Novamente a reforma tributária

Voltou à cena a reforma tributária. Pela enésima vez. Em ocasiões anteriores, quando a sociedade pressionava por menos impostos, a resposta dos governos era de aumento de tributos, para conseguir pagar as contas públicas. Tivemos, assim, nos últimos 20 anos, um processo constante e crescente de transferência de recursos da sociedade para o poder público, visando cobrir gastos ineficientes, catapultando a carga tributária de 25% do PIB para 35%. E, lamentavelmente, quanto mais arrecadava, menos o Estado conseguia devolver ao contribuinte. Os investimentos do governo minguaram e os serviços públicos dispensam comentários. Os recursos foram ficando pelo caminho da má gestão, da corrupção, de uma máquina pública inchada, refém do corporativismo, que acabou esquecendo da sua função primeira que é servir à sociedade. E os bons servidores, aqueles que literalmente têm o espírito de servir, discordam dessas distorções tanto quanto todos nós.

Sempre que governos enfrentam crises fiscais, como hoje no Brasil e em vários estados do País, a primeira tentativa de solução passa pela transferência da conta para a sociedade, via aumento de impostos. No Brasil isso ficou mais difícil porque a carga chegou a um nível tal que está asfixiando as famílias, que para consumir precisam endividar-se, e também as empresas, que não conseguem mais investir o suficiente para fazer a economia reagir com a intensidade necessária à absorção de uma multidão de desempregados. Além do que, experiências de outros países mostram que reformas focadas em cortes de gastos, a exemplo da Espanha e Irlanda, têm levado a recuperações econômicas mais robustas do que as que optaram pelo aumento de tributos, como a italiana. 

Em nosso país, todos pagam impostos demais, especialmente a população, que destina maior parcela da sua renda ao consumo, e que, por isso, deve ser a primeira a se beneficiar quando a maior eficiência da gestão pública permitir uma redução da carga tributária. Da mesma forma, olhando os agentes econômicos, a indústria de transformação, que, representando hoje não mais do que 11% do PIB, recolhe ainda algo como 30% dos tributos federais.

A reforma tributária que precisamos deve simplificar a complicadíssima estrutura de impostos que temos no País, com mais de 60 tributos e uma centena de obrigações acessórias, e que, segundo a Confederação Nacional da Indústria, obriga as empresas a seguir quase quatro mil normas e estar atentas a uma média de 30 novas regras tributárias editadas diariamente. E que, a partir do encaminhamento do ajuste fiscal, estabeleça um plano de redução gradativa dos impostos, inicialmente para as camadas menos favorecidas da população e depois para as empresas, permitindo-lhes retomar o papel de protagonistas de um crescimento econômico acelerado e consistente.

A agenda do passado

O Brasil ainda está andando em círculo na discussão de temas como reformas tributária e previdenciária, baixa produtividade, desequilíbrio fiscal e instabilidade cambial. Enquanto isso, países que constroem o seu protagonismo neste novo mundo de mudanças disruptivas vêm se ocupando crescentemente da agenda do futuro, que envolve economia digital, inteligência artificial, blockchain, indústria 4.0, plataformas e negócios escaláveis.

Continuamos o pequeno grande país rico, que quer realmente ser grande, mas não consegue crescer. Porque não é competitivo, a não ser na exportação de commodities onde foi abençoado pela natureza com fortes vantagens comparativas internacionais. Não é competitivo porque tem baixa produtividade, consequência de muitos anos de baixo investimento e de gastos ineficientes do poder público. E a iniciativa privada tem investido pouco, justamente porque a agenda do passado preocupa e não permite retornos adequados.

O último relatório Doing Business do Banco Mundial, ranking que classifica os países pela qualidade do ambiente para fazer negócios, aponta o Brasil na 109ª posição entre 190 países. Mesmo tendo avançado 16 posições em função de importantes reformas microeconômicas, como a trabalhista realizada no governo Temer, continuamos na lanterna entre os Brics, com a Rússia na 31ª posição, a China na 46ª, a Índia na 77ª e a África do Sul na 82ª. Nosso item mais mal avaliado é o pagamento de impostos — o 184º lugar se deve à alta carga tributária e ao inigualável emaranhado burocrático que é a nossa estrutura de impostos. Foi isso que certamente levou o Ministro da Economia Paulo Guedes, ainda durante a campanha no ano passado, a propor forte simplificação dos tributos e redução da carga em direção aos 25% do PIB, num horizonte de 10 anos. Nível, aliás, que tínhamos duas décadas atrás, quando, com gastos mais eficientes, conseguíamos, mesmo com menos impostos, investir 25% do PIB, contra 15% atualmente.

De acordo com levantamento do observatório de Política Fiscal do Instituto Brasileiro de Economia da Fundação Getúlio Vargas, de 2000 a 2017 a média anual do investimento público do Brasil foi de apenas 1,92% do PIB, o segundo mais baixo de um grupo de 42 países avaliados. O que não tem sido suficiente nem para repor a depreciação do estoque de capital.

Especialmente na infraestrutura. Segundo a Secretaria do Programa de Parceria em Investimentos (PPI), o governo está investindo apenas 0,6% do PIB, comparados aos 5% que investia quando cobrava menos impostos, há 20 anos. A rigidez orçamentária, que engessa os gastos públicos, obrigando a despesas correntes crescentes, também tem penalizado os investimentos, que equivocadamente são classificados como discricionários, ou seja, secundários. Distorções gravadas na Constituição de 1988 e regras inadequadas para o orçamento público penalizam justamente aqueles gastos, que criam as bases para o crescimento do País. Quando deveríamos estar empenhados em romper esse círculo vicioso que nos mantêm reféns da armadilha da renda média, vemos o centro do poder envolvido em disputas menores, na medição de forças, em demonstrações de que boa parte do poder público continua mais preocupada com seus interesses privados. Enquanto isso, outros países avançam com olhos no futuro.