Reformas essenciais para não frear o país

A continuar a trajetória dos gastos obrigatórios, crescendo acima da inflação, a sobrevivência da nossa última âncora fiscal – as demais, como a Lei de Responsabilidade Fiscal, já foram “flexibilizadas” – tende a não durar muito. O principal desses gastos, a Previdência, mesmo com a reforma, absorverá no próximo ano R$ 704,4 bilhões, segundo a proposta orçamentária para 2021 que o governo encaminhou ao Congresso.

Em seguida, a conta de pessoal e encargos precisará de R$ 337,3 bilhões, de modo que os gastos com funcionários públicos e aposentadorias consumirão mais de dois terços do orçamento.

Somando os R$ 101,9 bilhões da assistência social – que incluem, além dos R$ 34,9 bilhões do Bolsa-Família, muitos programas sociais que são pouco eficientes no apoio aos pobres –, as emendas impositivas do Congresso e os subsídios, sobra muito pouco para gastos não obrigatórios, que podem ser gerenciados. Desses, a maior parte ainda vai para a manutenção da máquina pública e a menor parte, R$ 28 bilhões, para investimentos.

O robusto pacote de apoio aos mais necessitados e à economia, em função da pandemia, está levando a um forte crescimento da dívida pública, que deverá chegar próximo aos 100% do PIB ainda em 2020.

Nas últimas décadas, todavia, mais do que o nível da dívida, o que mais atrapalhou o país foi o elevado custo de rolagem. Felizmente, estamos hoje com a taxa de juros mais baixa da série histórica, o que é uma ajuda e tanto. Mas, como bem alerta o também ex-secretário do Tesouro Nacional Mansueto Almeida, as previsões indicam um período de três a quatro anos de juros reais muito baixos, uma janela que deve ser aproveitada para avançar nas reformas estruturais.

Se isso não acontecer, ou se não preservarmos o teto dos gastos, segundo Mansueto, os juros subirão, o que será um desastre para as contas públicas e exigiria um ajuste fiscal radical. De qualquer forma, afirma, a forte pressão sobre o teto, que virá em 2022, vai exigir redução das despesas obrigatórias.

Muitos projetos meritórios acabam sacrificados pela falta de espaço fiscal, principalmente na infraestrutura. Mas furar o teto para implantá-los traria mais prejuízos do que benefícios para a sociedade.

O foco deve ser mudar de gastar mais para gastar melhor. Transformar algo inchado e ineficiente em uma instituição forte, capaz de efetivamente cumprir o papel do Estado moderno, que possa impulsionar e não frear o país, que ao invés de capturar quase toda a riqueza produzida pela sociedade para cobrir os custos da máquina pública, estimule a economia.

A realização das reformas estruturais, especialmente a administrativa e a tributária, é um passo necessário para esse avanço.

Publicado no Jornal A Tarde – Salvador/BA.

Limitar e qualificar os gastos públicos

Somos o país com a pior relação do planeta entre impostos arrecadados e serviços devolvidos à sociedade. Temos a mais alta carga tributária entre os países em desenvolvimento, e os serviços que todos conhecemos.

O economista Marcos Mendes, ex-consultor do Senado e um dos maiores estudiosos da relação entre gasto público e crescimento econômico, tem destacado que as despesas com políticas públicas no Brasil são bem maiores do que em outros países emergentes, e com resultados piores. Cita o exemplo da educação, onde o gasto evoluiu de 3,9% do PIB em 2000 para 6,2% em 2015. Gastamos hoje mais do que 89% dos países que divulgam informações, com desempenho abaixo da grande maioria. E a recente aprovação de mais verbas para o Fundeb continuou considerando que o nosso problema é de falta de recursos e não de qualidade na sua aplicação. Isso explica porque o gasto público cresceu em termos reais mais de 5% a.a. em média entre 1991 e 2016, e a produtividade próxima a zero. Isso também explica porque o ministro Paulo Guedes e sua equipe têm encontrado tanta dificuldade para definir fontes de recursos para o novo programa Renda Cidadã, uma vez que as alternativas para melhorar a qualidade dos gastos sociais foram glosadas, o simples aumento dos mesmos não cabe no teto dos gastos, e o caminho do aumento de impostos não cabe mais no bolso do contribuinte.

Também no pacote fiscal e monetário para enfrentar a pandemia, fomos arrojados (11,8% do PIB), na comparação com os pares emergentes, tanto quanto a Índia (também 11,8%), porém mais do que a África do Sul (10%), China (4,5%), Indonésia (4,4%), Turquia (3,8%), Rússia (3,4%), Colômbia (2,8%) e México (1,2%). Por outro lado, no pagamento do auxílio emergencial de R$ 600, houve, segundo estimativas do Tribunal de Contas da União, pagamentos indevidos que podem chegar a 20%, ou algo próximo a R$ 50 bilhões. A pressão foi toda pela quantidade. A preocupação com a qualidade ficou na sombra.

Existe um velho e sábio ditado: se souber gastar, não vai faltar. Vale para qualquer um de nós, para empresas e para governos. E “governos” não significa apenas Poder Executivo, mas também o Legislativo e o Judiciário, não só pelos gastos internos, mas também pelas decisões que tomam e que impactam os dispêndios. A nível federal, estadual e municipal. Um bom início de avaliação é entender que as corporações se apropriaram do Estado brasileiro. As públicas e as privadas. E a classe política, de maneira geral, tem tido pouca disposição para enfrentar poderosos lobbies que defendem bilhões de benefícios fiscais (inclusive a desoneração da folha dos famosos 17 setores, que prejudica alguma eventual desoneração para todos), universidades federais gratuitas para quem pode pagar, remunerações de servidores acima do teto constitucional, e muitos outros privilégios.

O filósofo Francis Fukuyama, no livro Ordem e Decadência Política, de 2014, analisa a experiência de diversos países em termos de modelo de Estado. Escreveu que o Brasil criou um modelo piorado: gigante, caro e prestando serviços ruins à sociedade. Ou seja, temos um governo que, apesar de grande, é fraco, e que, apesar de cobrar muito, devolve pouco. Precisamos de uma versão forte e eficiente. O Poder Público precisa enfrentar um problema cultural que é a dificuldade de lidar com limites. Na questão dos gastos fica claro o esforço contínuo na busca de atalhos para contornar as regras estabelecidas.

Publicado no Diário do Comércio – MG – versões impresso e online.

Se souber gastar, não vai faltar

Somos o país com a pior relação do planeta entre impostos arrecadados e serviços devolvidos à sociedade. Temos a mais alta carga tributária entre os países em desenvolvimento, e os serviços que todos conhecemos.

O economista Marcos Mendes, ex-consultor do Senado e um dos maiores estudiosos da relação entre gasto público e crescimento econômico, tem destacado que as despesas com políticas públicas no Brasil são bem maiores do que em outros países emergentes, e com resultados piores. Cita o exemplo da educação, em que o gasto evoluiu de 3,9% do PIB em 2000 para 6,2% em 2015. Gastamos, hoje, mais do que 89% dos países que divulgam informações, com desempenho abaixo da grande maioria. E a recente aprovação de mais verbas para o Fundeb continuou considerando que o nosso problema é de falta de recursos, e não de qualidade na sua aplicação. Isso explica por que o gasto público cresceu em termos reais mais de 5% ao ano, em média, entre 1991 e 2016, e a produtividade próximo a zero. Isso também explica por que o ministro Paulo Guedes e sua equipe têm encontrado tanta dificuldade para definir fontes de recursos para o novo programa Renda Cidadã, uma vez que as alternativas para melhorar a qualidade dos gastos sociais foram glosadas, o simples aumento dos mesmos não cabe no teto dos gastos, e o caminho do aumento de impostos não cabe mais no bolso do contribuinte.

Também no pacote fiscal e monetário para enfrentar a pandemia fomos arrojados (11,8% do PIB) na comparação com os pares emergentes: tanto quanto a Índia (também 11,8%), porém mais do que a África do Sul (10%), China (4,5%), Indonésia (4,4%), Turquia (3,8%), Rússia (3,4%), Colômbia (2,8%) e México (1,2%). Por outro lado, no pagamento do auxílio emergencial de R$ 600, houve, segundo estimativas do Tribunal de Contas da União, pagamentos indevidos que podem chegar a 20%, ou algo próximo a R$ 50 bilhões. A pressão foi toda pela quantidade. A preocupação com a qualidade ficou na sombra.

Existe um velho e sábio ditado: se souber gastar, não vai faltar. Vale para qualquer um de nós, para empresas e para governos. E “governos” não significa apenas Poder Executivo, mas também o Legislativo e o Judiciário, não só pelos gastos internos, mas também pelas decisões que tomam e que impactam os dispêndios. Em nível federal, estadual e municipal. Um bom início de avaliação é entender que as corporações se apropriaram do Estado brasileiro. As públicas e as privadas. E a classe política, de maneira geral, tem tido pouca disposição para enfrentar poderosos lobbies que defendem bilhões de benefícios fiscais (inclusive a desoneração da folha dos famosos 17 setores, que prejudica alguma eventual desoneração para todos), universidades federais gratuitas para quem pode pagar, remunerações de servidores acima do teto constitucional, e muitos outros privilégios.

A reforma administrativa é um passo importante na direção da qualidade do gasto. Tão ampla e irrestrita quanto a pressão da sociedade viabilizar. Se a população não conhecer melhor o problema e não se manifestar, talvez pouco se avançará. Uma primeira e importante etapa da reforma pode acontecer pela via das legislações ordinária e complementar, a partir de projetos em tramitação no Congresso, pela regulamentação de PECs já aprovadas anteriormente.

A Emenda Constitucional 19 já acabou com a estabilidade do servidor há 22 anos, a depender do seu desempenho. A Emenda Constitucional 41 já limitou os penduricalhos nas remunerações da elite do funcionalismo ao teto legal em 2003. Não foram regulamentadas.

Para implantar a meritocracia, existe o PLP 248, de 28/11/1998, já aprovado no Senado e nas comissões da Câmara, aguardando votação em plenário. Para regulamentar a EC 41, existe o PL 6.726/2016, já aprovado no Senado e aguardando providência do presidente da Câmara.

O risco fiscal é hoje o mais importante componente de uma equação capaz de viabilizar um crescimento sustentável do país. E o componente mais sensível desse risco é o controle e a qualidade do gasto público.

Estudo do Ipea apontou a importância de se manter sinalização clara do compromisso com o equilíbrio fiscal, o que também torna as reformas ainda mais importantes: o novo pacto federativo disciplinando a gestão fiscal nos três níveis de governo; a proposta de emenda constitucional extinguindo mais de 200 fundos de financiamento; a reforma administrativa que busque maior produtividade dos servidores e a contenção da segunda maior despesa da União, e principal gasto dos estados e municípios.

Adicionando a reforma tributária e as reformas microeconômicas que estimulem investimentos, poderemos criar as bases para um crescimento de longo prazo que nos permita escapar da armadilha da renda média.

 Publicado no Estado de Minas – impresso e online.

Qualificar as despesas é o caminho

O robusto pacote de apoio aos mais necessitados e à economia, em função da pandemia, está levando a um forte crescimento da dívida pública, que deverá chegar próxima aos 100% do PIB em 2020.

A sobrevivência do teto dos gastos, a nossa última âncora fiscal – as demais, como a Lei de Responsabilidade Fiscal já foram “flexibilizadas” – tende a não durar muito, tendo em vista a trajetória dos gastos obrigatórios, crescendo acima da inflação.

O principal desses gastos, a previdência, mesmo com a reforma, absorverá no próximo ano R$ 704,4 bilhões, segundo a proposta orçamentária para 2021 que o governo encaminhou ao Congresso. Em seguida, a conta de pessoal e encargos precisará de R$ 337,3 bilhões, de modo que os gastos com funcionários públicos e aposentadorias consumirão mais de dois terços do orçamento.

Somando os R$ 101,9 bilhões da assistência social – que, incluem além dos R$ 34,9 bilhões do Bolsa Família, programas sociais pouco eficientes –, as emendas impositivas do Congresso e os subsídios, sobra pouco pra gastos não obrigatórios, que podem ser gerenciados. Destes, a maior parte ainda vai para a manutenção da máquina pública e a menor parte, R$ 28 bilhões, para investimentos.

Como alerta o ex-secretário do Tesouro Nacional Mansueto Almeida, as previsões indicam um período de três a quatro anos de juros reais muito baixos, uma janela que deve ser aproveitada para avançar nas reformas estruturais. Se isso não acontecer, ou se não preservarmos o teto dos gastos, segundo Mansueto, os juros subirão, o que será um desastre para as contas públicas e exigiria um ajuste fiscal radical. De qualquer forma, afirma, a forte pressão sobre o teto, que virá em 2022, vai exigir redução das despesas obrigatórias.

A realização das reformas estruturais, especialmente a administrativa e a tributária, é um passo necessário para o avanço. O problema não é o teto, e sim os gastos obrigatórios, o excesso e a má qualidade das despesas. Está na hora de o país destravar o freio de mão.

Publicado no Notícias do Dia – versões impressa e online.