Previdência: sem desperdício da crise

Em 2014, o Regime Geral da Previdência Social (INSS), que atende aproximadamente 27 milhões de trabalhadores do setor privado, apresentou R$ 56 bilhões de déficit, enquanto o Regime Próprio dos Servidores, que assiste em torno de um milhão de funcionários públicos, registrou um rombo de R$ 65 bilhões. Uma flagrante distorção que precisa ser corrigida, por estar privilegiando de forma imoral aqueles que por definição deveriam servir o público e não dele servir-se.

A criação dos fundos de previdência complementar dos servidores, que procuram equiparar os regimes públicos àqueles que se aplicam ao trabalhador privado, mas que infelizmente só vigoram para novos entrantes do serviço público, de qualquer forma, é uma luz no fim do túnel, mesmo com a evolução lenta que vem tendo. O Funpresp, fundo criado em 2012 pela União, por exemplo, teve a adesão de menos da metade dos 33 mil novos servidores federais do período.

Outros países também sofrem com desequilíbrios nas contas da previdência. O Chile, por exemplo, fez mudanças importantes como a privatização da previdência em 1981, com a criação dos fundos de capitalização, nos quais as pessoas contribuem de acordo com o nível de aposentadoria desejado.

Ajustes são necessários para as populações mais pobres que não tem conseguido criar as suas contas, mas isso faz parte do processo de aprimoramento do sistema. Lá também foi criado um programa similar ao FGTS (Fundo de Garantia por Tempo de Serviço) que temos aqui, mas que ampara com muito mais eficácia o trabalhador.

Enquanto no Brasil o FGTS fica depositado na Caixa Econômica Federal e rende 3% ao ano, portanto, menos que a inflação, no Chile, as empresas depositam mensalmente um valor proporcional ao salário numa conta do empregado, que pode escolher o banco de sua preferência, remunerando-o com juros de mercado.

A destacar que é desse fundo que vêm os recursos para manter o trabalhador quando estiver desempregado, o que o faz procurar novo emprego o mais rápido possível para não onerar a sua conta. Enquanto isso, no Brasil, mais de 90% dos beneficiários do seguro desemprego só voltam a buscar trabalho com registro na carteira depois de receberem todas as parcelas a que tem direito.

Curiosamente só recentemente, e talvez inspirado no exemplo chileno, foi aprovada na Câmara, e agora tramita no Senado, proposta que remunerará os novos depósitos do FGTS a taxas crescentes, equiparando-as à da poupança em 2019. As distorções da nossa previdência são parte importante dos problemas no país. Tomara que a atual crise permita florescer a vontade política para prosperarem as mudanças necessárias. O Brasil merece.

Texto originalmente publicado em 21.11.2015 no Jornal Notícias do Dia.

Movimento Brasil Eficiente presente na primeira edição do Foco Econômico

Carlos Rodolfo Schneider, coordenador do Movimento Brasil Eficiente (MBE) e presidente da Ciser, participou da primeira edição do Foco Econômico, um painel que reuniu empresários de Santa Catarina em Florianópolis para discutir o cenário atual e as perspectivas para a economia em 2016.

O evento foi promovido pelo jornal O Diário Catarinense. A colunista de economia do jornal, Estela Benetti, mediou um debate entre Carlos Rodolfo Schneider , Décio da Silva, presidente do conselho de administração da WEG e Mário Lanznaster, presidente da Aurora.

Antes do debate, os convidados tiveram alguns minutos para falar sobre seus projetos. Após Décio da Silva, Carlos Rodolfo Schneider apresentou o Movimento Brasil Eficiente, criado há seis anos.

Carlos falou da importância do câmbio, principalmente da sua estabilidade, também da situação política, que apresenta um cenário imprevisível, e da crise fiscal, que foi o motivo para a criação do MBE. Schneider lembrou ainda que países como Alemanha e Estados Unidos criaram mecanismos para controlar as despesas do país e da importância da Lei de Responsabilidade Fiscal que ainda não foi regulamentada no Brasil.

Além do debate, a primeira edição do Foco Econômico rendeu um caderno publicado na edição impressa do Jornal Diário Catarinense.

Para além do ajuste fiscal

Nos últimos 20 anos, com ênfase crescente, o Governo brasileiro tem agido como se tivesse descoberto a fórmula mágica da multiplicação dos recursos, para sustentar o que o economista Raul Velloso, um dos fundadores do Movimento Brasil Eficiente (MBE), cunhou de “modelo de expansão continuada dos gastos públicos”.  Para sustentar essa gastança, que elevou a despesa não financeira do Governo Federal de 11%, em 1991, para 20% do PIB, em 2014, foi preciso arrecadar cada vez mais, fazendo a carga tributária evoluir de 25% do PIB, no início do Plano Real, para os 36% atuais. O dinheiro que vira impostos e acaba predominantemente destinado ao consumo na mão do Governo é o mesmo que deixa de ser reinvestido por milhões de pequenas e grandes empresas. Como bem observa Paulo Rabello de Casto, coordenador do MBE, a carga crescente de impostos tem “retornado” para a sociedade sob forma de mais empregos públicos, benefícios de toda ordem, subsídios e os mais altos juros do planeta.

Também o ex-presidente do Banco Central, Gustavo Loyola, alerta de que do ponto de vista estrutural é insustentável que as despesas públicas continuem crescendo mais do que o PIB, como vem acontecendo desde que a Constituição de 1988 enfatizou os direitos  e benefícios e se descuidou das obrigações e do equilíbrio fiscal.

Algumas mudanças importantes aconteceram e 2015, corrigindo distorções do seguro-desemprego, do abono salarial e das pensões por morte. É necessário, contudo, implantar um ajuste fiscal de longo prazo, um plano plurianual que priorize efetivamente o corte de gastos e não o aumento dos já sufocantes impostos. Abreviar a instituição do Conselho de Gestão Fiscal, de acordo com o PLS 141/14do senador Paulo Bauer, ferramenta fundamental para aumentar a eficiência das despesas públicas, e avançar na direção da desvinculação de gastos para deixar de engessar o orçamento – 90% dos dispêndios do Governo crescem obrigatoriamente quando o PIB avança, mas dificilmente conseguem ser reduzidos quando a economia desacelera – são providências fundamentais.

Mas o caminho para o desenvolvimento econômico, para o resgate de um crescimento potencial adequado – que é o ritmo possível de crescimento de um país. Sem pressionar a inflação pela restrição de oferta – requer mais do que um mero ajuste fiscal. É preciso enfrentar as causas da baixa produtividade, do ambiente de negócios desfavorável, da baixa competitividade, o completo sistema tributário, a legislação trabalhista ultrapassada, um sistema previdenciário insustentável e um Estado que não cabe no PIB. São as velhas e batidas formas estruturais que o Brasil não tem tido vontade política de enfrentar.

Os Brics x O Custo Brasil

O britânico JIM O’Neil criou, no início da década passada, a sigla Bric, reunindo os quatro principais países emergentes – Brasil, Rússia, Índia e China – por acreditar no potencial que teriam para puxar o crescimento mundial no século 21. Decepcionado, disse recentemente que “o Brasil parece ser apenas uma história impulsionada por commodities e sua economia, portanto, move-se de acordo com os ciclos de preço”. Para dizer o mínimo. Na realidade, somos hoje um país à deriva, porque não criamos as nossas âncoras, nem mesmo no período de bonança do superciclo das commodities e do bônus demográfico.

Não faz sentido querer calçar no aumento do consumo, e muito menos no consumo público, um projeto sustentável de longo prazo para o crescimento do país. Nem tampouco a demanda externa, por mais importante que seja, pode nos alavancar pelo baixo grau de internacionalização da nossa economia. O que impulsiona crescimento consistente é o aumento de investimento, apoiado por uma poupança interna forte. Nesse cenário, a nossa poupança, que já vinha insuficiente, caiu de 19/5 do PIB em 2008, para 13%, em 2014. O estímulo ao consumo das famílias e uma poupança pública negativa comprometem o esforço poupador das empresas privadas.

O quatro particular que vemos no Brasil, de recessão com inflação, é uma indicação de que a oferta e a demanda estão muito próximas, como alerta o ex-economista chefe do Fundo Monetário Internacional (FMI), Oliver Blanchard. O novo problema maior é o crescimento galopante dos gastos públicos correntes, comprometendo o investimento. Num comparativo, entre janeiro de 2015 e janeiro de 2014, os gastos de custeio do governo cresceram 14,34% em termos nominais e 6,37% em termos reais e os investimentos caíram 35,44% em termos reais. A taxa de investimento total da economia vem caindo desde 2010: 19,5% do PIB para 16,7%, em 2014.

Uma ds frentes que mais requerem investimentos para permitir ao país continuar crescendo é a infraestrutura. Países crescem quando suas economias são competitivas, e bons portos, estradas, ferrovias, aeroportos, boa mobilidade urbana somam muito nesse aspecto. O “The Global Conpetitiveness Report 2015-2015”, do Fórum Econômico Mundial, mostra que esse, certamente, não é o nosso ponto forte. Entre 144 países pesquisados, as nossas ferrovias ocupam a 95ª posição, o transporte aéreo a 113ª, as estradas e portos a 122ª. Aqui não existem milagres. Enquanto a Índia investe 4,8% do PIB em infraestrutura, o Chile 5,1%, a China 13,4% e a Tailândia 15,4%, no Brasil, esse número ronda os 2%. E a Índia pretende quase dobrar o seu aporte até o final de 2017, para conseguir manter o crescimento acelerado, alavancado também por várias reformas estruturais, reformas que temos tido muita dificuldade para avançar aqui.

Interessante é saber que a Alemanha, país competitivo e com ótima infraestrutura, está preocupada com sua taxa de investimento total, que caiu de 26% do PIB, em 1990, para 17%. O que dizer do Brasil, que também investe os mesmos 17%, tendo, todavia, tudo por fazer? Muitos países têm conseguido resolver esse problema melhor do que nós, como mostram os números de 2014: EUA, 19,2%; Rússia, 19,8%; México, 20,9%; Colômbia, 24,7%; Peru, 26,3%; Índia, 29,9%; Coreia do Sul, 30,3%; Indonésia, 31,3% e China, 47,6%. A retomada dos investimentos no Brasil requer uma pauta positiva para o país. Redução de incertezas, restabelecimento da confiança dos agentes econômicos, controle da inflação, equilíbrio fiscal, estabilidade cambial e construção de uma agenda para recuperação da competitividade, que permita aos empresários enxergar que poderão ter retorno nos seus projetos.

Investimentos são importantes porque aumentam a oferta e com isso eliminam gargalos, mas são fundamentais porque permitem aumentos de produtividade. E produtividade talvez seja a variável mais diretamente relacionada à competitividade. Ela tem dois componentes básicos: a do trabalho e a do total dos fatores. A primeira mede a produção média por trabalhador e, para que ele cresça, é necessário que essa produção cresça mais do que os salários. A nossa tem caído porque os salários têm evoluído mais. A segunda mede a eficiência da economia como um todo. Também aqui não estamos bem na fotografia. No período de 1990 – 2013, a produtividade total dos fatores no México cresceu 0,351%; na Indonésia, 0,057%; na Coreia do Sul, 0,620%; nos EUA, 1,073%; na Índia, 1,166%; na China, 3,192 e no Brasil, caiu 0,039%.

Outros países emergentes, inclusive alguns vizinhos sul-americanos, que, como nós, se beneficiaram do superciclo das commodities de 2002 a 2010, continuam conseguindo manter crescimento do seu PIB e da renda per capita. Portanto, por mais que a conjuntura internacional desfavorável atrapalhe, somos vítimas de nós mesmos. O economista americano Nicholas Lardy afirma que não faz mais sentido manter os Brics juntos, considerando que a punica característica em comum era o alto crescimento econômico. Mesmo com o comportamento mais moderado da China, apenas ela e a Índia mantém as credenciais para permanecer no grupo, porque evoluíram em reformas estruturais e na eficiência da economia. Enquanto isso nós aqui estamos muito aplicados cultivando o custo Brasil. Um esforço de algumas das principais entidades da sociedade civil organizada poderia ser um bom início de reação.

Por mais contribuição da indústria

O Brasil perdeu a capacidade de se indignar diante de problemas relevantes. A rotineira revisão para pior dos indicadores econômicos do país já não surpreende. E nem poderia, pois não podemos querer colher algo que não plantamos.

Há cinco anos o Movimento Brasil Eficiente (MBE), além de outros economistas e lideranças, vem alertando que o crescimento dos salários não pode descolar do crescimento da produtividade, que consumo não sustenta a expansão da economia no médio prazo, que o Brasil vem investindo muito abaixo do necessário para poder crescer mais e de forma consistente, que estamos nos tornando um país caro, que o Custo Brasil vem comprometendo a competitividade de mais e mais setores da nossa economia, especialmente da indústria de transformação, o setor mais dinâmico da economia e que mais poderia contribuir com o avanço da produtividade. Na quarta edição do ranking de competitividade elaborado pela Confederação Nacional da Indústria, (CNI) que avalia os 15 principais concorrentes do país no mercado externo, como China, Índia, México, Austrália e Canadá, o Brasil continua na penúltima posição, à frente só da Argentina. Reduzir o Custo Brasil, diz a entidade, estimulará os investimentos para melhorar a produtividade das empresas. Outro ranking que coloca o Brasil na vice-lanterna foi o elaborado pela Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE), medindo o desempenho da indústria em 37 países no período de janeiro de 2011 a junho de 2015. Pior do que a queda de 9,2% em nosso país, apenas o recuo de 16,1% na Grécia, que passa por problemas conhecidos por todos. Enquanto isso, na Rússia a a indústria cresceu 6,7%, no México 8,3%, no Chile 10,6%, na Alemanha 11,8%, na Índia 12,5%, nos EUA 13,3%, na Turquia 24,9% e na Eslováquia 31,8%. Levantamento da Federação das Indústrias de Santa Catarina (FIESC), sobre o comportamento da indústria brasileira em 2015, comparado ao ano anterior, indica uma queda de 12% em vendas e saldo negativo de 8,2% na produção. O setor passa hoje certamente por um dos recuos mais significativos das últimas décadas, mesmo com algum alívio proporcionado pela retomada das exportações em função da depreciação do câmbio que permitiu uma queda do déficit da balança comercial de manufaturados para US$71,9 bilhões, em 2015, de acordo com o secretário de Comércio Exterior, Daniel Godinho, contra um saldo negativo de US$ 109,4 bilhões em 2014. Não custa lembrar que até 2006 o Brasil apresentava saldo positivo nessa conta.