A indústria poderia contribuir mais

Apenas crédito barato não garante expansão da indústria, apesar da importância desse insumo

Muito já se falou de “custo Brasil”, de que produzir aqui hoje é caro, e da piora que tivemos nos diversos rankings de competitividade. Certamente o setor que mais sofre com isso é a indústria de transformação, cuja participação no PIB caiu de 16,6% em 2006 para 11,7% em 2016, segundo dados da Confederação Nacional da Indústria (CNI). O ex-presidente da Volkswagen do Brasil David Powels, quando retornou ao país, em 2015, ficou surpreso com o quanto o Brasil ficou mais caro que outros países em relação à sua primeira passagem por aqui, entre 2002 e 2007. Recentemente, Roberto Azevêdo, diretor geral da Organização Mundial do Comércio (OMC), afirmou que, de maneira geral, o produto industrializado brasileiro é pouco competitivo no exterior.

Outro estudo apontou que, entre 2010 e 2016, a produção industrial no Brasil caiu em torno de 20%, enquanto no restante do mundo cresceu 20%, o que comprova que os problemas da indústria são internos e não de responsabilidade da conjuntura internacional. E essa queda da indústria, além de impactar na qualidade dos empregos, no nível médio dos salários, nos investimentos em tecnologia e inovação e na produtividade da economia, afeta a arrecadação tributária. Segundo o economista José Roberto Afonso, a queda da receita da União não se deve apenas à recessão, mas também às mudanças estruturais que estão reduzindo a importância da indústria e aumentando a participação do setor de serviços na economia. De 2011 a 2016, a arrecadação com a indústria de transformação, que tem tributação mais elevada, encolheu 22% em termos reais, enquanto a receita do comércio cresceu 9,5%; a do setor financeiro, 1,7; e a dos “outros serviços” aumentou 24,1%. O problema é que os ganhos no setor terciário não foram suficientes para compensar as perdas na indústria.

A ampla disponibilização de crédito neste período, especialmente pelo BNDES, e inclusive a taxas subsidiadas, permite concluir que apenas crédito barato não garante expansão da indústria, apesar da importância desse insumo. E aqui cabe um parênteses sobre o spread bancário. Levantamento do Fundo Monetário Internacional (FMI) mostra que, no Brasil, pratica-se uma das mais altas taxas de intermediação do planeta, em torno de 31 pontos porcentuais, contra 16 no Paraguai, 13 no Peru, 7 na Colômbia, 4 na Argentina, 3 no México e 2 no Chile. Um amplo empecilho à construção de ofertas de crédito competitivas no país.

Azevêdo, da OMC, ressalta que o aumento da competitividade da economia brasileira envolve questões abrangentes como política fiscal, monetária, trabalhista e social. São as reformas, que passaram a ser assunto dos noticiários; algumas já andaram e outras, como a da Previdência e a tributária, precisam andar. Macroeconômicas e microeconômicas. É importante aproveitar a atual janela de vontade política, apesar dos contratempos políticos, para enfrentar corporações e privilégios, melhorar o ambiente de negócios, abrir a economia, melhorar a qualidade da educação (sem precisar gastar mais para isso) e estimular o investimento. Yoshiaki Nakano, diretor da Escola de Economia de São Paulo da Fundação Getúlio Vargas, lembra oportunamente que, para viabilizar incremento importante no investimento privado, é necessário viabilizar o aumento da hoje deprimida margem de lucro das empresas, especialmente na indústria manufatureira, uma vez que mais de dois terços dos investimentos no setor não financeiro são financiados por recursos próprios.

Para que a indústria possa voltar a dar importante contribuição ao crescimento do país, é imprescindível recuperarmos a competitividade da economia, reduzindo o custo Brasil, e a estabilidade política para que quem se disponha a investir enxergue possibilidade de retorno e segurança jurídica.

Link do artigo:

http://www.gazetadopovo.com.br/opiniao/artigos/aindustria-poderia-contribuir-mais-1xjr93mf5fxj5hbivbvkur1d4

 

Publicado no jornal Gazeta do Povo – Curitiba/PR em 07/11/17

Limites ao potencial de crescimento

O Fórum Cidadão Global, promovido no último dia 5 pelo jornal Valor Econômico e pelo Banco Santander, contou com a participação do ex-presidente dos Estados Unidos Barack Obama, que fez vários questionamentos sobre o futuro, como quem se beneficiará das mudanças transformacionais que estão acontecendo com a digitalização e a inteligência artificial. Uns poucos países, empresas e cidadãos – o que poderá acentuar o sentimento de exclusão e estimular o populismo, ou conseguiremos horizontalizar os frutos desses avanços? A Fundação Obama se dedicará, em diversos países, à preparação de jovens que possam contribuir de forma importante com as mudanças que o mundo estaria precisando.

Mas o Fórum trouxe também importante debate sobre as questões atuais. Questionado sobre os principais entraves ao crescimento econômico no Brasil, o colunista-chefe de economia do Financial Times, um dos jornalistas econômicos mais influentes do mundo, Martin Wolf, destacou a necessidade de recompormos a taxa de poupança interna, hoje encolhida a algo em torno de 15% do PIB. Se quisermos crescer de 3% a 4% ao ano, devemos poupar 25% do PIB, e se quisermos crescer mais, precisamos poupar ainda mais.

Sem poupança, o país não consegue investir. É o que vem acontecendo nos últimos anos. E, sem investimentos, a produtividade estanca ou retrocede e os gargalos ao crescimento se multiplicam, que também é o que está acontecendo. E por que poupamos tão pouco? Por vários motivos: crescente transferência de recursos da sociedade para o poder público via crescimento da carga tributária, da dívida pública, da burocracia e das demais ineficiências na relação entre o cidadão e o Estado; o brasileiro não tem cultura de poupança e, ao invés de ser estimulado a isso, as políticas públicas, ao contrário, têm induzido ao consumo como forma de resgatar crescimento econômico. Mas é importante lembrar que consumo, no máximo, ajuda a aquecer os motores. O que sustenta crescimento é o investimento em infraestrutura, em tecnologia, em educação. Que no Brasil foi classificado como despesa discricionária, isto é, não obrigatória, e é sempre a primeira a ser cortada quando a ineficiência do gasto público nos leva a uma crise fiscal como a atual. É assim que, deliberadamente, limitamos o nosso crescimento potencial e a trajetória rumo ao desenvolvimento.

 

Publicado em 18.10.2017 no Jornal Diário Catarinense

O desafio da produtividade para o crescimento

Em algumas das últimas décadas do século passado, tínhamos carga tributária razoável (até 25% do PIB), poupança interna menos defasada, crescimento da produtividade e taxa de investimento adequados, o que nos permitiu, por vários anos, sermos um dos países de maior crescimento do mundo. Nos últimos tempos, todavia, temos apresentado taxas de crescimento decepcionantes, aparentemente presos no que se convencionou chamar de armadilha de renda média. Essa armadilha, contudo, tem explicações.

Pesquisa feita pelo professor Fernando Veloso, do Ibre/FGV, constatou que, de 1950 a 1980, a produtividade no Brasil cresceu, em média, 3,5% ao ano (a.a.), taxa que caiu para 0,5% a partir de 1980 e para (–) 0,3% a partir de 2010. Certamente, a principal causa dessa queda de produtividade é o crescente processo de transferência de riqueza do setor privado, incluindo famílias, para o setor público no período.

O estudo mostra ainda que, mesmo apresentado produtividade superior a de outros setores, a indústria brasileira (US$ 19.389 por trabalhador/ano, contra US$ 15.814 do setor de serviços e US$ 4.779 da agropecuária) apresenta cifra 5,7 vezes inferior dos Estados Unidos (US$ 89.318). Por outro lado, pesquisa do Ipea aponta que no período 1995-2009 a produtividade do trabalho no Brasil cresceu no acumulado 13,6%, contra 226,8% na China.

Entre os fatores de produção, no que se refere ao componente trabalho, o crescimento do PIB em alguns países da América Latina, e, especialmente, no Brasil, nos últimos 15 anos, se deveu especialmente à incorporação de novos contingentes da população ao mercado de trabalho e só 22% ao aumento da produtividade. Enquanto isso, nos países asiáticos, 86% do crescimento se deveu ao crescimento da produtividade e só 14% ao aumento do emprego. O impacto dessas diferenças na competitividade e no crescimento dos dois blocos de países é de conhecimento geral. E aqui, em nossa região, o Peru apresentou, no período analisado, crescimento médio de produtividade de 3,2% a.a., o que explica o fato de ter sido o país de maior crescimento econômico.

Para que o Brasil possa manter a modesta taxa média de crescimento no período de 2000 a 2015, de 2,7% a.a., teremos que, segundo estudo da consultoria McKinsey, triplicar o desempenho da nossa produtividade. O que, convenhamos, não será nada simples, considerando que a taxa de investimento está ao redor dos 15% do PIB, menor patamar da série histórica (contra 19,5% da África do Sul, 25,6% da Rússia, 31,4% da Índia e 44% da China, para ficarmos nos Brics) e a carga tributária tem beirado os 35% do PIB e pressionada pelo descontrole das contas públicas, especialmente dos gastos obrigatórios como a Previdência. A análise dos problemas nos aponta a lição de casa a fazer.

 

Publicado no Diário Catarinense em 23/09/17.

Previdência não sobrevive de promessas

Já foi dito com muita propriedade que as reformas têm dificuldade de avançar no Brasil porque a população é vítima de promessas de que não precisará abrir mão de direitos que, na realidade, não tem e de futuros direitos que, na realidade, não terá. São promessas irresponsáveis de ditos defensores de maiorias ou de minorias que não têm como viabilizar as promessas que fazem e as despesas que criam. O colapso do sistema previdenciário é exemplo claro. É excessivamente generoso e assegura privilégios que não consegue mais entregar. A conta vai para o aumento da carga tributária, da dívida pública, do deficit público e, no fim, do desemprego. Estudo da Secretaria de Política Econômica do Ministério da Fazenda aponta, entre as distorções, a elevada taxa de reposição (relação entre o salário e a aposentadoria), que no Brasil é de 76% contra 56%, em média, nos países europeus, agravado aqui pela incidência das aposentadorias integrais dos servidores públicos.

Também evidencia a baixa idade média de aposentadoria no país, de 59 anos, contra uma média de 64 anos nos países da Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE), de 68 anos em Portugal; 69, Chile; 71, na Coreia do Sul; e 72, no México. A distorção no Brasil vem em grande parte das aposentadorias por tempo de contribuição e da equivocada proliferação de regimes especiais. Com o aumento da longevidade da população, que, de uma expectativa de vida de 58,4 anos há 35 anos, vive, hoje, em média 75,5 anos, tivemos uma pressão crescente sobre as contas da Previdência.

De outro lado, temos um avanço dramático do deficit da Previdência Rural, de R$ 16,7 bilhões, em 2002, para R$ 103,4 bilhões em 2016. Enquanto isso, na urbana, o deficit no período evoluiu de R$ 2,3 bilhões para R$ 46,3 bilhões. Considerando a seguridade social como um todo, o deficit passou de R$ 27,2 bilhões em 2003 para R$ 258,7 bilhões em 2016.

O economista Raul Velloso afirma que, se quisermos um resultado num prazo mais curto, precisamos alterar as aposentadorias diferenciadas dos funcionários públicos. Os que ingressaram no serviço público antes de 2013, quando foi criada a Fundação de Previdência Complementar do Servidor Público Federal (Funpresp), aposentam-se com salário integral e mantém seus vencimentos equiparados aos dos servidores da ativa. O projeto de reforma estabeleceu que, para manter esses privilégios integralmente, a idade de aposentadoria teria que respeitar os mesmos limites de idade definidos para os brasileiros comuns (65 anos para homens e 62 para mulheres).

O Regime Próprio da Previdência Social (RPPS), que atende aos funcionários da União, acumula já um deficit atuarial de quase R$ 2 trilhões. Em 2018, teve estes gastos mensais médios com aposentadorias: servidores civis do Executivo, com R$7,6 mil; militares, R$ 9,7 mil; do Judiciário, R$ 22,2 mil; e do Legislativo, R$28,6 mil. Contra R$ 1,3 mil do setor privado. Em 2015, o RPPS, que atende cerca de 1 milhão de inativos, gerou deficit de R$ 78 bilhões, portanto, em torno de R$ 80 mil por assistido, enquanto no Regime Geral de Previdência Social (RGPS), que atende as aposentadorias da iniciativa privada, o deficit per capita foi de pouco mais de R$ 3 mil. A distorção é gritante. Pedro Nery, consultor legislativo do Senado, menciona estudo do Instituto de Pesquisa Econômica Aplica (Ipea) que mostra a previdência dos servidores como responsável por 7% da desigualdade de renda do país, o que, segundo o professor José Márcio Camargo, representa o maior programa de transferência de renda do país.

Ainda no setor público, o problema é igualmente grave nos estados, cuja previdência, em, 2016, apresentou deficit de R$ 102,4 bilhões, exigindo aporte médio de 12,7% da Receita Corrente Líquida (RCL) para cobrir gastos com inativos e pensionistas. Estados, como Minas Gerais, que destinou 27,8% da RCL, e o Rio Grande do Sul, 40,5% estão beirando a insolvência. A sustentabilidade fiscal das unidades da Federação passa pelo equacionamento desse problema.

A reforma da Previdência urbana do setor privado, mesmo sendo imprescindível, está longe de ser suficiente. O alarmante desequilíbrio da seguridade social rural e dos servidores deve vir para o centro das atenções na discussão que o país deve retornar no Congresso Nacional e fora dele. Devemos caminhar para equiparar todos os regimes, num misto de sistema de capitalização e assistência pública aos mais pobres. Privilégios devem ser reavaliados, porque a conta não fecha. A busca do equilíbrio não pode aguardar o desfile de promessas e propostas inconsistentes. A falta de senso de urgência custa muito caro ao país.

 

Publicado em 29/08/2017 no Jornal Correio Braziliense

Não podemos esquecer a Previdência

O Brasil não pode viver só apagando incêndios, apesar de termos que apagá-los. Temos que corrigir o passado sem deixar de construir o futuro. Construir o futuro significa criar as condições estruturais que permitam ao país libertar-se das amarras da armadilha da renda média e vislumbrar a evolução na direção do grupo de países desenvolvidos. O turbilhão de problemas políticos que tem congestionado a agenda do país não pode embaçar a nossa visão sobre a importância das reformas faltantes, a começar pela improrrogável reconstrução do sistema previdenciário brasileiro.

Como bem alertou o economista Andrés Velasco – ex-professor de Harvard e, quando ministro da Fazenda do Chile, responsável pela reforma da Previdência que veio a inspirar vários países – a escolha que os brasileiros têm hoje não é entre um caminho difícil agora e outro mais fácil depois, e, sim, entre um difícil agora e um muito mais difícil à frente. Recomenda fugir dos modelos previdenciários puros, sejam aqueles totalmente capitalizados e administrados por fundos privados, sejam os públicos com pensões generosas e déficits insustentáveis como no Brasil. Os modelos híbridos, que combinam sistemas de capitalização com aposentadorias mínimas garantidas pelo governo aos mais pobres, tem sido a solução para vários países, como a Suécia, que também vinham acumulando déficits inadministráveis.

O economista Paulo Rabello de Castro, hoje presidente do BNDES, e cofundador do Movimento Brasil Eficiente, alerta que, em função dos dados demográficos e da situação fiscal do país, a proposta de reforma da Previdência que está no Congresso não é a ideal, mas a mínima. O modelo de seguridade social que escolhemos, diz, cria a necessidade de termos mais e mais crianças vindo pagar a conta dos que se aposentam, o que em função do esgotamento do nosso bônus demográfico certamente não acontecerá. Especial atenção requer a previdência do setor público, que não tem suporte populacional, porque não foi feita para se ir empregando mais funcionários como lastro para garantir os pagamentos futuros.

O assunto é complexo e envolve questões essenciais como idade mínima, desindexação, equiparação de regimes e eliminação de privilégios, que ficam para um próximo artigo.

Só não podemos esquecer que independentemente do protagonismo dos palpitantes assuntos políticos, esse problema continua e está se agravando de forma preocupante.

 

Publicado nos jornais Diário Catarinense e A Notícia em 09/08/17.