A urgência da reforma da Previdência

O Brasil tem o péssimo hábito de protelar correções, seja pela resistência dos que defendem privilégios ou pela esperança de que a viúva pague a conta

O novo governo assume com uma missão muito clara: pôr ordem nas contas públicas, antes de mais nada. Sem isso, todo o restante não se sustenta. Saber estabelecer prioridades é parte fundamental da solução. A exemplo das orientações transmitidas a bordo de aeronaves: havendo despressurização da cabine, os adultos devem colocar as máscaras primeiro em si próprios e, depois, nas crianças, para evitar o risco de não conseguir fazer nem uma coisa, nem outra.

Felizmente, o ministro Paulo Guedes tem manifestado o seu entendimento nessa direção quando atribui à explosão do gasto público as graves crises que tivemos nos últimos quarenta anos: hiperinflação, moratória externa, juros mais altos do planeta, carga tributária sufocante, colapso nos serviços públicos. “O Brasil é prisioneiro da armadilha do gasto público”; “…é um exemplo cabal de como a expansão descontrolada do gasto público pode destruir um país”, diz ele. É a já conhecida inversão de valores: o poder público, concebido e instituído para servir o público (a sociedade), passa a dele se servir.

O Estado se transformou em um fim em si mesmo e age, acima de tudo, para se proteger e àqueles que ali obtêm as suas regalias, absorvendo parcelas crescentes da riqueza gerada pela sociedade. Um processo perverso de extração de produtividade da iniciativa privada e das famílias para custear aumento de gastos públicos. Dos que gastam melhor para aqueles que são ineficientes. Basta constatar o fato de, no Brasil, medirmos eficiência de gestão pública pelo quanto do orçamento se consegue gastar, e não pelo quanto das metas de resultado é alcançado, ou o retorno por real gasto. Por isso, a sociedade recebe tão pouco pelos inúmeros impostos cobrados, aliás, a pior relação entre todos os países, e serviços públicos de tão baixa qualidade.

O ministro Paulo Guedes pretende enfrentar as três maiores despesas: a previdenciária, com estimativa de gasto de R$ 767 bilhões e déficit de quase R$ 300 bilhões para este ano; os juros da dívida, perto de R$ 400 bilhões ao ano, turbinados pelo grau de risco do país, que provêm justamente da situação das contas públicas; e os gastos com salários da União, na casa dos R$ 300 bilhões. Fazem parte da receita a imprescindível e urgente reforma da Previdência, a reforma do Estado e as privatizações.

A Confederação Nacional da Indústria (CNI) acertadamente se manifestou no sentido de que não sobra hoje qualquer espaço para um ajuste fiscal a partir de aumento de impostos: “O setor produtivo não pode mais carregar o Estado nas costas com custos que tornam inviável qualquer operação produtiva. Nesta vez, o ajuste depende de uma precisa e determinada redução de despesas, que preserve políticas sociais importantes e elimine todos os gastos desnecessários, redundantes e ineficientes”. Além do que, alerta o cientista político Bolívar Lamounier, o Brasil deve deixar de ser refém do corporativismo, dos grupos de interesse que se organizam para exigir ou se apropriar de recursos públicos.

Diversos países conseguiram superar crises fiscais agudas seguindo esse receituário. A Espanha, por exemplo, duramente atingida pela crise de 2008, passou por uma recessão de cinco anos, redução de 10% no PIB e desemprego de 26%. Situação pior do que a brasileira, que exigiu um empréstimo de 100 bilhões de euros da União Europeia, mas requereu também reformas para aumentar a eficiência do poder público e para devolver competitividade às empresas. As medidas incluíram redução média de 17% do orçamento de todos os ministérios, com congelamento de aumentos salariais, corte de 20% no número de servidores e respectivas estruturas físicas, extinção de benefícios especiais dos funcionários públicos, reforma tributária para simplificar a estrutura de impostos, além de ampla reforma trabalhista.

O Brasil tem o péssimo hábito de protelar a adoção de medidas corretivas, seja pela resistência daqueles que defendem privilégios, seja pela esperança de que a viúva venha pagar a conta. Uma conta que cresce muito com essa demora. Precisamos recuperar o senso de urgência e saber estabelecer prioridades.

Publicado on-line:
https://exame.abril.com.br/blog/opiniao/a-urgencia-da-reforma-da-previdencia/ 

Repensar o gasto público para crescer

O problema fiscal do país tem um diagnóstico claro: é gasto e não receita. As receitas já estão esticadas: 33% de carga tributária, quase 80% de dívida e déficit primário de 2% do PIB. Já existe excesso de transferência de recursos da sociedade para o poder público, de quem gasta bem para quem gasta mal, o que afeta a eficiência da economia e a taxa de produtividade. E, quanto maior a fartura de recursos, segundo Raul Velloso, especialista em contas públicas, maior corrupção, desperdício e ineficiência.

O que vale para a União, vale para Estados e Municípios. Não por acaso, o Rio de Janeiro, Estado com o maior desequilíbrio nas contas, é o que mais recebeu e tem recebido recursos, para a Copa do Mundo, para as Olimpíadas e pela arrecadação de royalties do petróleo. É o poder público deixando de servir o público para dele servir-se. Mesmo que existam alguns bons exemplos de controle de gastos, como o do desembargador Manoel Pereira Calças, presidente do Tribunal de Justiça de São Paulo, que conseguiu reduzir em 30% os valores dos contratos renegociados em 2018, e que foi checar uma solicitação de verba de R$ 240 mil para impermeabilizar uma caixa d’água, sabendo de que uma nova não custaria mais de R$ 25 mil.

A Reforma da Previdência, o aumento de eficiência das despesas, para viabilizar a sobrevivência da lei do Teto dos Gastos, são medidas necessárias para gerar investimentos que permitam ampliar o PIB potencial, mantendo a inflação e os juros baixos. Segundo o governo, em dez anos, a lei mencionada, aprovada em 2017, permitiria a despesa pública federal cair dos 20% do PIB para os 15% que tínhamos no início da década passada.

Quanto à velocidade do ajuste, é importante observar o que ocorreu na Argentina. A falta de pressa deixa o país mais vulnerável a imprevistos. Importante aprovar a Reforma da Previdência, pela importância que tem para o ajuste fiscal. Lembrando que a proposta que está no Congresso já foi aprovada nas comissões, aguardando aprovação nos plenários da Câmara e do Senado.

Publicado na Folha de Boa Vista.

O imprescindível senso de urgência

O Brasil sempre foi visto pelos turistas internacionais como um país alegre, que recebia bem e sabia fazer festas como ninguém. E o brasileiro médio sempre achou que alguém pagaria pelas festas, nem que fosse a viúva. Ou melhor, que seria mesmo a viúva rica. Ainda mais em um país poderoso, onde uma crise forte como a de 2008 não seria capaz de provocar mais do que marolas. Tanto que não foi necessário nem guardar a enorme riqueza colhida com o boom das commodities da década passada para enfrentar períodos difíceis que, todos sabem, voltam de tempos em tempos como fizeram outros países que também surfaram essa onda gerada por um período de alto crescimento da China.

Aqui aproveitamos para melhorar a festa, aumentando gastos públicos, que em sua maioria são permanentes, isto é, não podem ser reduzidos em épocas de vacas magras, pois está na Constituição. Realmente, é coisa de país rico. Só que os brasileiros descobriram que a tal viúva está cada vez mais endividada e, na realidade, vive dos impostos que eles mesmos pagam, e que os 12 milhões de desempregados já não conseguem mais quitar. E os turistas perceberam que as festas brasileiras estão ficando muito perigosas.

Desde 2014, apesar dos inúmeros impostos cobrados, o índice de despesa real primária vem se descolando da receita real primária, o que significa que a arrecadação não tem mais sido suficiente para bancar as despesas. A consequência é um déficit público nominal na faixa de 7,5% do PIB, muito superior à média dos países emergentes, que, segundo o FMI, deve ficar em 3,9% em 2018. Esse resultado, que inclui os gastos com juros, é um dos indicadores da debilidade fiscal de um país, juntamente com a dívida pública bruta, que aqui já alcançou os 77% do PIB, vindo de 51% em 2013, e pior, continua em trajetória explosiva, podendo chegar a 88% em 2022, segundo projeções da consultoria Tendências. Esse quadro nos transformou no quarto país emergente mais vulnerável, conforme ranking do banco JP Morgan. Ainda para efeito de comparação, o FMI estima em 51% a dívida bruta média dos emergentes para 2018.

Gatilhos automáticos de aumentos de gastos, orçamento público engessado, além da constante pressão do Congresso Nacional, e por vezes também do Judiciário, por mais gastos – seja atendendo a pressões das corporações públicas por manutenção ou ampliação de privilégios –, de empresas influentes por mais benefícios fiscais de retorno discutível, de apadrinhados pela criação de novos municípios (proposta de 300, em junho de 2018) que majoram gastos públicos e não trazem benefícios à população, são o retrato de uma festa que está deixando uma conta cada vez mais alta para os brasileiros.

Diferente de crises anteriores que impactaram fortemente a nossa economia, decorrentes de problemas cambiais ou de financiamento de balanço de pagamentos graves, a atual se deve a problemas domésticos, teoricamente sob o nosso controle, de descontrole das contas públicas. O resto do mundo até que vai bem, apesar dos rompantes do presidente norte-americano. Então o que o poder público no Brasil precisa é fazer a lição de casa, como famílias e empresas minimamente organizadas fazem. A diferença é que as que não fazem pagam a sua conta – e, quando aqueles que deveriam servir o público não a fazem, quem paga a conta somos todos nós.

E não existe solução sem ajuste fiscal, que passa por forte redução dos gastos públicos, capaz de resgatar a confiança dos investidores na capacidade do governo de pagar as suas contas, reduzindo assim o prêmio de risco e os elevados juros que retroalimentam a dívida pública. Para isso, há que se equacionar o principal gasto, que já representa mais da metade (55%) das despesas primárias totais, que são as aposentadorias públicas e privadas. A começar pelos privilégios nos benefícios sociais dos servidores públicos, para legitimar a imposição de sacrifícios aos muito mais espartanos benefícios dos trabalhadores do setor privado.

Outras reformas são também fundamentais, como a desindexação da assistência social em relação ao salário mínimo e a simplificação da caótica estrutura tributária, além do combate à corrupção e à ineficiência dos gastos, entraves importantes ao crescimento da empacada produtividade da nossa economia. Temos de fazer com que o setor público volte a servir o público, a sociedade, em áreas críticas como a segurança. Hoje, 90% dos recursos destinados à área vão para pagamento de salários e aposentadorias, 9% para custeio e apenas 1% para os investimentos que justamente poderiam aumentar a eficiência no combate ao crime (inteligência, equipamentos modernos, presídios suficientes e eficazes, treinamento). Isso vale para educação, saúde e para a combalida infraestrutura, todos importantes ingredientes do pesado Custo Brasil, que tanto penaliza quem aqui quer produzir.

E não temos todo o tempo do mundo para fazer as mudanças necessárias, como nos mostrou recentemente a Argentina. O presidente Maurício Macri adotou uma agenda modernizante e uma equipe competente para enfrentar a crise nas contas públicas e a falta de competitividade da economia (a exemplo do Brasil de hoje). Criou expectativas positivas e angariou popularidade e apoio internacional. O gradualismo na implantação das medidas corretivas, todavia, deixou o país vulnerável a imprevistos, que sempre insistem em ocorrer: a quebra na safra agrícola e a piora no cenário externo, provocada pelos Estados Unidos, desencadearam um ataque especulativo contra a moeda argentina, enterrando grande parte das recentes conquistas.

Portanto, se quisermos voltar a crescer, com inclusão social, e com consistência, temos de enfrentar as principais causas do nosso desequilíbrio fiscal com coragem, com vontade política e com pressa. Tudo o que ficar para amanhã ficará mais caro. Imprescindível resgatar o senso de urgência para voltarmos a ser um país alegre que possa oferecer festas seguras.

Prazo para apagar incêndio?

O governo recém-empossado tem o desafio de enfrentar uma forte crise das contas públicas, cujo auge aconteceu em 2015, quando o déficit nominal chegou a 10,2% do PIB, vindo de 2,3% em 2012 e com previsão de fechar 2018 com 7,3%. Um recuo importante, fruto de reformas já implementadas nos últimos dois anos, como a Lei do Teto de Gastos. Para que essa trajetória se sustente e possa continuar, todavia, é imprescindível que outras medidas sejam implantadas, a começar pela reforma da Previdência, para desarmar uma verdadeira bomba-relógio fiscal. Representando já mais da metade dos gastos públicos primários, aposentadorias e pensões constituem, de longe, a maior fonte de desequilíbrio das finanças do governo.

A discussão que se estabeleceu é sobre a pressa de implantar as mudanças. Certamente, tudo que não for feito hoje será mais caro amanhã. Além de deixar o país mais vulnerável a choques, como nos mostrou o recente exemplo da Argentina, onde o presidente Mauricio Macri criou um plano para modernizar a economia do país e formou equipe altamente qualificada. Imaginou, porém, que teria condições favoráveis para implantar as medidas gradualmente. Só não contava com a quebra da safra agrícola e com a deterioração das condições externas, que desencadearam um ataque especulativo à moeda do país, derretendo conquistas importantes do seu governo e obrigando-o a bater às portas do Fundo Monetário Internacional para evitar a insolvência. Maquiavel já havia alertado que o mal se faz de uma vez e não aos poucos. É no início do governo, antes da deterioração do capital político.

Exemplos de outros países mostram que os esforços para superar crises financeiras com cortes de gastos públicos valem a pena, ao contrário dos que buscam a solução no aumento de tributos, que não passa de maquiagem tóxica. A Dinamarca, por sua vez, demonstra que a escolha não deve ser entre Estado grande ou pequeno, e sim entre obeso ou musculoso, entre eficiente ou ultrapassado.

É hora de apagar incêndio. Pedir prazo numa hora dessas não parece razoável.

Publicado em 24/01/2019 nos jornais Diário Catarinense e A Notícia.

Cuidados com armadilhas fiscais

O novo governo ainda está em seus primeiros passos, há muitas prioridades a sinalizar, mas espera-se que a área econômica logo aponte caminhos consistentes para encarar o problema fiscal do país. Nossas receitas estão perigosamente esticadas: 33% de carga tributária, quase 80% de dívida e déficit primário de 2% do PIB. A sociedade transfere recursos em demasia para o poder público – de quem gasta bem para quem gasta mal –, o que afeta fortemente a eficiência da economia e a taxa de produtividade.

O que vale para a União, vale para estados e municípios. Não por acaso, o Rio de Janeiro, estado com o maior desequilíbrio nas contas públicas, é o que mais recebeu e tem recebido recursos: para a Copa do Mundo de Futebol, para a Olimpíada e pela arrecadação de royalties do petróleo. Nos primeiros oito meses de 2018, mais de R$ 13 bilhões foram injetados nos cofres públicos do Rio. Segundo Raul Velloso, especialista em contas públicas, a fartura de recursos é que leva à corrupção, ao desperdício e à ineficiência dos gastos nos governos.

Não faltam provas dessa constatação. Como, por exemplo, pagamentos indevidos do Bolsa-Família, aposentadorias por invalidez e auxílio doença no montante de R$ 10 bilhões em menos de um ano. E uma expectativa de encontrar outros R$ 20 bilhões de benefícios irregulares nos próximos dois anos.

É premente uma revisão do papel do Estado, que hoje gasta 20% do PIB para manter a máquina pública e não consegue investir nem 2% para prestar serviços de qualidade e ajudar a prover a infraestrutura necessária ao crescimento do país.

A manutenção de inflação e juros baixos, alcançados em boa medida pelo baixo nível da atividade econômica, dependem, em grande parte, do aumento de investimentos que permitam ampliar o PIB potencial. Infelizmente, esses investimentos são os primeiros a serem sacrificados quando aperta o caixa do governo. A inversão do quadro passa por ajustes fortes, pela reforma da Previdência, pelo aumento de eficiência das despesas, para viabilizar a sobrevivência da importante Lei do Teto dos Gastos, de 2017. Segundo o governo, em 10 anos essa lei permitiria a despesa pública federal cair dos atuais 20% do PIB para 15%, patamar vigente em 2005, quando a carga tributária era menor e a capacidade de investimento do Estado maior.

Espera-se, também, que o presidente Jair Bolsonaro e o ministro Paulo Guedes avancem em providências para aprovar a reforma da Previdência logo, pela relevância que tem para o ajuste fiscal.

Tão importante quanto reduzir gastos é evitar aumentos de despesas e renúncias de receitas, como se espera do governo do novo presidente da República. Yoshiaki Nakano, diretor da Escola de Economia da Fundação Getulio Vargas, propõe criar limite de endividamento para o Tesouro, a exemplo do que a Lei de Responsabilidade Fiscal (LRF) já determina para estados e municípios. Já é hora de implantarmos no país uma instituição fiscal independente, importante instrumento para auxiliar na qualidade do gasto público e na moderação da carga tributária.

A responsabilidade fiscal permitirá ao governo criar reservas, através de superávits primários consistentes, nos períodos de crescimento, para atravessar os períodos difíceis, que sempre vêm. Infelizmente, destinamos as sobras do período de boom das commodities a aumentos de gastos permanentes. Com isso, criamos a nossa armadilha fiscal.

Publicado no Jornal Estado de Minas.