É necessário voltar às origens

O Brasil gastou o que tinha – os ganhos com o boom das commodities – e o que não tinha – o aumento do endividamento – , e agora tem uma ressaca para resolver. A falsa ideia de que prosperidade se mede pelo volume dos dispêndios nos colocou nessa crise fiscal. Ainda agora, na discussão da PEC do teto dos gastos, pressionou-se pelo aumentos das despesas com Educação e Saúde. Certamente a sociedade brasileira não está satisfeita com a qualidade desses serviços, menos ainda se considerarmos o volume de impostos que se paga.

Aliás, temos a pior relação no mundo entre tributos pagos e serviços prestados pelo Estado. Isso mostra que não é bem uma questão de quantidade de recursos alocados e, sim, de qualidade dos gastos. Na Educação, por exemplo, gastamos em torno de 6% do PIB, mais do que a maioria dos países, mesmo aqueles que, como a Coreia do Sul, destacam-se nos primeiros lugares dos testes internacionais de proficiência, como o Pisa, ranking global em que o Brasil tem ocupado as últimas posições.

Essa gastança não só trouxe a insolvência de inúmeros entes federativos, como levou a carga tributária a níveis insustentáveis, a taxa de juros a um dos patamares mais elevados do planeta e colocou a dívida pública numa rota preocupante. A dívida bruta, que representava 51,7% do PIB em 2013, 66,2% em 2015, ultrapassará os 70% este ano, numa trajetória para alcançar os 100% em pouco tempo. Com um agravante sério: trata-se do maior serviço de dívida do mundo.

Trajetória semelhante ao de muitas famílias, que estimuladas a gastar, fizeram-no além da capacidade de pagamento, tendo que contar ainda com o imprevisto da perda de emprego. Como o Brasil está tendo que enfrentar o fim da bonança do boom das commodities. A imprudência faz esquecer que após um período de vacas gordas pode vir um de vacas magras.

É hora de arrumar a casa, de estancar o processo que tem levado o poder público a gastar mais do que arrecada; mais do que isso, é hora de inverter uma perniciosa trajetória na qual o governo vinha se apropriando de parcela crescente da riqueza gerada pela sociedade, via aumento de tributos. Pior: tributos gastos em sua maioria de forma ineficiente, muito para manter a própria máquina pública e devolver serviços de baixa qualidade – cerca de 20% do PIB – e pouco para investir nas bases para o crescimento do país – não mais de 2% do PIB.

Louvável é o esforço da equipe econômica para atacar a raiz do problema, apesar da derrapada inicial em que se permitiram significativos aumentos no custeio dos poderes da República. A aprovação no Congresso da PEC que limita os gastos, mesmo que idealmente o limitador devesse ser uma fração do crescimento do PIB, foi um passo importante.

Mas ficará capenga se não estiver escorada na reformulação da Previdência, que equivale a aproximadamente 45% do gasto primário do governo. Portanto, espera-se dos nossos parlamentares nesta segunda etapa o mesmo grau de responsabilidade que demonstraram no primeiro passo já dado.

Também os estados devem fazer a sua parte, racionalizando gastos, aumentando as contribuições previdenciárias dos servidores e criando fundos de previdência complementar para eles, e se dispondo a sentar à mesa com a União para resolver o velho problema da guerra fiscal, diante das inúmeras concessões e apoios que vêm recebendo do governo central.

Precisamos converter um círculo virtuoso que atravanca o Brasil em um círculo virtuoso que alavanque o país. Everardo Maciel mencionou dias atrás um pensamento de José Guilherme Merquior: no Brasil há Estado de mais e Estado de menos. De mais, no que não precisamos; de menos, no que precisamos. É necessário voltar às origens e lembrar que ele – o Estado – existe para servir à sociedade.

Artigo publicado no Jornal O Globo em 21/12/2016.

O inverno sempre vem

Crise política à parte, é importante reconhecer e apoiar o esforço que o atual governo vem fazendo para estancar uma crise econômica que afeta fortemente a vida de famílias e empresas brasileiras. Um bom tratamento requer diagnóstico correto, e há que se enaltecer aqui o mérito da equipe econômica. O país está pagando o preço de um período de gastança desenfreada, fruto de avaliação primária e irresponsável de que o boom de commodities não acabaria nunca. A crianças aprendem, na historinha da cigarra e da formiga, que, após o verão, sempre vem o inverno, e todos nós sabemos que se alternam períodos de vacas gordas com outros de vacas magras. Por algum capricho da natureza, o poder público deleta esses ensinamentos e tende a descuidar do princípio da precaução. Nos bons tempos, não só se gastou tudo o que foi colhido, como se aumentou carga tributária ao limite, e se colocou a dívida pública numa rota explosiva, para suportar gastos adicionais. E, diante dos crescentes sinais de que as contas não fechavam, buscou-se o caminho mais cômodo, para dizer o mínimo, de culpar a crise externa, o fim das vacas gordas, pela crise criada. O governo insistia em passar para a sociedade uma estranha mensagem de que não esperava que, após o verão e outono, viesse o inverno.

O desafio é controlar o irresponsável aumento dos gastos públicos correntes (custeio + transferências) e reconstruir as bases para a retomada do crescimento econômico sustentado. A PEC 55, do teto dos gastos, aguarda a segunda e última votação no Senado para ir a sanção presidencial. É passo importantíssimo, mesmo estabelecendo a inflação do ano anterior como limitador, e não o crescimento do PIB, que efetivamente evitaria o avanço do Estado sobre a riqueza marginal criada pela sociedade. Necessariamente, o passo seguinte deve ser a reforma da Previdência Social, maior dispêndio do governo, incluindo o encaminhamento dos seus dois maiores desequilíbrios, as aposentadorias dos servidores públicos e dos trabalhadores rurais. Até como condição para viabilizar o primeiro passo. Vale para todos os poderes, nos níveis federal, estadual e municipal.

E quanto mais tarde os ajustes vierem, mais caros serão, além de adiarem a retomada dos investimentos que criam as bases estruturais para o crescimento e geração de empregos.

Artigo publicado no Diário Catarinense em 09/12/2016.

A necessária coerência nas propostas de ajustes

As finanças de alguns  estados brasileiros estão literalmente quebradas. Fruto de má gestão e de corrupção, mas também de distorções estruturais que vêm sendo construídas ao longo dos anos. Até dá para entender a resistência das corporações a pacotes de ajustes que necessariamente precisam ser feitos. Ninguém gosta de fazer sacrifícios diante dos desmandos e desperdícios de recursos públicos que temos visto no país. Por outro lado, além do combate aos malfeitos, temos que corrigir graves distorções na estrutura dos gastos públicos.

Um exemplo são os insustentáveis 20% do PIB alocados ao custeio da máquina pública e que tem crescido, sistematicamente, acima da inflação e do próprio crescimento da economia. Significa que o Estado vem avançando sobre a riqueza gerada por cidadãos e empresas para manter uma máquina pública inchada, que devolve serviços de má qualidade à população. A propósito, temos a pior relação do mundo entre impostos cobrados e retorno à sociedade. Por isso é imprescindível que o Senado aprove a PEC 55 (que limita o crescimento dos gastos), que já passou pela Câmara dos Deputados.

Provavelmente, o maior ingrediente desse desajuste das contas públicas, tanto nos estados quanto na União, é o desequilíbrio na previdência. Em 2015, o Regime Próprio da Previdência Social (RPPS), que assiste em torno de um milhão de aposentados e pensionistas do setor público federal, apresentou déficit de R$ 73 bilhões (R$ 73 mil por assistido). A maior parte dos estados brasileiros também têm nos seus regimes previdenciários a principal fonte de desequilíbrio orçamentário. Alguns, como São Paulo e Santa Catarina já criaram regimes complementares que encaminham soluções de médio e longo prazo.

Já o Regime Geral da Previdência Social (RGPS), que atende em torno de 28 milhões de beneficiários da iniciativa privada, apontou um buraco de R$ 89 bilhões (R$ 3.178 por assistido) em 2015. Acontece que esse déficit do RGPS é fruto de um saldo negativo de R$ 91 bilhões dos trabalhadores rurais e de um pequeno superávit dos trabalhadores urbanos.

No primeiro semestre de 2016 o rombo nas aposentadorias do campo cresceu 13% em relação aos seis primeiros meses de 2015 e as urbanas passaram a também apresentar um saldo negativo, de R$ 13,5 bilhões, especialmente pelo crescimento do desemprego que impacta as receitas previdenciárias.

É notório que o sistema brasileiro de previdência e assistência é excessivamente generoso e necessita de uma reformulação geral, com medidas como o estabelecimento de idade mínima de aposentadoria e de desindexação em relação ao salário mínimo. Por outro lado os números acima apontam que os grandes problemas estruturais estão na previdência dos servidores públicos e dos trabalhadores rurais. Mesmo que aí as dificuldades políticas sejam maiores, são esses os pontos a merecer maior atenção.

O economista Nilson Teixeira faz interessante análise que reforça esse entendimento. Aponta que o déficit atuarial dos servidores da União alcançava, em 2015, 73% do total da dívida mobiliária em mercado. É como se cada um dos demais servidores e trabalhadores do país tivesse que, além de pagar as suas próprias contas, fazer uma poupança de aproximadamente R$ 22 mil (a valores de dezembro de 2015) para ajudar a cobrir o rombo da conta de aposentadorias e pensões dos servidores federais.

Não faria nenhum sentido que a proposta de Reforma da Previdência, a ser encaminhada ao Congresso, abrangesse apenas o sistema  RGPS, especialmente no que se refere aos trabalhadores urbanos, sem definir a forma de contribuição dos trabalhadores rurais e sem aumentar a contribuição dos servidores públicos. É condição para convencer o restante da sociedade a fazer mais sacrifícios.

Publicado no Jornal A Tarde – BA em 04/12/2016.

Restabelecendo a coerência

Famílias que gastam mais do que ganham ficam inadimplentes, perdem o crédito e certamente perderão seu patrimônio. Empresas ainda podem recorrer à recuperação judicial, mas, se não conseguirem equilibrar as contas, quebram.

O governo, por sua vez, vinha gastando muito mais do que arrecadava. De 2002 a 2014, o gasto, exclusive juros, da União cresceu 344%, comparado a 108% do IPCA e 46% do PIB real.

Em vez de conter as despesas, o governo tem buscado os caminhos mais fáceis para resolver a questão, socializando o ajuste: aumentos infindáveis de impostos, expansão da dívida pública com um serviço absurdamente elevado, pedaladas fiscais e política monetária frouxa.

As consequências são visíveis: pressão inflacionária, serviços públicos de baixa qualidade e queda de investimentos, comprometendo  a capacidade da economia.

Por que a sociedade é obrigada a arcar com os custos de seus erros, enquanto o poder público foge às suas responsabilidades e comodamente transfere o ônus dos desmandos para famílias e empresas?

É uma inversão total de valores. A máquina pública não pode ser um fim em si mesma, nem pode estar a serviços de grupos de interesse ou ideologias.

Certamente existem também desequilíbrios estruturais que debilitam as finanças públicas. Parte é decorrente da Constituição de 1988, que foi pródiga na criação de despesas e concessão de regalias.

Além disso, a criação de benefícios a grupos próximos ao poder e a expansão exagerada de programas sociais pouco eficientes muito contribuíram para o delineamento do quadro caótico que vemos hoje.

Em novembro de 2015, o então ex-presidente do Banco Central Henrique Meirelles, perguntado sobre como se resolve esse desequilíbrio fiscal, afirmou: “Com corte de despesas públicas. Com a pesada carga tributária atual, elevar impostos reduz crescimento, o que reduz arrecadação”.

O hoje ministro da Fazenda tem claro que extrair riqueza da sociedade tem um limite, até porque recursos na mão das empresas e famílias são alocados com muito mais efetividade. O assalto à poupança privada nos últimos 20 anos certamente é o principal responsável pela baixa produtividade e competitividade da economia brasileira.

Segundo o economista Raul Veloso, um dos fundadores do Movimento Brasil Eficiente (MBE), “cerca de 75% do gasto federal é composto de pagamentos diretos a pessoas, como se fossem uma gigantesca folha de pagamento, de benefícios previdenciários e assistenciais, além do pessoal ativo e inativo”.

E faz algumas provocações: porque não leiloar a gestão dessa enorme folha ao setor privado, que prestaria um serviço melhor a um custo mais baixo e dispensaria a necessidade de milhares de servidores, prédios e despesas?

Existem, pois, caminhos eficientes para que o governo cumpra o seu papel de estimular o crescimento com justiça social. As suas responsabilidades não lhe dão o direito de avançar sobre os direitos da sociedade, como temos visto.

Até porque isso tem levado o Poder Público a servir-se, e não a servir o público, que é a sua função primordial.

                      

Publicado na Folha de São Paulo – 28/11/2016

 

http://www1.folha.uol.com.br/opiniao/2016/11/1835884-restabelecendo-a-coerencia.shtml

Gasto público como meio e não como fim

Pesquisa realizada pelo Ibope para a Confederação Nacional da Indústria (CNI) aponta as duas medidas que a população brasileira considera cruciais para o equilíbrio das contas públicas: redução das despesas de custeio da máquina pública e dos salários dos servidores.

Oito em cada 10 brasileiros são favoráveis à redução dos gastos do governo.

Justificando a necessidade da PEC 241/2016, do teto dos gastos, o ministro da Fazenda, Henrique Meirelles, atribui a atual crise econômica ao descontrole das despesas públicas nos últimos anos que, segundo ele, cresceram mais de 50% acima da inflação de 2007 a 2015. Segundo dados oficiais, nos últimos 25 anos a despesa primária federal cresceu, em média, 6% ao ano em termos reais.

O secretário de Acompanhamento Econômico do Ministério da Fazenda, Mansueto Almeida, reconhece a necessidade de cuidar da eficiência do gasto público, de “passar um pente fino na despesa”, avaliar cada um das centenas de projetos e programas do orçamento federal e verificar quais produzem resultados adequados. Assim, diz, será possível manter e melhorar os gastos sociais , atendendo os realmente necessitados, e eliminar distorções , como uma medida de tributação especial que custa R$ 1,5 bilhão ao ano e beneficia apenas uma empresa – valor equivalente ao gasto anual com a aquisição de medicamentos para a farmácia popular.

A aprovação da PEC 241 provavelmente trará para discussão vários temas que hoje são pouco discutidos: estabilidade dos funcionários públicos, universidade pública gratuita para quem pode pagar, férias de dois meses por ano para juízes e procuradores, greve de servidor público sem corte de ponto, subsídios para grandes empresas, manutenção de seis bancos estatais federais, entre outros.

É imperativo que se revejam privilégios e se eliminem desperdícios na gestão do Estado, que não pode mais se colocar como um fim em si mesmo, comprometendo a capacidade de investimento do país e os próprios programas sociais. Outros países que gastam muito com bem estar social, como Suécia ou Dinamarca, tem poucos funcionários públicos e uma estrutura administrativa pública enxuta e eficiente.

Publicado no Diário Catarinense, A Notícia e Jornal de Santa Catarina em Blumenau – 12 e 13/11/2016.