Fazer mais com menos

A Constituição de 1988, como bem aponta Yoshiaki Nakano, diretor da Escola de Economia da Fundação Getúlio Vargas e um dos fundadores do Movimento Brasil Eficiente (MBE), tende a desestimular o crescimento do país, já que classifica gastos correntes – despesas de pessoal e previdenciárias – como obrigatórios e os investimentos públicos como discricionários. Assim, o excesso de consumo do governo, que cresce obrigatoriamente, sempre tenderá a comprimir os investimentos. Tanto que cresceu de 11% do PIB em 1991, quando os impostos representavam em torno de 25% do PIB, para os 20% atuais. E os investimentos do governo caíram no período de 5% do PIB para menos de 1%, apesar da expansão acelerada da carga tributária, para 36% do PIB, e da dívida pública. Os gastos correntes subiram a uma velocidade muito superior à do crescimento da economia, em trajetória insustentável.

Por outro lado, investimentos decrescentes criam gargalos para o crescimento, mais ainda se são de baixa qualidade, têm desvios e atendem interesses políticos. Muitos dos monumentais estádios construídos ou reformados para a Copa de 2014 estão sem uso. A Ferrovia de Integração Oeste-Leste implantada para agradar o governo de plantão na Bahia, e hoje paralisada. A Transnordestina, a Transposição do Rio São Francisco e as refinarias da Petrobras planejadas para o Maranhão, o Ceará e o Rio de Janeiro. Nenhum desses projetos tem ou teria taxa de retorno positiva e não cobrem nem o custo de capital. Enquanto isso, as reais prioridades têm pouca atenção – a coleta de esgoto, por exemplo, atende apenas metade da população, contra 99% no Chile.

Já se pensou no governo em estabelecer gatilhos automáticos a serem disparados para sustar reajustes de servidores e cortar gastos também com saúde e educação em situações de desequilíbrio fiscal. O ex-secretário da Receita Federal Everardo Maciel destaca a importância da Desvinculação de Receitas da União (DRU) para que os gastos possam ser racionalizados e receitas redirecionadas com o aumento da eficiência. Aponta ainda despesas não obrigatórias que podem ser reduzidas, como publicidade, subsídios a “movimentos sociais”, cancelamento de restos a pagar de despesas não executadas e fechamento de representações diplomáticas sem relevância.

É necessário reavaliar projetos e programas do governo, incluindo os sociais, para ver o que funciona ou não, a fim de elevar a produtividade das políticas públicas e atender aos que realmente precisam. Temos que reconhecer que o atual governo tem tido o discernimento para entender que o equilíbrio das contas e melhores serviços públicos não dependem de mais impostos e, sim, de mais gestão e das reformas que está encaminhando. O poder público tem a obrigação de fazer mais com menos.

Publicado no Jornal Diário Catarinense em 08/02/2017.

É necessário voltar às origens

O Brasil gastou o que tinha – os ganhos com o boom das commodities – e o que não tinha – o aumento do endividamento – , e agora tem uma ressaca para resolver. A falsa ideia de que prosperidade se mede pelo volume dos dispêndios nos colocou nessa crise fiscal. Ainda agora, na discussão da PEC do teto dos gastos, pressionou-se pelo aumentos das despesas com Educação e Saúde. Certamente a sociedade brasileira não está satisfeita com a qualidade desses serviços, menos ainda se considerarmos o volume de impostos que se paga.

Aliás, temos a pior relação no mundo entre tributos pagos e serviços prestados pelo Estado. Isso mostra que não é bem uma questão de quantidade de recursos alocados e, sim, de qualidade dos gastos. Na Educação, por exemplo, gastamos em torno de 6% do PIB, mais do que a maioria dos países, mesmo aqueles que, como a Coreia do Sul, destacam-se nos primeiros lugares dos testes internacionais de proficiência, como o Pisa, ranking global em que o Brasil tem ocupado as últimas posições.

Essa gastança não só trouxe a insolvência de inúmeros entes federativos, como levou a carga tributária a níveis insustentáveis, a taxa de juros a um dos patamares mais elevados do planeta e colocou a dívida pública numa rota preocupante. A dívida bruta, que representava 51,7% do PIB em 2013, 66,2% em 2015, ultrapassará os 70% este ano, numa trajetória para alcançar os 100% em pouco tempo. Com um agravante sério: trata-se do maior serviço de dívida do mundo.

Trajetória semelhante ao de muitas famílias, que estimuladas a gastar, fizeram-no além da capacidade de pagamento, tendo que contar ainda com o imprevisto da perda de emprego. Como o Brasil está tendo que enfrentar o fim da bonança do boom das commodities. A imprudência faz esquecer que após um período de vacas gordas pode vir um de vacas magras.

É hora de arrumar a casa, de estancar o processo que tem levado o poder público a gastar mais do que arrecada; mais do que isso, é hora de inverter uma perniciosa trajetória na qual o governo vinha se apropriando de parcela crescente da riqueza gerada pela sociedade, via aumento de tributos. Pior: tributos gastos em sua maioria de forma ineficiente, muito para manter a própria máquina pública e devolver serviços de baixa qualidade – cerca de 20% do PIB – e pouco para investir nas bases para o crescimento do país – não mais de 2% do PIB.

Louvável é o esforço da equipe econômica para atacar a raiz do problema, apesar da derrapada inicial em que se permitiram significativos aumentos no custeio dos poderes da República. A aprovação no Congresso da PEC que limita os gastos, mesmo que idealmente o limitador devesse ser uma fração do crescimento do PIB, foi um passo importante.

Mas ficará capenga se não estiver escorada na reformulação da Previdência, que equivale a aproximadamente 45% do gasto primário do governo. Portanto, espera-se dos nossos parlamentares nesta segunda etapa o mesmo grau de responsabilidade que demonstraram no primeiro passo já dado.

Também os estados devem fazer a sua parte, racionalizando gastos, aumentando as contribuições previdenciárias dos servidores e criando fundos de previdência complementar para eles, e se dispondo a sentar à mesa com a União para resolver o velho problema da guerra fiscal, diante das inúmeras concessões e apoios que vêm recebendo do governo central.

Precisamos converter um círculo virtuoso que atravanca o Brasil em um círculo virtuoso que alavanque o país. Everardo Maciel mencionou dias atrás um pensamento de José Guilherme Merquior: no Brasil há Estado de mais e Estado de menos. De mais, no que não precisamos; de menos, no que precisamos. É necessário voltar às origens e lembrar que ele – o Estado – existe para servir à sociedade.

Artigo publicado no Jornal O Globo em 21/12/2016.

Solução simplista do aumento dos impostos

Mais e mais, o bom senso vem recomendando que o gasto público corrente cresça menos do que a geração de riquezas no país. Condição para que a arrecadação sobre a riqueza marginal seja decrescente e preponderantemente destinada a investimentos e os melhores serviços públicos. Os últimos anos, todavia, mostraram um quadro diverso. Entre 2004 e 2014, enquanto o PIB cresceu a uma taxa média de 3,6% ao ano, a arrecadação federal evoluiu 5,3%, praticamente 50% a mais. Contudo, ainda não foi o suficiente para cobrir a explosão dos gastos correntes federais: 8,1% ao ano em média.

A equipe econômica está indo na direção correta quando propõe um limitador para o crescimento do gasto público, que seria a inflação do ano anterior. Melhor que esse teto fosse uma fração da taxa de crescimento da economia. De qualquer forma, será um importante avanço se for aprovado no Congresso.

Por outro lado, continuam iniciativas, inclusive no Congresso para aumentar a carga tributária. É o caminho mais fácil para quem está em Brasília: repassar o custo do ajuste para a sociedade, já visivelmente sobrecarregada de impostos. Todas as classes sociais já pagam demais. A título de exemplo, só para aumento de tributação sobre doações, heranças e fortunas temos quatro projetos tramitando com velocidade: PEC 96, PLP 281/16, PLS 534/11 e PL 5205/16. A sociedade civil organizada precisa se movimentar para que essas e outras iniciativas não prosperem.

Sem disciplina fiscal, não conseguiremos restabelecer os superávits primários, imprescindíveis para a estabilização e posterior redução da dívida pública do país, principal indicador da nossa saúde financeira. E também não conseguiremos avançar no combate às desigualdades sociais. Como bem adverte o ex-secretário da Receita Federal Everardo Maciel, é um equívoco pretender que a política tributária seja um meio eficaz para buscar avanços sociais por não existirem evidências que sustentem a tese. “As proposições que vinculam o tributo à redução das desigualdades, como as de Thomas Piketty (O Capital do Século XXI), são de uma impressionante ingenuidade. As mudanças recentes no perfil das desigualdades brasileiras estiveram claramente ligadas à estabilidade monetária, às transferências de renda, às regras de reajuste do salário mínimo, ao aumento na oferta de empregos etc. Nada que lembre, ainda que remotamente, a política tributária”, reforça Maciel. A impressão que fica é que aumentar impostos é um vício no Brasil.

Publicado em 25.08.2016 no DC, AN – Joinville e Jornal de Sta. Catarina de Blumenau