que fariam toda a diferença para o crescimento do país, sem gerar risco fiscal. O economista Márcio Garcia aponta que, ao longo do tempo, várias medidas procuraram conter o contínuo avanço do gasto público, com destaque para a Lei de Responsabilidade Fiscal e o Teto dos Gastos, e que agora “tais controles estão fazendo o sistema ranger, sobre a fortíssima pressão política por mais gastos”. Pressão vinda do Congresso Nacional, que inicialmente aprovou um orçamento fictício, inexequível, reduzindo artificialmente gastos obrigatórios que ele mesmo validou e que não podem ser reduzidos, para embutir um nível indecente de emendas parlamentares destinadas a atender interesses muitas vezes eleitoreiros de deputados e senadores. E pior, no meio da grave crise sanitária, esses gastos propostos nada têm a ver com o combate à pandemia.

O ano de 2020 foi absolutamente atípico e exigiu gastos dispêndios inéditos para fazer frente a uma pandemia que praticamente paralisou o planeta. O Brasil foi um dos países que mais gastou com a proteção aos mais vulneráveis e a preservação de empregos, em linha com os países desenvolvidos, e por isso também teve uma retração do PIB menor do que o esperado. E esse nível maior de gastos também permitiu uma forte recuperação da economia no segundo semestre.

Esse aumento de gastos do governo, todavia, levou ao forte crescimento da dívida pública, que chegou a 89,3% do PIB, e a um déficit primário de R$ 743 bilhões. E essa conta que foi criada precisa ser paga: um caminho saudável, que permitiria manter baixas taxas de juros, aumento de investimentos e do emprego é o das reformas, somando ao controle dos gastos correntes e obrigatórios do Estado, e dos gastos tributários. E há espaço para esse enxugamento, considerando que a máquina pública custa hoje 20% do PIB, num momento em que o governo não tem recursos para investir, e presta serviços de terceiro mundo à sociedade. A velocidade do programa de vacinação potencializa o processo de recuperação.

Segundo o economista Fernando Rezende, a proposta orçamentária do governo para 2021 apontava previsão de R$ 1,476 trilhões para despesas obrigatórias e R$ 1,333 trilhão de receitas primárias líquidas. O que significa, nenhum espaço para outros gastos, muito menos para os R$ 26,5 bilhões em emendas parlamentares adicionais embutidas pelo relator, o senador Márcio Bittar, na proposta inicialmente aprovada no Legislativo.

Para apagar o incêndio gerado pelo embate do governo com o Parlamento na questão do orçamento, foi aprovado o projeto de lei do Congresso Nacional (PLN 2), excluindo do teto e do resultado primário os gastos com a Covid-19, uma continha de R$ 110 bilhões, e sem um limite predeterminado. E com o risco, novamente, de tornar permanentes parte desses gastos.

*Empresário, membro do Conselho Superior de Economia da Federação das Indústrias do Estado de São Paulo (Fiesal e do Conselho Empresarial da América Latina Ceal).

Publicado no Jornal O Estado do Maranhão.

Insistimos em não querer enxergar

Se existe um problema crônico na gestão pública brasileira é a pressão por mais gastos. Vinda de todos os poderes, nos três níveis da Federação. Por vezes, mais de um, e outras, mais de outro. A realidade é que o Estado brasileiro gasta muito, gasta mal, e cada vez mais. Estudo do Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID) indicou que o desperdício de recursos públicos no Brasil foi de 4% do PIB (US$ 68 bilhões) em 2019. É o que nos falta para os investimentos que fariam toda a diferença para o crescimento do país, sem gerar risco fiscal.

O economista Márcio Garcia aponta que, ao longo do tempo, várias medidas procuraram conter o contínuo avanço do gasto público, com destaque para a Lei de Responsabilidade Fiscal e o Teto dos Gastos, e que agora “tais controles estão fazendo o sistema ranger, sob a fortíssima pressão política por mais gastos”. Pressão vinda do Congresso Nacional, que inicialmente aprovou um orçamento fictício, inexequível, reduzindo artificialmente gastos obrigatórios que ele mesmo validou e que não podem ser reduzidos, para poder embutir um nível indecente de emendas parlamentares destinadas a atender interesses muitas vezes eleitoreiros de deputados e senadores.

E pior, no meio de grave crise sanitária, esses gastos propostos nada têm a ver com o combate à pandemia. É como se a função pública permitisse ao seu ocupante escolher usufruir os bônus do gasto e transferir a responsabilidade fiscal aos outros. É a recorrente criação de um mundo irreal, de desrespeito à sociedade e às futuras gerações, que tem custado caro ao país. Um Brasil de muitas riquezas e de pouco progresso, que vem há vinte anos crescendo menos do que os demais países em desenvolvimento.

O ano de 2020 foi absolutamente atípico e exigiu gastos inéditos para fazer frente a uma pandemia que praticamente paralisou o planeta. O Brasil foi um dos países que mais gastou com a proteção aos mais vulneráveis e à preservação de empregos, em linha com os países desenvolvidos e, por isso, também teve uma retração do PIB menor do que o esperado. E esse nível maior de gastos também permitiu uma forte recuperação da economia no segundo semestre, especialmente de setores ligados à produção de bens duráveis, intermediários e farmacêuticos, e serviços ligados à saúde, para onde foi direcionado o aumento de poupança proveniente do pacote de ajuda emergencial.

Esse aumento de gastos do governo, todavia, levou ao forte crescimento da dívida pública, que chegou a 89,3% do PIB, e a um deficit primário de R$ 743 bilhões. Como bem alertou o ex-presidente do Banco Central Henrique Meirelles, “os gastos foram necessários, mas é preciso parar, é preciso ter um limite… A pior coisa seria sair de uma crise sanitária e entrar numa crise fiscal”. E essa conta que foi criada precisa ser paga, ou por aumento de carga tributária, que a sociedade não aceita mais, ou por uma trajetória explosiva da dívida pública, que certamente comprometeria o crescimento e nos levaria a um passado de má lembrança, ou por um caminho saudável, que permitiria manter baixas taxas de juros, aumento de investimentos e do emprego, que é o das reformas, somado ao controle dos gastos correntes e obrigatórios do Estado, e dos gastos tributários. E há espaço para esse enxugamento, considerando que a máquina pública custa hoje 20% do PIB, num momento em que o governo não tem recursos para investir, e presta serviços de terceiro mundo à sociedade. É o rabo balançando o cachorro. Desnecessário dizer que a velocidade do programa de vacinação potencializa o processo de recuperação.

Segundo levantamento do economista Fernando Rezende, a proposta orçamentária do governo para 2021 apontava previsão de R$ 1,476 trilhão para despesas obrigatórias e R$ 1,333 trilhão de receitas primárias líquidas. O que significa nenhum espaço para outros gastos, muito menos para os R$ 26,5 bilhões em emendas parlamentares adicionais embutidas pelo relator, o senador Márcio Bittar, na proposta inicialmente aprovada no Legislativo. Para apagar o incêndio gerado pelo embate do governo com o Parlamento na questão do orçamento, foi aprovado o projeto de lei do Congresso Nacional (PLN 2), excluindo do teto e do resultado primário os gastos com a covid-19, uma continha de R$ 110 bilhões, e sem um limite predeterminado. E com o risco, novamente, de tornar permanentes parte desses gastos, como o Pronampe — programa de financiamento às micro e pequenas empresas. Isso remete à pessoa que gasta mais do que ganha e busca um novo cartão de crédito para resolver o problema.

Publicado no Correio Braziliense.

Estado a serviço da sociedade

Que precisamos seguir no caminho das reformas, se quisermos criar as bases para um crescimento consistente, é entendimento generalizado. A discussão é mais em torno do conteúdo delas, e da ordem. A tributária e a administrativa são prioritárias. Na tributária, temos dois aspectos que precisam ser revistos: a complexidade e a alta carga de impostos.

A estrutura de impostos brasileira tem sido, apropriadamente, chamada de manicômio tributário. Segundo o Instituto Brasileiro de Planejamento e Tributação (IBPT), uma empresa no Brasil precisa estar atenta a 4.078 normas, compostas por 45.791 artigos e 106.694 parágrafos, para procurar atender às obrigações fiscais. Somando as instâncias federal, estadual e municipal, obriga empresas que atuam em todo o país a observar até 400 mil leis, decretos, medidas provisórias, portarias, instruções normativas e atos declaratórios. O Brasil é de longe o campeão mundial em horas necessárias ao cumprimento das obrigações fiscais, o que consome em média 1,5% do faturamento anual das suas companhias, e impõe um custo total estimado de R$ 65 bilhões. Com a aprovação do Simples há alguns anos para micro e pequenas empresas, consolidou-se o complicado para os outros. Deixou mais explícita a necessidade de descomplicar tudo. As duas propostas que tramitam no Congresso (PEC 45 e PEC 110), apesar de trazer mudanças importantes, preveem um período de transição longo, o que significa que o que é complicado ficará ainda pior durante o longo período de convivência do complicado anterior com o novo sistema.

Essa simplificação é importante e urgente porque a confusão existente hoje reduz a produtividade da economia e assusta o investidor estrangeiro. Quanto à igualmente importante questão da alta carga tributária no país – a mais alta entre as nações em desenvolvimento –, ela deve ser precedida da redução do custo da máquina pública. Nenhum gestor vai abrir mão de arrecadação enquanto não cair a necessidade de recursos para o funcionamento da respectiva unidade federativa. E é aí que entra a reforma administrativa. Não se discute Estado grande ou pequeno. E sim, Estado forte ou fraco, com musculatura ou gordura, eficiente ou ineficiente. O que não depende de tamanho, e sim de qualidade. A qualidade do gasto fará a diferença, inclusive para deixarmos o pódio de pior relação do mundo entre impostos arrecadados e qualidade dos serviços prestados à população.

E isso não é de agora. Já dura duas décadas. Nos anos 90, tínhamos carga tributária de 25% do PIB, e conseguíamos investir igual percentual, dos quais 5% em infraestrutura, uma boa parte investimento público. Hoje, a carga flerta com os 35%, e o investimento não passa mais dos 15%, sobrando menos de 1% para a infraestrutura, o que não cobre nem a depreciação do estoque, acentuando o custo Brasil. O Estado cobra cada vez mais e consegue investir cada vez menos. De outro lado, o consumo do governo dobrou, chegando a 20% do PIB. Significa que o poder público extrai parcela crescente da riqueza da sociedade para manter uma máquina obesa, muitos programas de transferência de renda ineficazes (não se refere aqui àqueles que funcionam e até são referência, como o Bolsa-Família) e gastos tributários para atender grupos de pressão. A sociedade paga conta alta para beneficiar corporações públicas e privadas e recebe cada vez menos de volta, com honrosas exceções como o excelente serviço que vem prestando o SUS durante a grave pandemia que assola o país. São as exceções confirmando a regra.

As reformas são necessárias para que o Estado deixe de ser um fim em si mesmo e volte a servir à sociedade, a desenvolver mais programas sociais eficientes e a criar as bases para um crescimento sustentado, com criação de oportunidades adequadas, a melhor forma de promover a justiça social. Não é aumentando a tributação de alguns para dar a outros que resolveremos isso, pois todos já pagam tributos demais no país, exceto aqueles que têm privilégios. A melhor qualidade do gasto público permitirá reduzir a carga tributária, que deverá beneficiar inicialmente os que hoje pagam proporcionalmente mais. Assim, também não desestimularemos investimentos e as famílias que há décadas vêm poupando para criar empresas familiares fortes, certamente um dos pilares da diversificada estrutura econômica do país.

Publicado no Estado de Minas.

Para conter o crescimento do gasto público

Tudo vinha conspirando a favor da perda do grau de investimento. De um lado, os indicadores de solvência do país continuavam piorando a divida bruta do setor público, que no final de 2014 fechou em 57,22% do PIB, em novembro de 2015 chegou a 65,1%; o déficit nominal, de 6,29% do PIB no início de 2015, chegou, no acumulado de doze meses, a 9,30% em novembro.

Do outro lado, o Congresso recorrentemente votava pautas-bomba, que aumentam os gastos públicos, e aprovava novos gastos obrigatórios, engessando ainda mais o orçamento público. Além disso, o crescimento acelerado das despesas do Estado tem pressionado a inflação. Quanto mais o governo gasta, mais o Banco Central precisa aumentar a taxa de juros para evitar a escalada de preços.

E juros maiores significam crescimento menos, socializando o custo do ajuste, além de agravar o quatro da dívida pública. O sérvio da dívida vem consumindo acima de R4 400 bilhões ao ano, 20 vezes mais do que custa o Bolsa Família. Gastamos nos últimos meses o equivalente a 7% do PIB com juros, enquanto o Japão, que tem proporcionalmente ao PIB uma dívida quatro vezes maios, gastou com juros proporcionalmente a metade.

É que o mercado obra juros mais altos de quem tem gestão fiscal pior. Paulo Rabello de Castro, coordenador do Movimento Brasil Eficiente (BEM), recomenda que o governo federal estabeleça um plano que permita ao país buscar o déficit nominal a zero – que limite o gasto à arrecadação. Propõe também uma medida imediata de contenção das despesas, inspirado em países como os Estados Unidos e Alemanha.

Preservando investimentos, as despesas de custeio, que incluem funcionalismo, veículos oficiais, publicidade, viagens e outros, teriam um corte de 7,6% na média, permitindo chegar a uma economia de R$ 110 bilhões neste ano e em 2017. Segundo o PMI, se aumentarmos a eficiência das despesas com educação, saúde e assistência social, por exemplo, o poder público pode gerar uma poupança de 3,5% do PIB, fundamental para reduzir a dívida pública e aumentar investimentos.

Para isso, é fundamental que se crie uma Instituição Fiscal Independente (IFI), já prevista no art. 67 da Lei de Responsabilidade Fiscal, a exemplo do que fizeram inúmeros países. Denominada Conselho de Gestão Fiscal (CGF), a nossa IFI nunca foi criada porque o artigo até hoje não foi regulamentado.

O BEM vem sendo empenhando para que prospere o PLS 141/2014 do senador Paulo Bauer, que encaminha a criação do CGF. Esse choque de gestão no governo central, então, precisaria ser replicado nos 27 estados, alguns dos quais já vêm avançando nessa direção, e nos mais de 5.000 municípios brasileiros.